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Lançamento Gênesis do Conhecimento - Enigma - Andrew Razeghi


Andrew Razeghi


ENIGMA
De onde as idéias vêm e o que
fazer para melhorá-las

TRADUÇÃO
Elvira Vigna


Ediouro


Aos que resolvem problemas

Sumário

Introdução - Choradeira por inovação
Capítulo 1 - Intenção de inovar
Capítulo 2 - Os deuses devem estar loucos (ou vai ver sou
eu)
Capítulo 3 - Momento-eureca
Capítulo 4 - Foi um sonho
Capítulo 5 - Entrando no clima
Capítulo 6 - Mistério total
Capítulo 7 - De um óbvio ululante
Capítulo 8 - Parentes distantes
Capítulo 9 - Em posições opostas
Capítulo 10 - Um súbito brilhantismo
Epílogo - E é isso que acontece com tudo que é novo
Agradecimentos


INTRODUÇÃO

Choradeira por Inovação

Você já se deparou com um problema que não conseguia
resolver, não importa quanto tentasse? Ao vê-lo assim, sem
norte na vida, alguém provavelmente lhe disse: "Pare um
pouco. Não pense tanto". E você obedeceu. E depois, ao
acordar, no chuveiro ou no tráfego, aconteceu: você teve
uma grande idéia. "Ahá!", você disse. "Consegui! Resolvi!"
Este livro é sobre o momento do "Ahá!" — por que
acontece, como acontece e o que você pode fazer para que
aconteça mais. Bem-vindo ao Enigma.
O enigma a que me refiro é o "xis" da questão de todo
processo criativo: como podemos chegar à origem desse
momento chamado "Eureca!": o mágico nanossegundo em
que uma grande idéia dá uma festa surpresa dentro do seu
cérebro. É nesse instante misterioso e cheio de adrenalina
que problemas são resolvidos, idéias nascem e a inspiração
surge. Esse desnorteante instante de genialidade inesperada
é o grande objeto de desejo de artistas, designers,
empresários, inventores, comerciantes, desenvolvedores,
compositores e praticamente qualquer um que tenha a quase
impossível missão de criar, em tempo real, soluções
inovadoras para problemas existentes. Ao isolar e
compreender o que provoca esse instante tão efêmero, você
estará mais bem equipado para gerar idéias criativas
intencionalmente, em vez de por acidente.
Isolar o "momento-eureca" não é muito fácil, e vou dizer
por quê.
Primeiro, não temos o hábito de analisar a criatividade das
pessoas: nos contentamos em separar quem é de quem não é
criativo. E achamos que os que são criativos o são por uma
espécie de graça divina, e não porque se esforçaram para
isso. Essa categorização de "ter ou não ter" impede a noção
de que criatividade é algo que pode ser entendido e
aprendido, incluindo aí o processo de como as idéias
nascem. Será que os atos criativos não são aleatórios? Existe
alguma lógica envolvida?
Segundo, quase todo mundo já teve um momento-eureca na
vida, mas ninguém consegue recuperar exatamente o
processo cognitivo em curso; só gostamos de lembrar
mesmo do momento-eureca. O fascínio e a exultação com as
idéias que são o resultado do processo criativo nos impedem
de ter o trabalho de tentar compreender por que afinal elas
aconteceram, e como poderíamos tentar repetir o que
parece ser algo completamente fora de nosso controle. Mas
que tal se você conseguisse reproduzir os eventos anteriores
àquele instante mágico da sua última grande idéia? Que tal se
você conseguisse se tornar propositalmente, ao invés de
acidentalmente, criativo?
Terceiro, por causa da aura mítica que a cerca, a criatividade
é bastante mal compreendida. Temos várias desculpas para
nossos fracassos e não paramos para pensar na lógica que
regula o processo criativo e na possibilidade de empregá-la.
Essa incompreensão começa com as muitas definições de
criatividade. Bem, e se você for mais ativo em relação à sua
criatividade, em vez de ficar sentado esperando por uma
graça divina? Será que aumentariam as suas chances de
sucesso em inovações?
Vamos começar pela procura por criatividade. Desde que
escrevi meu último livro, volta e meia lembro de um
comentário que o inovador das finanças, Charles Schwab,
me fez. Estávamos discutindo sobre como ajudar escolas a
preparar melhor nossos futuros líderes, e ele me contou uma
conversa que teve com o diretor de uma faculdade de
administração de Bay Area. O diretor perguntou como
poderia melhorar o curso, e Schwab disse qualquer coisa
assim: "O problema com vocês, professores, é que tudo
acaba se resumindo a provas e cabeças compartimentadas,
tudo bem quadrado mesmo".
Schwab se referia a testes padronizados, média para passar
de ano e outros cacoetes acadêmicos. E "vocês, professores"
incluía os administradores das escolas, além dos
administradores das empresas e do mundo todo.
Embora essas avaliações acadêmicas padronizadas tenham,
com certeza, função vital em nosso sistema educacional, o
problema fundamental com notas e cabeças quadradas é
simples: o negócio da criatividade é o negócio de pensar fora
de compartimentos quadrados, não dentro. Quanto às
avaliações, mesmo melhoradas com a inclusão de ensaios
escritos, elas ainda assim não conseguem reconhecer ou
medir criatividade. E isso vale para avaliações voltadas ao
mundo dos negócios também. A grande ironia é que o
mundo dos negócios gira em torno da criatividade. Dinheiro
novo inunda os que conseguem lançar com sucesso
produtos novos, serviços novos e modelos novos de
negócios. É preciso admitir que os que desenvolvem e
aplicam os testes padronizados nunca disseram que pode-
riam medir criatividade (aliás, dizem justo o contrário, que
não podem), e isso vale para vários outros métodos de
mensuração de desempenho. Pode parecer que não existe
teste de criatividade. Mas existe. Só que não costumamos
aplicá-los, não com a mesma freqüência dos testes de
inteligência, por exemplo. Alguns poderiam argumentar que
a capacidade criativa de um aluno pode ser avaliada pelo seu
envolvimento em atividades extracurriculares, mas acho que
essas atividades são mais uma medida de aptidão de liderança
do que de aptidão criativa. Mas não quero aqui ficar batendo
na tecla dos testes, porque eles estão longe de ser os únicos
responsáveis pela crise da criatividade.
A responsabilidade em diminuir a crise cai direto nos meus
ombros — é assunto para o campo em que trabalho, o
campo da inovação. Como qualquer outro campo, esse
também se beneficiaria sobremaneira de uma compreensão
em comum, de uma estrutura prática comum, que pudesse
ser usada para o entendimento e o ensino da criatividade.
Isso quer dizer compreender, e muito, a psicologia dos
gênios criativos, e como se originam suas idéias. Há uma
dificuldade: mesmo nós, que estudamos o assunto, não
conseguimos ter uma compreensão completa da psicologia
dos gênios criativos, embora, sim, tenhamos nossas bem-
informadas opiniões e uma litania acadêmica a respaldá-las.
Bem, e há também uma vantagem: o campo da inovação não
é um campo. Pelo contrário, somos um bando bem variado:
artistas, arquitetos, psicólogos behavioristas, cientistas
neurocognitivos, inventores, músicos, engenheiros
mecânicos, designers de produto, cientistas sociais,
engenheiros de software e, ocasionalmente, um lunático ou
dois. Diversidade é nosso cartão de visitas. Como o
pesquisador de criatividade Edward de Bono teorizou
décadas atrás, pensamento lateral é pensamento criativo.
(Pensamento lateral é pensar sem se ater às categorizações
convencionais.) A desvantagem associada a essa vantagem é
que não temos qualquer modelo operacional realista para
gerenciar a parte visível da coisa, o insight criativo. E isso
vale para insights criativos de pessoas e empresas. Sem
estrutura lógica para organizar a criatividade, as pessoas lan-
çam mão de todo tipo de ritual, na tentativa de suscitar
grandes idéias. Vale uma longa caminhada ou banhos
quentes de banheira. Ficamos parecendo aqueles videntes
que, em volta de uma mesa vazia, ficam chamando por
parentes mortos. Era bom se funcionasse, e para isso
estamos dispostos a nem tentar entender o como.
Não são só pessoas que querem agarrar esse diferencial tão
significativo. Empresas também querem. Corporações
investem pesado em busca de novas idéias, embora tendam
a ser um pouco mais organizadas do que pessoas nesse seu
esforço. Uma vez identificada uma boa idéia, há todo um
processo estruturado para desenvolvê-la e conseguir o
maravilhoso objetivo final: vender. O processo, como uma
rede, tenta pescar e aglutinar inovações, e um bom exemplo
é o patenteado Stage-Gate, de desenvolvimento de produtos.
Mas, com ou sem processo, a choradeira continua: De onde
virá a próxima grande idéia? Para responder à pergunta,
precisamos entender primeiro como as pessoas se inspiram,
e só depois poderemos aplicar isso a empresas. Antes de
começar a criar esse admirável mundo novo cheio de
resolvedores de problemas, vamos rechear nossa conversa
com uns enfoques novos. Por exemplo, precisamos pensar
outra vez o que quer dizer a frase pensar de forma diferente.
Se você não é um profissional de inovação, vai saber que,
fora desse círculo, a criatividade é, na melhor das hipóteses,
uma nota de pé de página do currículo escolar. Algo que fica
perto dos devaneios artísticos. E até mesmo nas escolas de
administração e marketing, em geral vem com o rótulo de
matéria eletiva. Acredito que isso se deva porque ainda não
caiu a ficha que criatividade aplicada deveria ser uma
disciplina, tal como, digamos, contabilidade. A inovação
está, se tanto, distribuída em outras disciplinas, como
marketing, produção, desenvolvimento organizacional,
liderança, e por aí vai. Sem ser integrada. Existem aqueles,
como eu, que ensinam indivíduos ou corporações a
incubarem e introduzirem novas idéias no mundo, com foco
em novos produtos, serviços ou mesmo negócios inteiros.
Mas não há algo como carteirinha de especialista em inova-
ção, ou diploma em criatividade conceitual, pelo menos não
como existe para contador ou corretor imobiliário. Não
estamos sozinhos: qualquer campo que ainda não tenha
amadurecido sua atuação sofre de problemas de identidade.
Por causa dessa imaturidade e da ausência de uma estrutura
compartilhada, corporações penam com graduandos mal
preparados para lidar com conceito, método e lógica das
soluções criativas para os seus problemas. Acho que sabendo
ensinar, testar e gerenciar a criatividade de forma mais
sistemática, estaremos mais bem equipados para resolver
muitos dos mais graves problemas do mundo.
Os "profissionais" da inovação, junto com nosso sistema
educacional, podem ser os responsáveis por tentar diminuir
a crise da criatividade, mas as corporações também deviam
estar nesse grupo. Costumo brincar que inovadores em
empresas são como universitários: um pé fora da casa dos
pais, mas gastando sem parar o dinheiro deles. Em relação ao
esforço corporativo para obter inovações, o dinheiro para
isso muitas vezes vem de fontes díspares: pesquisa &
desenvolvimento, departamento de marketing ou alguma
coisa esquisita do tipo orçamento para financiar idéias
interessantes. A inovação não tem o próprio cofrinho, ou
um sistema próprio de medição (algo, por exemplo, como
uma taxa interna de retorno de investimento). Nada que o
pessoal que está lá, propondo novas idéias, possa usar para
"provar" seu valor e, com isso, continuar recebendo mais
dinheiro.
E quanto a quem controla a inovação dentro da empresa, é
só seguir o dinheiro. Quem dá o dinheiro é o dono dela — e
isso vale tanto para inovações que dão certo quanto para as
que dão errado.
Tendo em vista o estilo de vida nômade que a inovação tem
no mundo hoje, é surpresa saber que a maioria das novas
idéias fracassa no mercado? O que mais esperar de uma coisa
que não é ensinada, não é testada, não tem organização,
dono ou dinheiro? Uma criança criada por lobos tem mais
chance de sobreviver. Mas continuo achando que fracasso
não é um pré-requisito, que mitos devem ficar para trás. As
pessoas lembram da palavra fracasso assim que se começa a
falar de inovação, só porque não há uma organização em
volta da criatividade. Achamos que criatividade é algo que
acontece depois de algumas coisas não controláveis e
algumas felizes coincidências. E lá vem a crise: há um sem-
número de razões para uma idéia falhar, mas esse mantra de
que "é preciso estar disposto a fracassar para conseguir
sucesso em inovação" causa alguns problemas.
Primeiro, ninguém quer fracassar; mais importante,
ninguém quer ser flagrado fracassando. Portanto, um serviço
meia-boca fadado ao fracasso raramente é eficiente em criar
uma mudança de comportamento nas pessoas. Soa bem no
microfone da conferência, mas cai de cara no chão no
conselho deliberativo.
Segundo, o mito do fracasso faz com que negligenciemos a
lógica da criatividade. O "fracassar para vencer" é tão ouvido
que desistimos antes de começar. Na minha opinião,
ninguém precisa fracassar para vencer. Tanto indivíduos
quanto corporações precisam de mapa e bússola para viajar
sem se perder. E isso vale também quando a viagem é
mental, na busca de novas idéias. Há placas, marcadores de
quilometragem e atalhos à disposição dos viajantes da
inovação. Você precisa aprender a reconhecê-los para poder
gerar soluções relevantes de uma forma mais consistente.
Entre as ferramentas abordadas nas páginas deste livro estão
os precursores do pensamento criativo: comportamentos e
processos mentais anteriores ao aparecimento de uma
grande idéia. Ao saber aplicar essas ferramentas, você será
capaz de diminuir as possibilidades de fracasso em seus
esforços de inovação.
O terceiro motivo para ouvir falar tanto de fracasso no
campo da inovação é a adoção por atacado de mantras sem
sentido como "Pense de forma diferente". "Pense de forma
diferente" é tão útil para um inovador quanto "Chute de
forma diferente" poderia ser para um jogador de futebol.
Imagine o Ronaldinho em uma fase difícil e o técnico
simplesmente dizendo: "Ronaldinho, você devia chutar de
forma diferente". Seria um conselho inútil do ponto de vista
prático. Se Ronaldinho não fosse o Ronaldinho, como ele
poderia saber se era para ir mais devagar, de trás para a
frente ou de cabeça para baixo? Útil seria dizer como ele
deveria chutar de forma diferente. É a mesma coisa com a
inovação. Corporações estimuladas a "pensar de forma
diferente" seguem, com freqüência, esse mesmo caminho:
uma litania de novos produtos e serviços originais, novos,
maravilhosos, dignos das principais manchetes — e
completamente inúteis. Seguiram o mandamento de pensar
de forma diferente, mas fracassaram. Pensar de forma
criativa não inclui necessariamente pensar de forma
diferente, mas sim pensar de forma deliberada, ou seja,
pensar de uma forma específica a respeito de determinada
situação, problema ou oportunidade. E até mesmo ficar
prestando atenção em pensamentos que parecem não ter
nada a ver. Fazer isso envolve uma habilidade cognitiva que
a maioria das pessoas possui, mas raramente exercita.
O que pretendo com este livro é ajudar você a aprender
como se tornar mais criativo conceitualmente, por meio da
demonstração de como os eventos que levam ao momento-
eureca podem ser reproduzidos, e assim propiciar uma
inovação contínua. Ao contrário do que todos pensam, a
criatividade não precisa ser um processo aleatório. Existe
lógica nele. Ao analisar fatos e técnicas que produzem
grandes idéias, creio que podemos, juntos, começar a
diminuir a crise de criatividade que ataca a maioria das
empresas de hoje.
Crise pode parecer meio alarmista. E é, mas não sou eu
quem está apertando o botão de alarme. Esse som estridente
que você está escutando é o grito de um mercado a cada dia
mais exigente, atulhado e homogêneo, no qual somos
forçados a competir. Segundo uma pesquisa do Dallas
Federal Reserve, o número de categorias de produtos
explodiu desde 1970. Hoje vivemos em um mundo com
mais de 64 tipos diferentes de fio dental (eram 12 em 1970),
141 analgésicos (eram 17), 43 itens diferentes no menu do
McDonald's (eram 13) e 285 marcas de tênis de corrida, 167
masculinos e 118 femininos. As 5 marcas de antes eram
unissex, e você provavelmente as conhece: Adidas,
Converse, New Balance, Nike e Puma. Agora tente citar as
outras 280. Com essa enxurrada de novos produtos,
impiedosamente lançados todas as semanas, não há na Terra
uma única empresa que não esteja desesperada atrás de uma
solução para alguma necessidade ainda não detectada, ou
tentando descobrir alguma nova grande idéia que tenha
relevância.
Nas conversas corporativas, a frase "procurando um
diferencial que tenha relevância" é tão comum quanto um
carrinho de pipocas. O desafio é encontrar as idéias certas, as
idéias grandes, as idéias de valor. O que inspira o gênio
criativo? Um jeito de tentar descobrir isso é perguntar para
quem já teve alguma grande idéia se ele sabe de onde a idéia
surgiu. Descobri, no entanto, que fazer isso é inútil, já que
raramente os inovadores lembram exatamente como eles
tiveram as idéias. Eles até lembram o que estavam fazendo
logo antes do momento-eureca, e lembram também do
impasse anterior, quando buscavam a solução. Mas nunca
sabem realmente o que foi que aconteceu. Só para dar um
exemplo, em resposta à minha pergunta sobre a fonte da
inspiração criativa de sua empresa, um cliente meu
respondeu: "É como perguntar O que é o amor? Não sei o
que é; só sei quando dá certo".
Como em relacionamentos, em que há leis que comandam a
atração, no campo da inovação também as temos. Os
acadêmicos da inovação e os que são bem-sucedidos em
novas idéias (empresários, investidores de risco, inovadores
corporativos) podem com freqüência prever bastante bem se
uma idéia vai fracassar, ou as condições necessárias para um
provável sucesso. Uma das razões de podermos prever esse
tipo de coisa é que temos acesso a um número infinito de
idéias fracassadas, e, portanto, podemos aprender com os
erros dos outros. Aliás, para ensinar meus alunos do curso de
inovação na North-Western University a prever se uma
idéia vai dar certo ou não, digo a eles para começar
fracassando. Imagine só, você se esforçou sem parar,
conseguiu ser aceito em uma das maiores escolas de admi-
nistração do planeta, e a primeira coisa que o professor diz
para você fazer é fracassar. Na verdade, o que faço é dar a
eles um produto fracassado, e eles então devem imaginar
que foram eles que o desenharam e lançaram. Aí peço que
me digam por que lançaram, por que fracassou e o que
devem fazer de diferente para relançá-lo, ressuscitá-lo ou
consertá-lo de alguma forma. Aliás, "matar o produto" é uma
opção, mas nem precisa. Usamos os clássicos dos clássicos
em matéria de produtos fracassados: O Singles da Gerber
(comida de bebê para adultos), o Iridium da Motorola
(telefone por satélite), lenços de papel Avert Virucidal da
Kleenex (contra germes), o modelo Edsel da Ford e o meu
favorito: Hey! There's a Monster in My Room (uma espécie
de spray anti-monstros para crianças).
Por que o Hey fracassou? Pense só. É noite. Está escuro lá
fora. Você acaba de dar banho no seu filho, leu um livro
para ele, pôs na cama e ajeitou as cobertas. Bem na hora em
que ele acha que está tudo bem e gostosinho, você dá a ele
uma lata de spray. "Para que é isso?" pergunta o queridinho,
e você responde: "Porque ei, tem um monstro no seu
quarto!" Muito obrigado. Parecido com o Singles da Gerber.
Pense: você se encontra temporariamente solteiro, é sábado
à noite e você está em casa sozinho comendo papinha de
bebê tirada de um potinho. Como o produto faz você se
sentir? Merece todo o fracasso do mundo, como, aliás, as
outras idéias da lista supracitada.
Se você conseguir escutar, fracasso é o maior professor que
existe, embora eu aconselhe sempre a dar preferência aos
fracassos dos outros, não aos seus. Não foi o que fez a
Kleenex. Vinte anos depois do fracasso dos lenços Avert, ela
os relançou com nova tecnologia e novo nome: Kleenex
Anti-Viral Tissues. Desde então, é um sucesso no
atendimento das necessidades de seus clientes, graças a uma
história bem melhor: o produto não se limita a capturar
germes viajando a 320 km/h depois de expelidos em um
espirro: ele também os mata. Os lenços, diz a Kleenex,
matam "99% dos vírus de gripes e resfriados antes que se
espalhem". Se considerarmos que um espirro ou tosse pode
arremessar vírus a até um metro de distância, e que eles
podem ficar vivos e contentes por até vinte e quatro horas, a
venda é certa. Mas então por que o antecessor Avert
fracassou? Deve ter sido o nome. Afinal, o que quer dizer
virucidal? Ou foi porque os lenços eram impregnados com
um derivado de vitamina C, fazendo você pensar como seria
esfregar um limão no olho. E, de qualquer forma, o
problema continuou: como fazer para parar de espalhar
resfriados.
Como o Avert e outros nos ensinaram, embora a
implementação da solução tenha sido problemática, a
necessidade continuava lá. Com o fracasso do Avert, a
necessidade que ele deveria ter atendido continuou sem
solução por pelo menos duas décadas. Por quê? Bem, se
fosse você que estivesse trabalhando na Kleenex de 1985
(lançamento do Avert) até 2005 (lançamento do Kleenex
Anti virai), você não ia querer sugerir retomar um fracasso
desses, não é?
A razão de não vermos uma grande idéia nem sempre é o
medo de fracassar: pode ser simplesmente porque estamos
cegos para ela, ou esquecemos que alguém em algum lugar e
momento tentou resolver aquele problema e fracassou na
execução da solução. Se você quer criar um futuro, estude o
passado — nos seus sucessos e fracassos: O que deu errado?
O que funcionou? O que você pode tirar daí que possa
ajudá-lo a inovar mais uma vez? Se você não fizer isso, em
vez de um enfoque disciplinado dos momentos-eureca terá
sempre o queixo caído frente à grande idéia dos outros, com
a eterna pergunta: "Por que eu não pensei nisso antes?".
A boa notícia é que pensar com criatividade é uma opção a
seu dispor. Você controla. E, embora o campo da inovação
ainda tenha que comer muito feijão até ocupar seu espaço ao
lado de disciplinas consagradas, e embora esse livro de forma
alguma tente solucionar sozinho a crise da criatividade, vejo
isso como um bom ponto de partida. Para exercer essa
opção, primeiro vamos definir o que é criatividade
(exploraremos isso em detalhe no Capítulo 1). Um dos
maiores problemas que enfrento no meu trabalho é que
criatividade e criatividade aplicada (ou inovação) significam
coisas muito diferentes para pessoas muito diferentes. Desde
criar coisas originais até não ter pensamentos quadrados,
usar a inovação é, na melhor das hipóteses, algo meio difícil
de definir.
Para ajudar nessa nossa conversa, e, portanto, ajudar o
campo da criatividade aplicada, começo este livro
distinguindo três tipos de criatividade: criatividade artística,
descobertas científicas e criatividade conceitual. Como você
logo vai perceber, Enigma está preocupado principalmente
com a criatividade mais negligenciada e mais
incompreendida de todas: a criatividade conceitual, a
criatividade dos negócios.
Além de significados semânticos divergentes, a inovação
está cercada de mitos ferrenhamente populares: inovação é
criar o que não existe; você pensa com o lado direito do
cérebro ou com o esquerdo; quem sai na frente tem sempre
vantagem; o fracasso é necessário. Esses mitos, peixinhos
vermelhos a nadar no grande aquário que é a blogosfera,
formam nossa incompreensão sobre a inovação. Com uma
vida pesquisando, ensinando e aconselhando corporações no
mundo inteiro, acredito que esses mitos são um entrave à
nossa capacidade de resolver problemas. Vou tentar
desmascará-los no decorrer do livro, mas comecemos com
alguns pensamentos. Primeiro, não existe esse negócio de
ter uma idéia nova. O que existe são idéias que ainda não
foram combinadas da forma certa, ou idéias cujo tempo
ainda não chegou. Preste atenção ao conselho de Carlos
Pellicer, um poeta modernista mexicano: "Sou o tempo
entre duas eternidades, a de antes e a que vem depois de
mim. Fogo; sombra solitária em meio a imensas claridades".
Se quiser vencer em inovação, estude o passado. Tudo já foi
feito — talvez de forma diferente, ou em algum outro lugar.
Os que têm sucesso em inovação muitas vezes conseguem
sua vitória reinterpretando o passado ou reconfigurando o
presente, para então criar o futuro.
Um segundo mito que merece ser desmascarado é o de que
as pessoas usam o lado direito do cérebro (criativas) ou o
esquerdo (lógicas). Embora a idéia possa ser boa para uma
história de ficção científica, ninguém tem meio cérebro.
Rotular alguém como mentalmente de esquerda ou de
direita é tão útil para a inovação quanto dizer que uma zebra
é preta de listas brancas ou o contrário. Como vamos ver,
você usa o cérebro inteiro no processo criativo.
Terceiro, ao contrário da opinião popular, quem sai na frente
nem sempre consegue manter sua vantagem. Com a exceção
notória das indústrias muito regulamentadas, como a
farmacêutica ou a bélica, em que o desenvolvimento do
produto se dá a partir de especificações técnicas precisas, o
que acontece com freqüência é que uma corporação vá atrás
da que saiu na frente e, mesmo assim, acabe criando mais
valor e sustentando o sucesso por mais tempo. Em um
mundo hiper-competitivo, e onde pouca coisa é segredo
proprietário, se você quiser valor sustentável, desenvolva a
capacidade de encontrar os primeiros proponentes de algo
que interesse a você. E aí, faça melhor o que eles fazem ou
descubra um jeito de trabalhar com eles. A idéia de
conectar-se a idéias existentes (versus inventá-las) não chega
a ser uma moda recente no campo da inovação; é o fulcro
do incrível sucesso de um dos inventores mais conhecidos
no mundo, Thomas Edison. Edison era mais um agente de
invenções do que um inventor. Seu talento estava mais em
atrair os melhores e mais brilhantes inventores, gerenciá-los
em equipe e promover o trabalho deles, com toda a
veemência possível, sob a marca Edison. Edison sabia muito
bem o valor de uma marca, muito antes de isso virar clichê.
E, por último, o mito de maior penetração no campo da
inovação, o de que fracasso é necessário. Fracasso não é
necessário. Se aprender a pensar de forma adequada, em vez
de pensar de forma diferente, você conseguirá afastar o
fracasso do seu processo criativo. Claro, sempre existirão
fracassados, mas você não prefere aprender com o bolso dos
outros em vez de gastar seu próprio dinheiro repetindo os
erros deles?
Enigma tentará dissipar esses mitos. Mas a meta principal
aqui é demonstrar técnicas para impulsionar a criatividade
conceitual — ajudar você a pensar de forma deliberada, e
não só de forma diferente. Farei isso baseado na minha
crença de que criatividade pode ser ensinada, e aprendida.
Acredito que aprender a pensar de modo criativo não é
diferente de aprender matemática. Há regras, há uma lógica,
há respostas certas, e existem também respostas erradas. A
única diferença entre criatividade e matemática é que
criatividade aplicada enquanto disciplina ainda não recebeu a
atenção destinada à matemática.
O conteúdo deste livro é composto de opiniões embasadas,
observações e uma ou outra verdade pétrea que encontrei
durante meu trabalho de educador e consultor de
criatividade, inovação e crescimento, lidando com
indivíduos e corporações de todas as formas e tamanhos. É
minha intenção com este livro — e convido você a se juntar
a mim — ajudar no desenvolvimento do campo da
criatividade aplicada (inovação), entendida aqui não como o
feliz acidente que às vezes acontece depois de um fracasso,
mas como uma disciplina. Acredito que a melhor forma de
começar essa nossa conversa é pensar, não diferentemente,
e sim deliberadamente, sobre os precursores comuns, mas
ariscos, que antecedem o pensamento criativo.
Como na maioria dos enigmas, aqui também a resposta pode
estar na pergunta. Há pistas. A resposta para o enigma
criativo — de onde as idéias vêm — pode ser encontrada
por meio do estudo da inspiração (idéias) e dos indivíduos
responsáveis por ela. Se você olhar de perto para as idéias, e
para as experiências que as antecederam, você verá pistas
sobre suas origens. Na minha pesquisa identifiquei cinco
pistas, cinco precursores do pensamento criativo — aqueles
que com freqüência estão presentes na concepção de uma
idéia. Projetei e escrevi este livro para explorar cada um
desses precursores em capítulos consecutivos —
curiosidade, limites, convenções, ligações e código. Para
ajudar você a aprender a invocar momentos-eureca sempre
que tiver vontade.
Idéias e conceitos propostos aqui não são, de forma alguma,
definitivos. Não descobri nenhum Santo Graal que governa
epifanias e jamais pensaria em garantir que tudo neste livro
vai funcionar em todos os casos. Mas posso prometer o
seguinte: se você abordar os princípios e sugestões do livro
com mente aberta e curiosidade intelectual, você terá sua
recompensa.

Intenção de inovar

A palavra inovador nos invoca uma galeria de famosos, com
as figurinhas de sempre: Leonardo da Vinci, Albert Einstein,
Richard Branson. Tendemos a achar que todos eles são uma
coisa só, gênios criativos. Mas para entender de onde as
idéias vêm, é importante primeiro discernir as diferentes
formas de expressão criativa e os diferentes tipos de
inovadores — há a criatividade artística (Pablo Picasso, por
exemplo), criatividade científica (Marie Curie) e criatividade
conceituai (James Dyson, o inventor do aspirador de pó
Dyson, aquele que "não perde sucção"). Esses três tipos de
inovadores têm habilidades diferentes e objetivos diferentes.
Saber dessas diferenças fará você evitar, no seu caminho
rumo à inovação, dar de cara com postes de beira de estrada
tais como empresas de risco sem futuro, lançamentos de
produtos que não funcionam e decisões equivocadas de
investimento. Para contextualizar as intenções de inovar,
vou compartilhar com você uma experiência pessoal minha,
a que me levou ao meu momento-eureca sobre meu campo
de trabalho: inovação. Se você já esteve alguma vez em um
seminário de criatividade, vai saber do que estou falando.
Karaokê é uma atividade escusa, e deveria ser mais
controlado pelas autoridades. É necessário haver uma
plaquinha, em lugar bem visível, alertando: Só é permitido o
uso do karaokê por pessoas altamente embriagadas, ou na
presença de platéias em coma profundo. Sua finalidade
exclusiva é de entretenimento, e o uso em qualquer
aplicação prática é terminantemente proibido. A não
obediência à lei implicará em multa pesada. Eu estava por ali,
cuidando da minha vida quando, de repente, me vi no meio
de uma gente esquisita que cantava o "I Will Survive", de
Gloria Gaynor. Meu Deus. Só lembro que uivávamos para
alguma lua, as cabeças jogadas para trás, mãos para o alto.
Técnicas de sobrevivência na selva me passavam pela
cabeça, junto com imagens de combustão espontânea. Um
observador poderia concluir que se tratava de algum ritual
exótico, mas muito pelo contrário. Eu estava em um
seminário de criatividade: um evento de um dia destinado a
ajudar os participantes a "pensar de forma diferente". O
ambiente parecia cenário de um programa infantil de tevê:
jogos, brinquedos, bolinhas de gude. Você sabe do que estou
falando. Lá pelas tantas, teve até hora do lanche com
picolés. O mediador da sessão conseguiu que um homem da
Kibon passasse com seu carrinho por ali. Escolhi um de
cereja, lima e framboesa. Delícia.
E então aconteceu. Ahá! Eu estava de fato começando a
pensar diferente. Enquanto lambia um restinho de cereja,
lima e framboesa dos dedos, de repente percebi quanto
criatividade e inovação eram incompreendidas.
Para diminuir as inibições, companheiras fiéis da
criatividade, muitos profissionais de inovação usam situações
como a descrita acima. Acreditam que o pensamento
divergente (aquele que acontece fora dos quadrados)
aumenta quando as inibições diminuem. Pura verdade; o
problema está em como eles promovem a criatividade.
Promover criatividade artística (criação de objetos únicos)
com música e dança pode ser divertido por um tempo, mas
não é, necessariamente, o método mais eficaz de encorajar a
criatividade conceituai (a arte de resolver problemas).
Realmente tem seu atrativo, e, quando usado com
moderação, pode funcionar. Mas também poderíamos dizer
que a manifestação pública de dons artísticos também pode
aumentar a inibição em muita gente, principalmente quando
ela acontece na frente de estranhos, ou mesmo de colegas
de trabalho.
Já que criatividade é uma função tanto cognitiva quanto
emocional, a sensação de ansiedade produzida por façanhas
desse tipo pode estreitar nossa atenção (parte cognitiva) e
nos motivar (parte emocional) a bater em retirada da criação
colaborativa ("Tenho de sair daqui!" se torna a idéia fixa).
Ansiedade e criatividade formam um estranho casal. Robert
Sternberg, um importante pesquisador de inteligência e
criatividade, descobriu que "uma pessoa criativa está disposta
a tolerar essa ansiedade [a de tentar chegar a uma solução]
por tempo suficiente para descobrir uma solução ótima, ou
quase ótima. "Para outros, entretanto, rastejar para dentro do
quadrado mais próximo (versus evitá-los) é a reação mais
provável". Essas técnicas muitas vezes nem sequer esbarram
em uma idéia relevante, não por serem bobas, mas porque
são desenvolvidas sob a premissa de que toda criatividade é
arte. Seu objetivo é criar algo único, em vez de criar algo
que sirva a um objetivo relevante ou solucione um problema
existente.
O mito do artista nasce da incompreensão que cerca a
criatividade aplicada, ou seja, a inovação. A inovação é tão
incompreendida que muitos de nós nem ao menos temos
uma imagem formada de como inovadores devem ser
fisicamente. A título de exemplo, durante uma entrevista
transmitida via webcast no Instituto Tecnológico de
Monterrey, uma das principais universidades do México,
Carlos Cruz, presidente de inovação e desenvolvimento
institucional, me perguntou se eu seria capaz de identificar
um inovador apenas pela aparência física. E confessou que,
antes de me conhecer, esperava me ver de jeans e meio
desleixado — uma visão romântica de artista —, ficando
surpreso com meu terno e gravata. Essa imagem do "inova-
dor" não é necessariamente mítica; simplesmente é um
reflexo da compartilhada incompreensão quanto à diferença
entre criatividade artística e criatividade conceitual. Depois
de dar minha resposta, que vou dizer qual foi daqui a pouco,
Cruz então falou por que perguntou aquilo: ele também usa
terno e gravata, e sempre tem de se explicar. Afinal,
inovação faz parte do cargo que ocupa. Essa incompreensão
coletiva da inovação é tão difundida que até temos um
estereótipo de como um inovador deve parecer: um híbrido
de Albert Einstein e Andy Warhol. E aqui jaz o problema.
Embora toda arte precise de criatividade, nem toda
criatividade precisa de arte. Por exemplo, um cirurgião apela
para a criatividade ao se deparar com imprevistos durante
um procedimento. Empresários também, depois de terem
queimado todo o orçamento. Até onde eu saiba, não há
casos documentados na literatura médica de cirurgias
cardíacas salvas por um karaokê, e embora empresários
fiquem paralisados frente a uma tela em branco, começar do
zero um novo negócio para eles não é nada. Não é artística a
criatividade de empresários, desenvolvedores de novos
produtos, médicos, pais e todos os encarregados de achar
soluções inovadoras para problemas existentes. É conceitual.
E elas são bem diferentes.
Arte engloba objetos únicos, como música, admirados por
seus princípios estéticos. Criatividade artística significa
moldar coisas que atraem a atenção por sua beleza ou
meramente por sua existência, como é o caso do David de
Michelangelo. Criações artísticas podem ser únicas, mas
serão relevantes na solução de problemas específicos? Não
importa, na verdade. Não precisam. A Mona Lisa precisa ser
admirada, não precisa resolver problemas. É arte — e das
melhores. Mas a criatividade conceituai tem um objetivo:
resolver um problema, ou satisfazer uma necessidade,
vontade ou desejo. Por exemplo, descobrir como conseguir
água potável no sul do Sahara é um problema. A Ethos
Water pensou em um jeito. Para cada garrafinha da marca
Ethos comprada no Starbuck's ou outro lugar, cinco
centavos vão diretamente para programas de tratamento de
água no mundo todo. A Ethos achou uma solução única e
relevante para atender a uma necessidade não atendida. É
uma inovação conceitual. Não é arte. Outro exemplo de
solução técnica para o mesmo problema é o da LifeStraw,
um enorme canudo de aproximadamente 25 centímetros,
com um filtro de carvão que limpa a água de bactérias e
parasitas. Com ele, pode-se beber com segurança de uma
fonte de água contaminada. Um mesmo problema e duas
soluções criativas.
Essa confusão comum entre criatividade artística (invenção
de coisas únicas) e criatividade conceituai (solução de
problemas) é uma das principais razões do fracasso de tantas
idéias no mercado.
O fracasso em inovação sofrido por tantas pessoas e
corporações se deve a um foco muito grande na criatividade
artística durante a introdução de novas idéias. Acabam
lançando novidades, não soluções. Idéias que fracassam são
muitas vezes únicas, e, portanto, um sucesso em termos de
obras de arte; mas são raramente relevantes, e, assim,
fracassam como conceito. No final das contas ganham
admiração, não vendas.
O famoso mico de 400 milhões de dólares da Ford Motor
Company, o Edsel de 1958, foi admirado pela sua novidade,
mas rejeitado como conceito. Na verdade, conceito era o
que faltava. Consumidores não entenderam o que era aquilo,
qual era seu diferencial em relação aos produtos existentes,
como o Mercury da própria Ford, ou por que deveriam
comprá-lo. Não resolvia um problema nem criava uma
oportunidade relevante para o seu público-alvo. Não era um
conceito. Era arte (e uma arte perigosa, como o Unsafe at
Any Speed do Ralph Nader revelou). Embora a maioria das
corporações, incluindo a Ford, certamente não tenha a
menor intenção de criar arte quando desenvolvem novos
produtos, serviços e iniciativas, freqüentemente há essa
confusão entre criatividade artística e criatividade
conceitual. É mais do que uma questão semântica, é nuclear.
Sendo educador e consultor coorporativo em matéria de
criatividade e inovação, freqüentemente escuto a frase "Eu
não sou criativo, apenas isso". De Chicago a Xangai, são
sempre as mesmas palavras, sem diferenças culturais. E não
é verdade. Só porque você não sabe cantar, dançar ou tocar
um instrumento, isso não quer dizer que você não seja
criativo. Você pode não ser criativo artisticamente, mas
pode ser criativo conceitualmente. Pense no seguinte:
Quando foi a última vez em que você teve um problema e o
resolveu? Talvez você tenha ficado sem um ingrediente
importante quando estava cozinhando e precisou
improvisar. Ou talvez você tenha sido obrigado a "trancar" a
porta do carro com fita adesiva. Ou durante a palestra mais
importante da sua vida, você precisou inventar a resposta a
uma pergunta da platéia. Seja qual tenha sido o problema,
resolvê-lo foi um ato de criatividade. Se alguma vez na vida
você resolveu um problema, você é um criativo conceitual.
Então se dê o devido crédito: você é capaz de criar.
Minha definição de criatividade conceituai é simples:
criatividade é o que faz um cachorro nadar. Quando o latido
acaba, a natação começa. Quando não tem outro jeito,
fazemos algo.
A diferença entre inovadores de sucesso e os que querem o
sucesso com a inovação começa com a intenção de cada um.
Para ser hem-sucedido em inovação, não dirija seu foco para
a criação; pense em resolver um problema. Dedicar-se à
inovação sem um problema definido é como um cirurgião
dedicar-se a uma cirurgia sem um diagnóstico. Desastres
mortais se tornam iminentes. Assim, o uso da criatividade
conceituai como ferramenta começa sempre identificando e
definindo um problema. Isso engloba: alimentar a curiosi-
dade sobre o problema; identificar limitações associadas à
sua solução; desafiar as convenções a respeito das soluções
julgadas possíveis; e fazer ligações não-ortodoxas entre áreas
diferentes. De prêmio por tudo isso, seu pensamento
criativo conceitual lhe dará novas idéias. Sabendo dessas
características, a idéia de pensar de forma diferente é perda
de tempo, já que simplesmente sugere que você pense "de
alguma outra forma". Eis um clichê que não ajuda você em
nada no aprendizado de pensar mais criativamente. Assim,
meu foco está não tanto em fazer você pensar diferente, mas
em fazer você pensar deliberadamente a respeito de como
sua mente está e que métodos existem para uma solução
criativa de um problema. Por exemplo, um método é o de
fazer ligações não-ortodoxas entre pedaços de informação
que parecem não ser relacionadas. Chamo isso de pensar
lateralmente. Esse tipo de processamento de informação é a
marca registrada do pensamento criativo. Todos os humanos
têm a capacidade de pensar lateralmente; você só precisa de
uma atitude deliberada de como fazê-lo.
Por exemplo, ao contrário do que todos pensam, Henry
Ford não inventou a linha de montagem; ele pegou a idéia
emprestada de uma indústria de embalagem de carne de
Chicago. Depois, ligou esse conceito ao de reaproveitamento
de peças. Também não era idéia dele, mas de Eli Whitney,
que a introduziu em 1801 para que militares norte-
americanos pudessem montar novas pistolas a partir das
peças de pistolas quebradas. E, finalmente, Ford juntou essas
duas idéias a uma terceira: produção em fluxo contínuo, uma
idéia que foi usada pela primeira vez na indústria do tabaco
em 1882, para fazer cigarros. Misturando essas idéias
diferentes, nasceu uma grande idéia: a fábrica moderna.
Andrew Hargadon, professor-assistente de tecnologia de
gerenciamento na Universidade da Califórnia, define com
precisão qual é o verdadeiro gênio criativo de Henry Ford:
"O sistema de Ford foi revolucionário no impacto na
indústria automobilística, fábricas e sociedade... porque usou
tecnologias já existentes". O futuro está acontecendo agora,
em volta de você. Mas se você olhar só para o que está na
sua frente, que é para onde a sabedoria convencional e todos
os "futuristas" sugerem que você olhe, você jamais o verá.
Olhe em volta (lateralmente) e para trás (historicamente), e
o futuro começa a se tornar mais claro.
Por que estudar história? Porque idéia nova não existe. Por
exemplo, a câmera descartável é um molho atual em cima de
uma idéia velha. Na virada do século XIX, os fotógrafos
mandavam a câmera inteira para que seus filmes fossem
revelados, e depois a recebiam de volta, junto com as
fotografias reveladas. Hoje jogam a câmera fora,
simplesmente.
Embora idéia nova não exista, existe conceito novo. Pense
em conceitos como sendo sistemas de idéias. Mesmo
quando as partes separadas de um conceito não são novas, a
combinação delas — que você não vê — é. E é lá que está o
dinheiro. Por exemplo, Henry Ford viu o invisível (linha de
montagem). Não a linha de montagem em si, mas
principalmente o conceito de como usá-la em uma fábrica.
Não as peças mecânicas sujas de graxa andando em linha
reta, mas uma manifestação de vários microconceitos já
existentes e díspares. Ford chegou ao seu momento-eureca
não apenas por pensar de forma diferente, mas por pensar
de forma deliberada. Para ser específico, ele pensou
lateralmente: saiu dos limites quadrados de sua categoria de
trabalho, os carros, mas não de sua área de competência, a
fábrica. Ao combinar três idéias muito diferentes, adquiridas
em outras indústrias e na história, Ford criou um conceito
único e relevante: a estrutura da fábrica automobilística
moderna. O mais importante é que a busca da novidade não
foi a motivação a levá-lo a seu processo inovador. Foi a
busca de uma resposta para o seu problema: fazer carros
melhor, mais rápido e mais barato. Henry Ford não era um
artista. Era um pensador conceitual criativo.
Criatividade conceitual é quando uma mesma idéia funciona
de três maneiras. Primeiro, ela precisa estar voltada
diretamente para um problema bem definido. Por exemplo,
fazer carros em grande quantidade tinha um problema de
custo-benefício; isso era uma limitação interna para o
empresário Ford e sua empresa. Segundo, ela precisa ser
original na sua resposta ao problema. A montagem em fluxo
contínuo e peças intercambiáveis eram métodos não
convencionais na indústria automobilística. É importante
notar que uma idéia não necessariamente precisa ser nova
em folha para ser inovadora; ela precisa ser original apenas
em relação à situação específica. Nesse caso, a forma que
Ford usou para aplicar essas duas idéias nos seus carros foi
realmente nova. E terceiro, para uma idéia ser criativa
conceitualmente, ela precisa ser relevante para o seu
público-alvo. Nesse caso, o público-alvo era interno: os
funcionários da Ford. Ao fazer com que o trabalho viesse até
eles, tornaram-se mais produtivos, criando fábricas mais
eficientes.
Em retrospectiva, o conceito de Ford nos parece óbvio.
Porque era. Não era novo. Era simplesmente algo que
ninguém mais conseguiu ver, que unia três idéias díspares
para resolver um problema. Na prática, indivíduos e
corporações às vezes fracassam na hora de "se tornar
criativos" porque não conseguem alinhar essas três palavras:
solução única e relevante para um problema existente. Mais
vezes do que gostaríamos, as pessoas que buscam a inovação
se distraem com a ilusão romântica de conseguir uma idéia
novinha em folha. Querendo romantismo, pomos esforço
excessivo na busca de algo único, em vez de tentar resolver
um problema. E aí, lançamos obras de arte, não conceitos.
Ironicamente, embora Henry Ford tenha sido um criador
conceituai brilhante, uma das "artes" mais famosas do
mundo saiu da empresa que ele criou, a Ford Motor
Company. Você deve estar se perguntando como uma
empresa que leva o nome de Henry Ford produziu um dos
mais espetaculares fracassos de produto na história. Vale
dizer que Henry Ford tinha morrido dez anos antes do lan-
çamento do Edsel. Para ser justo, embora muitos fatores
tenham contribuído para o falecimento do Edsel, posso
dizer que a empresa Ford se perdeu na arte da inovação
(versus conceito de inovação). Com o tempo, a empresa se
encantou consigo mesma e os produtos que vendia, e pode
ter esquecido dos problemas a ser solucionados. Para falar a
verdade, no caso do Edsel, não havia problema algum a ser
resolvido, e, portanto, o Edsel virou uma obra de arte muito,
muito cara. Infelizmente, a Ford não está sozinha. A linha
entre criatividade artística e conceituai é às vezes pouco
clara. Se sua intenção é criar pelo prazer da criação, então
não hesite, mande ver! Mas se o seu objetivo é satisfazer
necessidades, resolver problemas ou criar uma oportunidade
onde não existe nenhuma, é preciso fazer perguntas
diferentes e resolver outras charadas.
O que nos leva à terceira forma de criatividade: o processo
da descoberta científica. Embora a descoberta científica seja
freqüentemente discutida no contexto da criatividade,
ciência é muito diferente tanto de arte como de conceito.
Na ciência, existem apenas respostas definitivas. Ao
contrário da Guernica de Picasso (arte) e do iPhone da
Apple (conceito), a hélice dupla, a eletricidade e a benzina
não são coisas que alguém inventou. Elas existiam muito
antes que nós tivéssemos maturidade suficiente para
descobri-las. Além disso, ao contrário de arte e conceito,
descobertas científicas envolvem verdades absolutas. E, a
menos que o Congresso revogue as leis da física, a verdade
não vai mudar no futuro próximo. Em uma frase simples: a
criatividade científica diz respeito a descobertas (verdades),
e a criatividade conceituai diz respeito a tornar real algo que
não está lá (idéias). Não prometo transformá-lo no próximo
Thomas Edison, Mary Kay Ash ou Aaron Spelling (o
produtor de televisão mais produtivo dos Estados Unidos,
que poderia muito bem ter dado aulas magnas tanto em
criatividade conceitual quanto artística), mas mantenha essas
diferenças na cabeça e os próximos capítulos irão ajudá-lo a
melhorar sua capacidade criativa.
Para tentarmos resolver o enigma, vamos começar voltando
no tempo. História é um professor muito negligenciado.

Resumo e exercícios criativos

• Nem toda criatividade tem o mesmo objetivo ou usa o
mesmo processo mental. Para diminuir o fracasso
relacionado à inovação, tente não confundir criatividade
artística (a habilidade de criar coisas admiradas pela beleza
estética) com descoberta científica (a habilidade de descobrir
coisas que já existiam) e criatividade conceituai (a criação de
soluções únicas e relevantes para problemas já existentes ou
que estejam surgindo).
• Idéia nova não existe. Tudo já foi feito. Procure maneiras
de aplicar na sua situação específica idéias que existiram
antes ou que existam agora, em outros lugares, indústrias ou
categorias.
• Inovação não é o que surge quando você pensa de forma
diferente. É o que surge do pensamento deliberado (e com
processos específicos) a respeito de problemas e
necessidades existentes. Esses processos serão debatidos
neste livro, no contexto de precursores do insight criativo.

Os deuses devem estar loucos (ou vai ver sou eu!)

Desde a Antiguidade, acadêmicos — entre eles Sócrates,
Platão e Aristóteles — são fascinados pela origem das idéias.
Os gregos não viam nada de tão misterioso na criatividade.
Do ponto de vista deles, as idéias vinham sempre da mesma
fonte: os deuses ou, mais especificamente, as deusas. Cada
uma das nove filhas de Zeus, as Musas, tinha domínio sobre
um aspecto de expressão criativa: poesia, música, dança e
por aí afora. Platão observou: "Um poeta é sagrado, e não é
capaz de compor até se tornar inspirado, até sair de si e a
razão abandoná-lo... pois não é a arte que o impulsiona, é o
poder divino". As deusas não só deviam inspirar a
criatividade, mas eram um grupinho bem discriminatório
quando se tratava de escolher quem devia ser inspirado
("respirado para"). Era lugar-comum entre os inspirados
manter um relacionamento exclusivo com algum ser
sobrenatural. Sócrates, por exemplo, atribuía a maior parte
de seu conhecimento a um "demônio" lá dele.
Pela concepção de Sócrates, possessão demoníaca era igual à
presente divino, concedido a poucos. Uma vez escolhido
por uma Musa para ser inspirado, você só tinha uma coisa a
fazer: pegar a idéia no paraíso e trazê-la para os humanos.
Para os gregos, nós humanos éramos humildes mensageiros
das mensagens divinas, e, assim, a única forma de "ser
criativo" era através de estados de espírito específicos, como
possessões demoníacas ou transe parecido, como o sono, em
que você talvez conseguisse se comunicar com os deuses.
Criatividade era entendida como um ato fora de controle. Na
verdade, a expressão "você deve estar fora de si" não queria
dizer que você ficou completamente louco, mas sim, que
suas idéias criativas só poderiam ter se originado em algum
lugar fora do seu corpo (no sentido literal), só entrando lá
dentro por um ato de inspiração divina.
A loucura inspirada era um estado de espírito desejável.
Uma vez, Aristóteles, talvez em uma tentativa de se liberar
de seu mentor Platão, sugeriu que a doença mental poderia
ter um papel na criatividade. Mas a respeito de doença
mental, os altamente criativos filósofos gregos se apressaram
em distinguir "perturbação divina" e "perturbação clínica".
Claro! A loucura é dos deuses! Eu não sou louco!! Platão
postulou: "A loucura, desde que venha como presente
divino, é o canal pelo qual recebemos as maiores bênçãos...
[ela] é mais nobre que a sobriedade... A loucura vem de
Deus, enquanto a sobriedade é apenas humana". Mas
Aristóteles concordava em que havia diferença entre os que
se distinguiam e o maluco total, e sua maior contribuição foi
a sugestão de que a capacidade de criar está não apenas
acima de nós, mas dentro de nós. Apesar de Aristóteles nos
dar essa força para criarmos a partir de nossa vontade, a
crença de que criatividade é produto de inspiração divina
continuou a dominar nossos pensamentos através da Idade
Média até boa parte do século XVI.
Durante a Renascença italiana, o termo gênio começou a ser
usado. Naquele período, o gênio criativo era medido, grosso
modo, pela habilidade de a pessoa imitar outras (os grandes
mestres) ou imitar a vida (natureza). De nada adianta que
artistas como Leonardo da Vinci e Giorgio Vasari sejam
admirados, exemplos reverenciados do "ideal da imitação":
ambos lutaram contra a noção de que a criatividade pudesse
ser medida pela excelência de uma imitação, e sugeriam,
pelo contrário, que criatividade incluía a criação do novo.
Assim como os gregos, os italianos também aderiram à
loucura (pazziá) como precursora de criatividade. Pazzia não
era bem loucura, era mais perto da melancolia, com solidão,
depressão, excentricidade e sensitividade. Assim como entre
os gregos, esse estado de espírito era amplamente desejável.
Aliás, na Europa do século XVI (e na década de 50 dos
Estados Unidos), esse temperamento se tornou moda. Como
Joyce Johnson escreveu em Minor Characters, uma
descrição dos Estados Unidos da década de 50, "a geração
beat vendeu de livros a suéteres pretos de gola alta, bongôs,
boinas e óculos escuros, vendeu um estilo de vida que
parecia perigosamente divertido — sendo, dessa forma,
criticado ou imitado". Apesar da admiração, a criatividade
era também algo a ser temido, um tipo de diversão perigosa.
E desde então restringimos sua influência com paródias. O
lendário jornalista Herb Caen foi quem cunhou o termo
beatnik em 1958, em um artigo para o San Francisco
Chronicle em que retratava os membros da geração beat
como "anti-americanos". Beatnik era uma rima para o ícone
espacial russo Sputnik I.
Assim como restringimos a mensagem dos poetas beat da
década de 50 com imitações, restringimos a imaginação do
século XVIII com racionalidades. Mas, na verdade, tanto a
imaginação quanto a razão são necessárias para conceber
grandes idéias. Como vamos explorar neste livro, o
Iluminismo, chamada de Idade da Razão, reverenciava a
explicação científica e encorajava um clima intelectual e um
estilo de vida que abriram caminho para o banquete da
inovação que veio a seguir, durante a Revolução Industrial
do século XIX. Mas mesmo antes dessa nossa paixão pela
descoberta científica, os acadêmicos ocidentais explicavam a
criatividade do ponto de vista aristotélico. Portanto, desde a
Antiguidade, os que mais contribuíram para o campo da
criatividade foram os estudiosos da mente: psicólogos.
Mesmo com o estudo da criatividade tendo vindo "de cima"
para "dentro", muito depois do Iluminismo, havia quem
atribuísse a criatividade à inspiração divina. Entre esses, a
escritora Harriet Beecher Stowe, que uma vez falou nos
seguintes termos a respeito da sua fonte de inspiração para
Uncle Tom's Cabin: "Não o escrevi, Deus o escreveu.
Apenas peguei o ditado!" Com ou sem inspiração divina, e
assumindo a possibilidade de que para algumas pessoas a
inspiração venha de dentro, mesmo assim o mistério
permanece: De onde vêm as grandes idéias? Embora hoje
sejamos pensadores esclarecidos que acreditam na noção da
criatividade deliberada, a pergunta continua sem resposta.
Alguns acadêmicos contemporâneos sugerem que a
criatividade é um tipo de exercício cognitivo, que o insight
criativo é resultado de pensamentos convencionais, não de
pensamentos não-quadrados. Mas isso leva a outra questão:
A criatividade é resultado do pensamento consciente ou do
inconsciente? Afinal, mesmo que você não esteja "fora de si"
quando é criativo, isso não quer dizer necessariamente que
você controle a criatividade.
Entre os que promoveram o papel do inconsciente com
maior sucesso está Freud, e, portanto, não há surpresa em
saber que ele aplicou também o mesmo tipo de idéia à
criatividade. Freud acreditava que os atos criativos são
moldados e recebem informação a partir de necessidades
não atendidas do indivíduo. Experiências da infância e
conflitos não resolvidos são fundamentais na teoria
freudiana da criatividade. Por que a Mona Lisa parece ter um
olhar tão distante? Porque, de acordo com Freud, o órfão
Leonardo da Vinci sentia muita falta do afeto da mãe.
Um outro ponto de vista do papel do inconsciente na
criatividade foi proposto pelo cientista e matemático do
século XIX, Henri Poincaré. Como objeto de estudo,
Poincaré escolheu ele mesmo. Examinando suas realizações
criativas, concluiu que seus momentos-eureca, embora não
necessariamente de inspiração divina, de fato vinham de
algum lugar exterior ao seu processo mental consciente. O
conceito de Poincaré ficou conhecido como iluminação ou
incubação: a súbita aparição das soluções dos problemas.
Incubação envolve um processamento paralelo de
informações. Os momentos-eureca surgiriam como
resultado do pensamento inconsciente sobre um problema
(por exemplo, como decifrar o volume de um objeto de
formato irregular) enquanto estamos pensando sobre algo
completamente diferente (tomando banho, talvez).
O conceito da incubação de Poincaré foi ampliado na década
de 1920 pelo teórico Graham Wallas, que sugeriu níveis para
a criatividade: preparação, incubação, insinuação, iluminação
e verificação.
Preparação é dirigir seu foco ao problema e suas implicações.
Incubação é o processo de interiorizar o problema no
inconsciente. Insinuação é um sentimento que
freqüentemente precede o insight criativo. Iluminação é a
experiência em si — o momento-eureca. E verificação é
quando a idéia é conscientemente examinada e aplicada.
Wallas considerou a criatividade como sendo uma extensão
natural do processo evolutivo que permitiria aos humanos se
adaptarem a um meio ambiente mutável. O cérebro humano
poderia pular de um nível para outro em questão de
segundos. Esses saltos foram o ponto focal da teoria dos
psicólogos da Gestalt, no início do século XX. Ao contrário
dos italianos, eles descartavam a imitação e favoreciam a
criação do novo.
O especialista em inteligência J. P. Guilford veio depois, com
a noção do pensamento divergente. Em seu discurso de
1950, como presidente da American Psychological
Association, surpreendeu a platéia ao sugerir que seus
colegas haviam gastado uma quantidade de tempo excessiva
estudando a inteligência, em detrimento da criatividade —
uma habilidade múltipla que testes de QI não mediam. O
pensamento divergente possui duas definições: um
rompimento com o passado e um tipo especial de
pensamento. Embora o produto do pensamento criativo
freqüentemente se distancie (ruptura significativa) do "jeito
como as coisas são feitas" (por exemplo, luz elétrica versus
velas), o pensamento divergente em si também é um
objetivo desejável. O trabalho de Guilford finalmente veio a
produzir uma bateria de testes psicométricos desenvolvidos
para medir a capacidade criativa de uma pessoa. Seu modelo
tripartite de criatividade era baseado em fluência (a
quantidade de idéias geradas), flexibilidade (a capacidade de
pensar em muitas direções diferentes) e originalidade (a
habilidade de gerar idéias que fossem estatisticamente ori-
ginais, ou seja, que aparecessem em menos de 5% da
população). Entretanto, Guilford deixou de fora um fator
importante: relevância, o diferenciador-chave entre o que
chamo de criatividade artística e criatividade conceituai.
Pensadores conceituais criativos precisam não apenas ser
fluentes, flexíveis e originais, mas precisam também ter a
capacidade de identificar e produzir soluções relevantes para
um problema existente. De outra forma, não criariam
conceitos, e sim arte.
O trabalho de Guilford levou ao desenvolvimento de
modelos de confluência para a criatividade, o que sugere que
momentos de insight criativo são resultado da confluencias
("ligações") de vários fatores, incluindo como a pessoa pensa
(divergente ou convergente), o que a pessoa sabe
(especialidade dentro e fora de um campo de
conhecimento), personalidade (flexível ou inflexível) e
ambiente (estimulante ou inibidor). Essa idéia da "ligação"
costuma ser atribuída à acadêmica em criatividade e
professora da Harvard Business School, Teresa Amábile, que
sugeriu uma relação entre habilidades específicas dentro de
um campo de conhecimento: habilidades específicas mais
ligadas à criatividade (conhecimento de heurística na
geração de idéias inovadoras) e motivação para fazer o que
tem de ser feito (atitude). Suas descobertas em motivação e
criatividade tiveram grande impacto na forma com que as
corporações de hoje estimulam a criatividade entre seus
funcionários. Por exemplo, existem evidências, tanto
científicas quanto factuais, a sugerir que as pessoas são tanto
mais criativas quanto mais motivadas internamente ("estou
nesse projeto porque adoro ele!"). O que é o contrário de
motivação externa ("só estou fazendo isso porque minha
empresa dá bônus para novas idéias"). Soichiro Honda,
fundador da Honda Motor Company, sabia disso de forma
intuitiva. Ele diz: "De forma geral, as pessoas trabalham mais
e são mais inovadoras se fizerem as tarefas porque querem, e
não porque são mandadas". Fiel à suas crenças, Honda
radicalizou. De tanto acreditar no papel da motivação
interna como alimento para a inspiração criativa, promovia
experimentos totalmente livres, e baniu a hierarquia em suas
empresas.
Quando se fala em criatividade, motivação interna é pré-
requisito. Há um prêmio para a paixão. Você precisa querer
descobrir a solução do problema. Você precisa se importar.
Psicólogos, entre eles Amábile, vêm confirmando o que
Honda sabia por intuição. Entretanto, "experimentos
totalmente livres" não quer dizer que a criatividade não
tenha regras. Pelo contrário, existem regras muito específi-
cas, muitas delas examinadas neste livro, cuja função é
inspirar o pensamento criativo.
Uma nota importante: diretoria e funcionários da IDEO,
empresa de design líder no projeto de produtos, serviços e
ambientes no mundo inteiro, têm regras em apenas uma
atividade: no brainstorming criativo. Na IDEO, conversas
sobre as regras e regulamentos da empresa podem ser assim:
"Hein? Você quer trazer o cachorro para o trabalho? Sem
problema. Você quer instalar um ambiente de jardim na sua
sala, com bancos e guarda-sol? Claro. E parece que você
realmente acredita que aquela asa de avião pendurada em
cima do seu computador ajuda sua criatividade, então, por
favor, mantenha-a! Mas se você, seu cachorro, seu guarda-
sol ou sua asa de avião exprimirem julgamentos prematuros
(positivos ou negativos) a respeito de alguma idéia em um
brainstorming criativo, danou-se!" A IDEO vence sempre
no mercado, por uma única razão: eles sabem que
criatividade não é um processo completamente aleatório. Só
parece. Lógica também faz parte.
Além da presença da lógica na criatividade, e várias
descobertas ligando motivação ao pensamento criativo, há
teorias sobre a criatividade que se baseiam em princípios
econômicos. No geral, a idéia é que pensadores criativos
"compram na baixa," propondo idéias que são impopulares,
mas com grande potencial de crescimento, e vendem na
alta, não querendo mais trabalhar em uma idéia quando ela
se torna popular. É normalmente o caso de empresários
seriais, lançando um negócio novo depois do outro, na
construção de impérios. E ainda há outros teóricos, talvez
eles mesmos imbuídos do espírito de divergência, que usam
a teoria da evolução de Darwin para explicar a criatividade:
idéias, como espécies, evoluiriam através do acaso e da
seleção.
Por mais que tenhamos estudado, teorizado e postulado
sobre a origem das idéias, duas perguntas continuam sem
resposta: De onde vêm as grandes idéias? O que fazer para
melhorá-las de forma mais consistente? Para resolver o
enigma, vamos dar uma olhadinha nesse momento mágico
do insight criativo: o momento-eureca.

Resumo e exercícios de criatividade

• As origens da inspiração criativa têm sido discutidas por
mais de três mil anos.
No entanto, com os avanços da neurociência, descobrimos
que o conhecimento já existente pode ser tão importante
quanto a quebra de regras quando o assunto é inovação.
Portanto, se esforce para aprofundar o seu conhecimento do
problema.
• Ignorância, tanto quanto conhecimento, é ingrediente-
chave para impulsionar o insight criativo. Ao organizar uma
equipe criativa, chame especialistas no assunto e novatos.
• O pensamento criativo e experiências-eureca são, muitas
vezes, resultado de processamentos de informações
conscientes e inconscientes. Seu cérebro continua a pensar
mesmo quando você não está tentando ser criativo.
Portanto, quando você estiver resolvendo problemas
complexos, pare um pouco. Deixe a mente vagar. Leia algo
completamente fora do assunto. E depois volte, com uma
nova perspectiva.
• Lembre da teoria tripartite do psicólogo J. P. Guilford. Para
haver criatividade precisa haver fluência, flexibilidade e
originalidade. Para aumentar a fluência criativa, escreva o
problema e gere quantas soluções você conseguir. Para
praticar a flexibilidade criativa, ponha-se na pele de outra
pessoa (até mesmo de uma criança) que, você acha, possa
pensar de forma muito diferente de você e tente descobrir
como ele ou ela iriam resolver o mesmo problema. Para
praticar a originalidade criativa, identifique todas as soluções
já existentes que você conseguir achar (use a internet). Uma
vez feita a lista, descubra o que não está lá.
• Na busca de novas idéias, motivação interna (me importo
com o problema) é mais eficaz que motivação externa
(alguém quer que eu resolva o problema). Se lhe deram um
problema para resolver, tente encontrar formas de alinhá-lo
com seus interesses pessoais (por exemplo, o que isso me
traz de bom?). Se você não está motivado, encontre alguém
que esteja. Você e o seu chefe ficarão muito mais felizes. Se
você é um líder de equipe responsável por gerar novas
idéias, permita que as pessoas tenham uma entrevista com
você para falar da tarefa, projeto ou iniciativa que ficará
responsável pela solução do problema. Motivação faz
diferença.
• Criatividade é mais do que quebrar regras. Tem regras.
Têm lógica. Estabeleça parâmetros para suas sessões de
brainstorming. Estruture-as. É mais do que um quadro e um
marcador. Precisa haver perguntas provocativas. Por
exemplo: E se nossa empresa estivesse à beira da falência e a
única maneira de salvá-la fosse lançar um produto novo
revolucionário? Que produto seria? Qual problema ele
resolveria? E como o venderíamos?

Momento-eureca

O que é preciso para um matemático ficar nu em público?
Segundo uma história de duzentos e cinqüenta anos, uma
grande idéia já seria o suficiente.
Parece que Arquimedes tinha um problema: como calcular o
volume de um objeto irregular, a coroa do rei, para ser mais
preciso. O rei queria saber se o capacete real era feito de
ouro puro ou se era do tipo enganação, com prata misturada.
A dúvida era se o fornecedor de coroas era um ladrão.
Arquimedes estava empacado. Foi só ao entrar na banheira,
fazendo com que a água lá contida transbordasse, que ele
entendeu que poderia usar o deslocamento da água para
calcular um volume. Nesse momento, gritou o famoso
Eureca! ("descobri!") e, em seguida, saiu correndo
completamente nu pelas ruas de Siracusa, tomado de grande
excitação (pelo menos é assim que contam essa história). A
questão é: de onde surgiu a idéia? (E por que ele não se
vestiu antes?) Ainda mais espantoso, por que a idéia surgiu
para Arquimedes no momento em que ele provavelmente
não estava com a mente direcionada para a resolução do
problema (ou será que estava?). Será que estamos mais pro-
pensos a insights justo quando pensamos menos
deliberadamente sobre o problema a resolver? Mais criação
com menos pensamento? Esse tipo de historinha nos deixa
mesmo na dúvida. Parece que grandes idéias são como
parentes distantes: aparecem quando menos se espera. Mas
será que grandes idéias são realmente tão aleatórias? Na
verdade Arquimedes, como muitos outros inovadores, sabia
muito mais do que deixava entrever. Por exemplo, como
projetista oficial de navios, ele já sabia bastante sobre
medição de volume com o deslocamento da água. Em seu
momento-eureca, é provável que tenha combinado
inconscientemente seu conhecimento de volume e massa.
Ele sabia qual era a massa do ouro. Então, um determinado
volume teria um determinado peso. Se o peso fosse menor
que o esperado, a coroa não seria de ouro puro (como foi o
caso). Conhecimento é tão útil para o insight criativo quanto
descobrir algo novo.
Em 1666, por causa da peste bubônica, a Universidade de
Cambridge fechou as portas, e um de seus mais promissores
jovens físicos, Sir Isaac Newton, com 23 anos, procurou
refúgio na propriedade da família em Lincolnshire. Foi em
Lincolnshire, e não no ambiente profissional de um
laboratório de Cambridge, que a visão de uma maçã caindo
no chão inspirou Newton a desenvolver a teoria universal da
gravidade. Maçãs vêm caindo de árvores há séculos. O que
havia de especial naquela maçã, aquele homem e aquele
momento, que levou a uma das mais significativas
descobertas da história científica? Como você vai saber em
breve, esse e outros momentos-eureca, apesar de
aparentemente aleatórios, são na verdade bastante
previsíveis. Nosso desafio está em aumentar a consciência
do que o nosso cérebro faz quando não prestamos atenção.
Embora gostemos de acreditar que controlamos a hora de
pensar e a hora de "deixar o cérebro descansar", na verdade,
como Freud sugeriu, o cérebro toma suas próprias decisões.
Para ilustrar o enorme poder de processamento do seu
cérebro, tente ler o seguinte:

De ardcoo com uma pseuqsia da Uvinesrdidae de
Cbrmaigde, não ipmtroa em que oedrm as lrteas em uma
plarava acepraem, a úicna csioa itrmopatne é que a pmririea
e a útlmia lrtea eajsetm no lguar ctreo. O rtseo pdoe etsar
umabgçanua ttoal e vcoê andia pderoá ler sem pbromleas.
Isso atneocce pqruoe a mtnee hnmuaa não lê cdaa ltrea.,
mas a plraava cmoo um tdoo.

Os pesquisadores da Unidade de Cognição e Neurociência de
Cambridge, na Inglaterra, não têm a menor idéia de quem
conduziu essa pesquisa (se é que foi só uma pessoa), mas o
jogo psicológico aí de cima se espalhou como fogo de palha
no mundo virtual em setembro de 2003. Mas eles não
podem negar que há uma verdade nessa brincadeira, a
respeito da capacidade cerebral de processamento paralelo
de grande volume. Essa verdade não pode ser discutida,
você lê. Mas seu suposto autor diz que "a úicna csioa
itrmopatne é que a pmririea e a útlmia lrtea eajsetm no lguar
ctreo", e a coisa não é bem assim. As letras misturadas do
meio das palavras podem parecer inúteis, mas não são.

Sem as letras do meio, é provável que você tenha mais
dificuldade para ler — e que não o conseguiria de todo, se
não tivesse lido o mesmo trecho há pouco, de outra forma.
Aqui vai o trecho completo:

De acordo com uma pesquisa da Universidade de
Cambridge, não importa em que ordem as letras em uma
palavra aparecem, a única coisa importante é que a primeira
e a última letra estejam no lugar certo. O resto pode estar em
uma bagunça total e você ainda poderá ler sem problemas.
Isso acontece porque a mente humana não lê cada letra, mas
a palavra como um todo.

O fenômeno acontece por influência de coisas que
mantemos na memória — nesse caso, nossa memória do
idioma. No trecho de letras misturadas, seu cérebro
reorganizou as letras na ordem certa para atender às suas
expectativas do que você acreditava que as palavras eram.
Mas no segundo trecho, onde letras misturadas foram
trocadas por pontos, você provavelmente não foi capaz de
descobrir, ou pelo menos teve bastante dificuldade. Todas as
letras são importantes. Você precisa delas para entender o
trecho (diminuindo a quantidade de palavras possíveis). Isso
ilustra a contribuição do processamento, tanto quando ele
ocorre de cima para baixo (top-down) quanto de baixo para
cima (bottom-up). Conhecimento de gramática, sintaxe e
contexto, por exemplo, é top-down. Cria expectativas do
que devia estar ali: por exemplo, palavras não podem
aparecer em qualquer lugar em uma frase gramaticalmente
correta. Já as letras fornecem uma informação bottom-up,
limitam as palavras possíveis. Por exemplo, quantas palavras
diferentes você consegue criar com as letras M-E-N-T-E se o
M precisa vir primeiro e o E por último? Os processos, de
cima para baixo ou de baixo para cima, podem não estar
acontecendo conscientemente e, então, acontece a surpresa:
podemos ler frases com letras misturadas.
Qualquer ato cognitivo envolve interação e combinação de
muitos processos, incluindo os de memória, percepção e
atenção. A informação pode vir do mundo externo
(realidade objetiva) ou ser resgatada de representações
internas (imaginação). Além disso, ela pode ser consciente
(memória ativa) ou, pelo menos por enquanto, inconsciente
(memória de longo prazo). Do mesmo modo que aconteceu
com a leitura do trecho misturado anteriormente, quando
você lê as palavras e frases desta página, está
simultaneamente ciente de outras coisas: a pressão da
cadeira nas suas pernas, o tato das suas mãos no livro etc.
Mesmo enquanto você lê, você permite que sua atenção se
desloque para outras coisas, de modo que você consiga
monitorar o que está acontecendo à sua volta. Se o telefone
tocar ou alguém entrar no quarto, você vai notar. Ao mesmo
tempo, há muitas coisas que seu cérebro está fazendo, coisas
que acontecem fora do seu escopo de atenção e que não
chamam atenção. Por exemplo, você está respirando, seu
coração está batendo e seus olhos se movem pela página.
Você pode ter consciência dessas coisas e controlá-las
indiretamente, mas você em geral não presta atenção a elas
nem tenta controlá-las. Aliás, até mesmo agora, que você
está consciente do movimento dos seus olhos,
provavelmente não sabe de sua real agitação. Embora possa
parecer que se trata de um movimento suave pela frase, na
verdade seus olhos estão indo e vindo de forma rápida e
irregular, no que é conhecido como movimento sacádico.
São exemplos do processamento paralelo de seu cérebro, ou
seja, ele fazendo várias coisas ao mesmo tempo — atento a
algumas coisas enquanto ignora outras, felizmente. Esse é
um bom ponto de partida para melhorar sua capacidade de
ser criativo e inovador. Eis por quê.
Diante de um problema, seu cérebro não empenha todo o
esforço em resolvê-lo. Ele continua a fazer muitas outras
coisas ao mesmo tempo. Coisas que não têm relação com o
problema, mas, mesmo fora do seu escopo de atenção,
podem ser úteis para resolver o problema. Ou, muito pelo
contrário, podem atrasar a solução do problema.
A experiência Stroop foi desenvolvida para pesquisar a
atenção, mas também ilustra como o processamento
automático paralelo de informação pode atrapalhar o
desempenho em tarefas criativas. Minha adaptação da
experiência Stroop na Figura 3.1 mostra como diferentes
informações estão em constante competição por sua aten-
ção. Tente completar as tarefas apresentadas na Figura 3.1.
Depois diga qual foi a mais difícil. Se 3 e 5 foram as mais
difíceis, bem, você não está sozinho. As palavras referentes
às formas têm, em si, forte influência sobre a capacidade de
nomear essas formas. Se palavras e formas não combinam, a
interferência causa um problema. Na verdade, mesmo
quando a tarefa é ignorar as palavras, elas são ativadas
automaticamente por leitores treinados. Você não consegue
evitar focalizar sua atenção inconsciente nelas. Algumas
teorias ajudam a explicar o fenômeno.
A primeira é a teoria da velocidade de processamento. Essa
teoria afirma que a interferência acontece porque você
consegue ler palavras mais rapidamente do que consegue
nomear formas (portanto, a segunda tarefa deve ter sido
mais fácil, apesar de formas e palavras não coincidirem).
Para falar o nome da forma, você precisa primeiro
reconhecê-la, depois traduzi-la para uma palavra que será
então articulada. Se você fala uma segunda língua, sabe do
que se trata. Para falar uma segunda língua, primeiro é
preciso identificar a palavra que deseja falar {pia), depois
traduzi-la na sua mente para a equivalente (bonjour) e,
então, dizer a palavra traduzida. Leva muito mais tempo do
que simplesmente dizer olá.

Figura 3.1. Pensando sem pensar: o efeito stroop
Tarefa 1: Leia essas palavras.

CÍRCULO QUADRADO TRIÂNGULO
RETÂNGULO

Tarefa 2: Leia essas palavras.


Triâng
ulo


Círcul
o

Tarefa 3: Agora, diga a forma, e NÃO a palavra.


Triâng
ulo


Círcul
o


Tarefa 4: Novamente, diga a forma, e NÃO a palavra.


Retâng
ulo


Quadra
do

^^^^^^^
^


Tarefa 5: E, outra vez, diga a forma, e NÃO a palavra.


0


A

A segunda teoria que ajuda a explicar por que temos
dificuldade em processar informações conflitantes é a teoria
da atenção seletiva. Essa teoria também se baseia no fato de
que dar nome às formas exige mais atenção do que ler
palavras. Porque precisamos converter a forma, que é um
símbolo, em uma palavra. Você entra em uma rotina
inconsciente de interpretar, por exemplo, o número de
vértices da forma ou seus ângulos, para saber o que é aquilo.
Exige mais atenção. Os exercícios da Figura 3.1 pedem que
você ignore a informação processada de forma mais
automática, ou seja, as palavras, e que preste atenção a
aspectos não tão relevantes ao estímulo, ou seja, as formas.
A dificuldade de fazer isso explica por que diminuímos o
som do carro quando o trânsito fica pesado. A tarefa mais
importante, dirigir o carro — assim como ler a palavra —
compete com a tarefa de ouvir algo (o som ou uma criança
gritando no banco de trás). Você tenta conciliar, dividindo
sua atenção entre as duas tarefas, dirigir e ouvir. Isso tem
relação com a experiência Stroop, mas há uma diferença:
aqui houve um pedido para que você afastasse sua atenção
da tarefa automática, ler a palavra, e a direcionasse para outra
tarefa, que exige esforço consciente: dizer a forma.
Quando prestamos atenção seletiva a alguma coisa, nunca é
totalmente. No exemplo do carro, a atenção é dividida entre
duas tarefas, e você precisa desligar fisicamente uma das
tarefas para focalizar a atenção na outra. Há quem diga que o
problema de falar no celular ou ouvir um som no carro é
que você não está vendo fisicamente a outra pessoa que fala
ou canta, e passa a imaginá-la. Isso ocupa parte de nossa
capacidade de processamento, tirando uma fatia do
necessário para outras tarefas, como prestar atenção ao carro
da frente, ao sinal vermelho ou ao limite de velocidade.
Como se trata de uma divisão inconsciente de atenção, viva-
voz não é a resposta. Dirigimos e comemos ao mesmo
tempo desde sempre. É a imagem em nossas mentes o que
nos distrai.
No caso do carro (atenção dividida), temos o desafio de
tentar parar de dividir inconscientemente a atenção para
poder focalizar a tarefa mais importante. Na experiência
Stroop (atenção seletiva), temos o desafio de desviar a
atenção de uma tarefa para outra.
Tanto a atenção seletiva quanto a dividida são importantes
para a criatividade.
A atenção dividida é mais abrangente. Ao espalhar sua
atenção em mais áreas de coleta de informação, você tem
mais chance de ativar uma solução criativa. É um argumento
a favor de achar que os jovens de hoje, presos nos
computadores de telas divididas, teoricamente deveriam ser
peritos solucionadores criativos de problemas. Multitarefa é
um estilo de vida para eles. Mas mesmo multitarefas
precisam de pensamentos conscientes sobre as informações
recebidas nas memórias de curto prazo e de longo prazo. E a
atenção seletiva continua sendo necessária para escolher
uma das soluções e testá-la. O argumento, então, é a favor de
achar que os multitarefas podem ter dificuldades em fazer
com que suas soluções criativas tenham utilidade prática. Em
algum momento será preciso traduzir a grande idéia em uma
realidade maior ainda.
A terceira teoria que ajuda a explicar o efeito Stroop é a
teoria da competição entre as respostas. Ela alega que existe
interferência entre palavras e formas porque a resposta
normal, ou seja, a prevalente, ao ver uma palavra é dizê-la. E
é difícil inibir a reação prevalente. Quando tentamos
resolver um problema, ou gerar uma idéia singular,
freqüentemente perdemos uma grande idéia por causa de
respostas mais acessíveis ou convencionais que ficam na
frente. Elas tomam a forma das convenções e crenças que
mantemos sobre o que funciona ou não.
Além dessas, outras teorias atuais sobre o efeito Stroop
enfatizam a interferência que o processamento automático
provoca nas tarefas mais árduas, como no exemplo de dizer
palavras versus nomear formas. A tarefa de selecionar uma
resposta adequada face a duas condições conflitantes (se não
diametralmente opostas) é temporariamente alocada no
córtex cingulado anterior (ACC) do cérebro. Essa região fica
entre os hemisférios direito e esquerdo da porção frontal do
cérebro, e está envolvida em um amplo leque de processos
de pensamento e respostas emocionais. Embora as funções
do ACC sejam complexas, grosseiramente falando, ele atua
como um conduíte entre as regiões do cérebro mais
primitivas, mais impulsivas, e regiões mais avançadas, mais
guiadas por comportamentos racionais. Ler (ou seja,
decodificar seqüências de letras em palavras), por ser uma
habilidade altamente especializada, tornou-se automática, e
praticamente não requer um esforço consciente. Abster-se
de ler e em vez disso dizer a forma, por outro lado, é algo
que requer muita atenção. Fica menos difícil se palavras e
formas coincidem, por que assim as respostas não estão
competindo. O fenômeno da informação conflitante pode
ajudar a explicar por que alguns indivíduos parecem ser
capazes de experimentar momentos-eureca com mais
freqüência do que outros. Indivíduos criativos são mais
capazes de suspender ou ignorar a informação que pode
atrasá-los na descoberta de uma solução para um problema.
É por isso que eles são capazes de ver além das normas e
regras existentes, e desafiar hipóteses anteriores, quando
buscam uma solução.
O lado prático disso tudo é que a informação que pode
parecer irrelevante, à primeira vista, na solução do seu
problema ou criação de sua nova idéia passa a ser levada em
consideração. Você vai ver mais adiante neste livro, mas
esses encontros com pedaços estranhos de informação,
aparentemente irrelevantes, são precursores comuns de
insights criativos. Entre você e seu cérebro, é ele quem está
mais ligado (inconscientemente) do que você
(conscientemente) na situação geral. É em parte por isso que
os momentos-eureca parecem acontecer quando menos nos
esforçamos para ser criativos — o que vai contra todas as
técnicas convencionais de brainstorming. E isso também
ajuda a explicar o sentimento freqüentemente associado aos
momentos-eureca. Por exemplo, depois de ler o trecho todo
embaralhado do exercício anterior, ou até ainda durante a
leitura, você pode ter ficado um pouco impressionado com a
capacidade da sua mente em lê-lo. Afinal, depois de notar
que as letras estavam todas misturadas, você provavelmente
não achava que seria capaz de compreendê-lo, e se sentiu
bem quando conseguiu. É comum acontecer isso com
epifanias: é uma sensação boa quando uma ligação acontece,
quando o problema é resolvido ou uma grande idéia nasce. E
seu coração acelera para conseguir emparelhar com o súbito
brilhantismo.
Não há dúvida de que Arquimedes estava se sentindo ótimo.
Prova disso foi que não só seu coração acelerou, seus pés
também. O encontro de Arquimedes com a inspiração
criativa pode ser o mais famoso da história, mas está longe
de ser o único. A história está cheia de súbitas explosões
inesperadas de pensamentos criativos, relatadas por centenas
de artistas, empresários, inventores, cientistas e escritores,
entre eles uma lenda viva da literatura, Carlos Fuentes.
Carlos Fuentes é uma instituição. Mais do que o escritor vivo
mais celebrado do México, ele é um dos tesouros criativos
do mundo. As conquistas literárias de Fuentes fariam artistas
dos mais prolíficos ficarem verdes de inveja. Com tanta
produção, é normal querer saber se ele alguma vez teve
medo de perder tal capacidade criativa. Afinal, bloqueios
literários já visitaram todos os escritores do mundo (embora,
ao que parece, eles perderam o endereço de Fuentes). Um
repórter perguntou: "Alguma vez você teve medo de perder
o amor à escrita?" Fuentes respondeu: "Não... Avancei muito
nesse caminho para que tal coisa aconteça. Nunca temo a
página em branco. Todos os dias acordo... ou melhor, todas
as noites vou dormir ansioso para levantar e escrever
novamente, e já sei mais ou menos o que vou dizer".
Embora a confiança de enfrentar a página em branco possa
explicar a maneira como ele trabalha, ela não explica a fonte
de sua farta imaginação. De onde vêm suas idéias? Para
quem olha de longe, suas idéias parecem se materializar do
nada. Entretanto, para Fuentes, encorajar a criatividade é
algo um pouco mais pragmático. Como outros grandes
inovadores, Fuentes tem um truque — que ele pegou
emprestado de outro gênio criativo, Ernest Hemingway.
Fuentes explica: "Hemingway disse que você deve sempre
deixar a última frase inacabada: 'Ele abriu a porta e viu...' O
quê? Deixe assim, vá para a cama... não termine a frase, de
forma que você saberá de onde retomar no dia seguinte. E aí
entra o fator sonho: Você já sabe, na sua cabeça, o que você
vai escrever no dia seguinte, mas entra um sonho e muda
tudo, de um jeito que não dá para controlar".
Fuentes, como tantos outros gênios criativos da História,
leva em conta que dormir é mais do que uma forma de
descansar o corpo; é uma forma de exercitar a mente.
Dormir é ter tempo de pensar sem controlar
conscientemente para onde vai o pensamento. Acontece
que o sono e o subconsciente exercem papéis mais
importantes do que apenas servir de apoio no drama da
inspiração criativa. Além de Fuentes, muitos inovadores da
história atribuíam sua criatividade a transes e estados de
espírito parecidos. "Foi um sonho" é explicação comum
quando se trata de falar sobre a origem das idéias.
Em 1905, uma lavadeira negra e viúva inventou, enquanto
dormia, um método de alisamento de cabelo. Graças a esse
sono inspirador e aos dez anos seguintes de sua vida, Sarah
Breedlove Walker (mais tarde conhecida como Madame C.
J. Walker) tornou-se a mulher negra mais rica dos Estados
Unidos, autora do método Walker de cuidados com o
cabelo.
Como Walker, um químico de 35 anos de idade, Friedrich
August Kekulé von Stradonitz, sonhava em 1864 com um
Ouroboros (símbolo mitológico de uma cobra engolindo o
próprio rabo) e acordou com a solução para uma pergunta
complicada: Qual é a estrutura da molécula de benzina?
Kekulé conta: "Era só olhar! O que era aquilo? Uma cobra
agarrou o próprio rabo e aquela forma se retorcia na minha
frente, como se estivesse zombando. Então, em um
relâmpago, acordei". A estrutura de anel, formada pela
cobra, é igual à estrutura da molécula de benzina. Será que,
em vez de desenhos científicos de moléculas, foi a imagem
metafórica de répteis dançantes que teria inspirado o
momento-eureca mais famoso da química?
Kekulé pode ter sido um homem austero, mas experimentar
momentos criativos em estado de transe parece ser bastante
comum entre os que relataram momentos-eureca, como
Albert Einstein. Em 1907, quando trabalhava em um
escritório de patentes e marcas de Berna, Suíça, um jovem
Einstein de 28 anos de idade disse que "uma descoberta
apareceu de repente". Perdido em devaneios, sua mente
vagava e ele pensou: "um homem em queda livre não sente
o próprio peso". Einstein relata: "Caí para trás. Essa
experiência simples de pensamento me causou grande
impacto". Nesse momento, Einstein fez a ligação entre
gravidade e movimento acelerado que, depois de quase dez
anos martelando em cima da matemática, lhe daria sua
magnum opus: a teoria da relatividade.
O fenômeno de inspiração em estado de transe parece se
aplicar não apenas à descoberta científica, mas também à
criatividade artística. Acordar, simplesmente, pode ter sido
pelo menos parcialmente responsável pela concepção da
música mais gravada no mundo, "Scrambled Eggs".
Em 1964, um dos Beatles, Paul McCartney, acordou com sua
melodia de maior sucesso zunindo na cabeça. Ele conta, na
The Beatles Anthology: "Acordei uma manhã com a melodia
na cabeça e pensei, 'Ei, não conheço essa melodia — ou
conheço?'". Por semanas a fio, McCartney estava
convencido de que tinha ouvido a melodia em algum lugar e
simplesmente não conseguia lembrar onde. Achou que
podia estar com criptomnésia ("memória oculta"), um
fenômeno teórico em que a pessoa acredita ter inventado
algo novo, quando apenas encontrou aquilo em algum lugar
e esqueceu. Parecia feitiço. Ele achava que todo mundo
conhecia a melodia de "Scrambled Eggs", talvez um jazz, e
seus amigos lutaram para, por fim, o convencer de que não,
que seu grande feito musical era de fato uma melodia nova
em busca de uma letra. Então, em vez de arranjar um título
melhor, por um tempo McCartney usou "Scrambled Eggs"
para designar seu novo trabalho e a letra provisória com
pedaços ainda faltando: "Scrambled eggs, oh, my baby, hów
I love your legs — (pedaço faltando) — I believe in
scrambled eggs". "Scrambled Eggs" desde então se tornou a
música mais gravada da história, interpretada mais de 7
milhões de vezes apenas no século XX. Para grande tristeza
da Egg Farmers Association, McCartney acabou mudando o
título e a letra de "Scrambled Eggs" para "Yesterday".
Como Einstein e McCartney, você também provavelmente
tem uma experiência similar de acordar com uma grande
idéia na cabeça. Ela pode não ter propiciado um Prêmio
Nobel ou um Grammy para você, mas, mesmo assim, você
está familiarizado com o relâmpago de luz associado a
solucionar um problema ou criar algo novo (pelo menos,
novo para você). A questão permanece: O que acontece
quando dormimos? Por que o sono parece nos fazer mais
criativos? Vamos a isso no próximo capítulo.

Resumo e exercícios de criatividade

• A memória de experiências, informação e linguagem afeta
sua criatividade. Esteja atento se suas experiências anteriores
estão prejudicando sua capacidade de ver as coisas de uma
nova maneira.
• Quando você está tentando resolver um problema,
algumas informações podem parecer irrelevantes em um
primeiro momento. Entretanto, elas também podem trazer a
chave para a resolução. Faça um esforço para não descartar
informações tangenciais de forma prematura, quando em
um processo criativo.
• Assim como Fuentes e Hemingway fizeram, deixe, você
também, perguntas sem respostas e frases por terminar. Não
é preciso resolver tudo de uma vez. Escreva seu problema
ou pergunta em um papel. Vá fazer outra coisa. Quando
você voltar, veja se apareceu alguma idéia nova.

Foi um sonho

Vários estudos já examinaram a ligação entre sono e
criatividade. Um deles, usando tecnologia no lugar de casos
históricos, mostra que, em seres humanos, a mesma
atividade cerebral da vigília é reativada durante o sono. Quer
dizer, reencenamos durante o sono algumas das ações que
fizemos quando estávamos acordados. Mais importante:
reencenamos variações dessas ações. Em outras palavras, não
estamos presos ao que de fato aconteceu, pelo contrário,
usamos as informações adquiridas e as reorganizamos
durante o sono, criando assim todo tipo de combinações.
Durante o sono, experiências e informações diferentes,
aparentemente sem relação umas com as outras, são
rearranjadas, formando ligações que, de outra forma, não
seriam acessíveis durante nossa vigília. É uma explicação
para o fenômeno de você virar gênio ao acordar.
A confluência de informações disparatadas, resultado de
uma consolidação que ocorre durante o sono, dá ensejo a
novos pontos de vista com potencial de produzir novos
pensamentos. É o que se observa especificamente no
aumento de atividade do hipocampo que — ao que se
acredita — é a região crítica da formação da memória e da
consolidação de informação. Você, sendo alguém que já
dormiu um bocado durante todos esses anos, deve conhecer
bem esse fenômeno de a cabeça rearranjar experiências
ocorridas durante as horas de vigília. Os sonhos que você
lembra ao acordar são, em geral, uma grande mistura de
pessoas, lugares e atividades do dia que passou. Por exemplo,
digamos que, durante suas horas acordado, você ficou preso
no tráfego enquanto levava o seu gato para o veterinário;
você parou para tomar um sorvete na volta para casa; e, mais
tarde nesse dia, você correu um pouco na esteira da sua
academia de ginástica. De noite, enquanto dorme, sua mente
rearranja tudo isso e aparece com algo bem diferente — por
exemplo, você é perseguido por um gato gigante enquanto
tenta desesperadamente subir em uma montanha de sorvete.
E aí você acorda pensando: Ahá! Grande idéia! Devia haver
sorvete para gatos!
O fenômeno de criatividade ao acordar ocorre por três
fatores. Primeiro, o sono é a hora em que as experiências
ocorridas durante a vigília são consolidadas em forma de
memória. Segundo, o sono é a hora em que você tende a
relaxar os rígidos controles sobre a realidade. E, terceiro, o
sono é a hora em que sua atenção não está tão focalizada.
Por causa desses três fatores, você tem mais chance de se
permitir levar em consideração pensamentos ousados, pois
você está inconsciente e não está preso à lógica. Gatos
poderiam tomar sorvete. Por que não? Eles bebem leite.
Você pode ver as coisas de um ponto de vista diferente
enquanto dorme, descobrir ligações entre informações e
experiências diferentes, criando as condições ideais para
explosões súbitas de insights criativos. E, além disso, graças
ao relaxamento dos controles rígidos sobre a realidade, sua
mente se encontra mais aberta a essas novas possibilidades, o
que é mais um precursor de insights criativos. Para resolver
o mistério, quer dizer, fazer mais do que escutar o relato de
dorminhocos bem-sucedidos, vamos apelar para o ás na
manga dos cientistas: o rato de laboratório.
Há um estudo em que cientistas exploraram como o sono
interage com o aprendizado. Usaram, para testar suas
hipóteses, dois grupos de ratos que estavam aprendendo a
andar em um labirinto. Um grupo de ratos praticava a
andada, dormia e depois voltava a praticar. O outro grupo
andava, parava um pouco, mas sem dormir, e depois voltava.
Os cientistas descobriram que os que dormiam aprendiam
mais rápido. Mais do que isso, mesmo quando os que não
dormiam ganhavam mais horas de prática do que os que
dormiam, ainda assim os que dormiam aprendiam mais
rápido. Por que isso acontecia, mesmo com toda a prática
suplementar? É que não só a mente consolida informação
durante o sono, ela faz isso por uma razão: preparar e
armazenar essa informação na memória de longo prazo. O
processo de aprendizado continua durante o sono (apesar
de, como educador, eu insista para que meus alunos não
durmam durante a aula!). O desempenho dos ratos que se
mantinham acordados e que faziam treinos adicionais no
labirinto não ficava melhor porque a experiência e o
conhecimento obtidos no labirinto não tinham a
oportunidade de ser transportados para a memória de longo
prazo.
Para ampliar essas pesquisas, um outro estudo comparou a
atividade cerebral dos ratos durante as andadas no labirinto e
na soneca pós-andada. O resultado deu que a atividade
cerebral registrada enquanto os ratos andavam no labirinto
era bem similar às registradas enquanto eles dormiam. Quer
dizer, eles provavelmente estavam praticando as andadas
durante o sono. Assim, mesmo os ratos que dormiam e que
tinham menos tempo para praticar não estavam em
desvantagem em seu processo de aprendizado porque
praticavam durante o sono. Se você não puder trabalhar
essas rotinas mentais (ou seja, se você não dormir), sua
chance de armazenar informação na memória de longo
prazo diminui. Conseqüentemente, o aprendizado não
acontece, e você — e o rato — se perderão no primeiro
labirinto que aparecer. Então, talvez você não consiga ter a
grande idéia, passar no exame ou fazer uma boa
apresentação se não tiver uma boa noite de sono. Pior, você
provavelmente tenderá a esquecer a maior parte das coisas
que aprendeu naquele dia, pois você não permitiu que a
informação fosse consolidada e armazenada na memória de
longo prazo.
A partir dessas descobertas, uma coisa é certa: no campo da
criatividade e inovação, passar uma noite em claro é a pior
coisa a fazer. Se você tiver que escolher entre ficar acordado
a noite inteira ou tirar uma soneca de umas três horas, por
favor, vá já para a cama. Enquanto você dorme,
particularmente durante o período de sono em que seus
olhos se mexem rapidamente, sua memória espacial e a
comportamental são consolidadas. A memória espacial inclui
registrar seu ambiente e sua relação com esse ambiente. Por
exemplo, esquilos cinzentos exibem uma sensacional
memória espacial durante suas atividades de amealhar nozes
e escondê-las em pequenos esconderijos, para onde voltam
depois de meses. Aves usam memória espacial quando
migram durante o inverno. Lembre de Einstein enquanto
ele trabalhava no escritório de patentes de Berna, do seu
pensamento sobre o "homem que cai" e da ligação entre
gravidade e aceleração de movimento. Esse pensamento
provavelmente ficou marcado e armazenado na memória
espacial do cérebro de Einstein e foi recuperado depois em
uma combinação singular de idéias não relacionadas. Já a
memória comportamental envolve lembranças de longo
prazo relativas a habilidades — como fazer as coisas: nadar,
andar de bicicleta, dirigir um carro. Lembre de Arquimedes.
Ele sabia como medir o peso das coisas, um procedimento
que estava guardado na sua memória de longo prazo, onde
tinha virado conhecimento.
É bom lembrar que a vantagem de dormir não se resume
necessariamente ao fato de você se sentir descansado no dia
seguinte; muito mais do que isso, a vantagem está no
processo de consolidação de informação que acontece em
seu cérebro enquanto você dorme. É isso que cria condições
para um insight criativo na manhã seguinte, enquanto você
estiver no chuveiro ou preso no tráfego. E é por isso que
você não deve desprezar conhecimentos adquiridos
pensando que podem ser uma obstrução à inovação. Se você
receber experiências como dogmas, arriscará não perceber
oportunidades novas ou não-ortodoxas. Conhecimentos —
ou seja, procedimentos já conhecidos ou especializados —
são necessários para a geração de idéias inovadoras, como foi
o caso com Arquimedes: havia uma informação conhecida
por ele e, se não houvesse tal informação, ele não teria tanta
possibilidade de resolver o seu problema.
Ao contrário do que as pessoas acham, o conhecimento
adquirido é um componente importante da criatividade,
mesmo quando se trata de criar coisas que são
completamente novas no mundo. Em termos leigos, ser
quadrado é tão importante quanto não ser. Importante
mesmo é ser os dois. A junção de conhecimento
especializado e informações que parecem totalmente
irrelevantes é o que cria a condição ideal para uma epifania.
É dessa forma que tantos se tornam gênios ao acordar.
Infelizmente, só cair no sono não leva ninguém a uma
grande idéia. É o que ocorre durante o sono — a
recombinação de informações — que permite o insight
criativo. Tenho convicção de que, ao mimetizar, ou pelo
menos tentar recriar, as condições que ocorrem
naturalmente durante o sono — recombinação de
informação e sobreposição de conhecimento especializado
com informações supostamente irrelevantes —, você será
capaz de fomentar criatividade de forma deliberada. Você
pode aprender a fazer essas ligações durante a vigília,
embora dê trabalho buscar sentido em relações que
aparentemente não fazem sentido. Uma das técnicas
mostradas mais tarde neste livro é a de criar ligações entre o
que você domina (continuar quadrado, se ater ao que já
sabe) e o que você não domina (informações esparsas, coisas
que acontecem fora de sua área de conhecimento, de
interesse, de sua rotina diária).
Há estudos que apontam entre humanos os mesmos
resultados encontrados entre ratos em um labirinto. O
estudo ilustrado na Figura 4.1 conclui que o sono facilita os
insights na hora de resolver problemas. Ter insight é o ato
de encontrar uma solução escondida, não óbvia, de um
problema, algo altamente desejado quando se precisa de uma
idéia nova.
Nesse estudo, foi pedido a grupos de participantes que
fizessem uma tarefa comum em atividades de resolução de
problemas. Alguns tiveram permissão de dormir, outros não.
Tinham de encontrar a "solução final": o número que viria
por último em uma série. Veja a Figura 4.1—0 resultado
poderia ser obtido ao processar os dígitos 1, 4 e 9 em pares
da esquerda para a direita utilizando duas regras. A primeira
pode ser chamada de "regra do igual" e é quando você
enxerga um par igual — lei— com a resposta sendo a
mesma coisa:
A segunda regra se chama "regra do diferente" e é quando
você vê um par diferente — 1 e 4 — e a resposta fica sendo
o dígito que falta, o 9. Depois de uma primeira resposta, os
participantes vão para a direita e comparam o próximo par
de números buscando o terceiro elemento, e assim por
diante, até acabarem a tarefa e chegarem à solução final.
Quando descobrem a solução final, devem apertar um botão
para confirmar suas respostas. Assim, por exemplo,
começando pelo lado mais à esquerda, o par lei invocaria
a regra do igual, e, portanto, a resposta seria 1. Indo para a
direita, o próximo par é 4 e 1, o que invocaria a regra do
diferente, com resposta 9. E assim até o final. A figura aqui
mostra apenas uma das séries de números: 1-1-44-4-99-4-9-
4. Quando os participantes completassem essa fila, uma nova
fila de números apareceria e eles teriam de repetir as
instruções. No entanto, encontrar o dígito final não é o que
mais interessa. Há um gato nessa tuba.
Apesar de os participantes receberem a ordem de "achar a
solução final", os pesquisadores não estavam na verdade
interessados se eles iriam ou não encontrar a resposta certa.
Em vez disso, queriam observar se os participantes tinham
um determinado insight durante a resolução do problema.
Para testar isso, os pesquisadores embutiram um segredo
(uma regra escondida) em cada uma das séries de números,
sem dizer nada. Esse segredo tornaria tudo mais fácil e os
faria encontrar a solução final de forma muito mais rápida. O
momento da descoberta da regra secreta seria o momento
preciso do insight, o momento-eureca. Uma vez a
descoberta feita, não havia mais necessidade de seguir as
séries, passo a passo.
A regra secreta era que as três últimas respostas espelhavam
as três respostas anteriores: como mostrado na Figura 4.1.,
4-1-1-1-1-9. Quando os participantes descobriam a regra
secreta, quando ela deixava de ser implícita para se tornar
explícita, ficava óbvio para eles que o segundo dígito da
resposta seria sempre o mesmo dígito da solução final.
Assim, os que descobriam isso registravam a solução final
logo após descobrirem qual era a segunda resposta, uma
redução de 70% do tempo médio de solução. Importante:
59% dos que dormiram uma noite inteira, entre o primeiro e
o segundo dia de teste, descobriram o atalho na manhã do
dia seguinte. Por outro lado, apenas 25% dos que não
dormiram conseguiram achar a regra secreta.
Como mostra a Figura 4.2, a noite de sono mais do que
dobrou a possibilidade de solucionar o problema. "Dia sem
dormir" representa os participantes que ficaram acordados
entre um período inicial de treinamento, feito pela manhã, e
o segundo período, à tarde. "Noite sem dormir" representa
quem iniciou o teste em uma tarde, passou a noite sem
dormir e recomeçou na manhã seguinte. E "Dormindo", os
que começaram à tarde, dormiram de noite e recomeçaram
na manhã seguinte. É interessante notar os dois campos de
listras, à direita, rotulados de "Direto-dormindo" e "Direto-
sem dormir". São os que fizeram o teste de uma vez só,
depois de uma noite de sono ou de uma vigília. Ambos os
grupos tiveram o mesmo desempenho dos que fizeram o
teste em dois períodos distintos (os três em cinza à
esquerda). Mas todos os que fizeram o teste em um ou dois
períodos ficaram abaixo dos que iniciaram o teste, foram
para a cama e, na manhã seguinte, descobriram o truque.
Quer dizer, fazer em duas vezes deu mais chance só para
quem dormiu. E praticamente não teve efeito nos que
ficaram acordados.

Fonte: Wagner Ullrich et al. "Sleep Inspires Insight", in
Nature, 22 de janeiro de 2004, pp. 352-354.


A partir dessas descobertas, sugiro que da próxima vez que
seu chefe pedir que você resolva um problema ou apresente
uma idéia, ali, na hora, na frente dele, você faça o seguinte.
Repita o roqueiro Meat Loaf e diga: "Vou dar uma
dormidinha e te digo alguma coisa amanhã de manhã". Ou, é
sua segunda opção, tente algumas das técnicas apresentadas
neste livro. Vamos analisar vários truques cognitivos e
métodos criativos ao longo destas páginas. Mas, enquanto
isso, experimente o seguinte: hoje à noite, quando for para a
cama, pegue um pedaço de papel e um lápis e deixe por
perto. Bem na hora de fechar o olho, escreva um problema
(na forma de uma pergunta) que esteja na sua cabeça e,
seguindo Fuentes e Hemingway, deixe-o lá, sem solução.
Deve ser algo simples. Uma única frase é o melhor. Por
exemplo: Por que levo tanto tempo para fazer check-in e
check-out nos hotéis e praticamente nada para alugar um
carro? Depois de escrever a pergunta, pense nela por um
minuto e feche os olhos. Deixe que seu inconsciente resolva
por você (ou, no mínimo, tente). Acordando, comece
imediatamente a escrever tudo o que lhe vier na cabeça
como respostas à pergunta. Você vai se surpreender com a
quantidade de pensamentos que vêm à cabeça enquanto
você dorme. Por exemplo, você pode ter pensado por que
não se faz check-in como um aluguel de carro. Ou por que
não existe guiché de check-in nos aeroportos. Nesses casos,
você entraria no hotel, passaria a recepção, iria direto para o
quarto, cuja porta se abriria com a inserção de seu cartão de
crédito na fechadura, e se atiraria na cama, para ter sua
próxima grande idéia. Dia seguinte, hora de ir embora, você
fecha a porta do quarto, insere o cartão de crédito para tirar
a fatura e parte. A conta chegará no débito automático, com
aviso por e-mail.
O sono é uma ótima hora para se pensar. Sugiro que, além
de papel e lápis, você também mantenha uma espécie de
diário na mesinha de cabeceira, para registrar perguntas,
problemas não resolvidos e as grandes idéias que você ainda
não sabe como pôr em prática. O fato é que desperdiçamos
pelo menos oito horas diárias, porque não vemos o óbvio: a
melhor hora de ser criativo é nos braços de Morfeu.
Embora ainda haja muito a aprender sobre a ligação entre
sono e criatividade, essas e outras pesquisas já oferecem
ampla evidência a favor de dois preceitos precursores do
insight criativo. Primeiro, para conseguir resolver um
problema, você precisa entender um pouco de como
funcionam as coisas na área onde ele se situa — saber a
respeito do setor industrial, do produto, das regras do negó-
cio etc. Segundo, você precisa se esforçar para manter uma
curiosidade sobre áreas que não são de sua especialização, ou
nem sequer de seu vago interesse. Quando o que você sabe
entra em contato com o que você não sabe, sejam
informações ou experiências de vida, novas idéias emergem.
É importante não desprezar o que você sabe: pelo contrário,
dê valor a isso e acrescente perspectivas novas e não-
ortodoxas a essa base.
Agora, ter profundo conhecimento em determinada área
não quer dizer que você, ao se tornar um bom especialista,
também consiga ao mesmo tempo ser criativo. Muito pelo
contrário. Historicamente, observamos que "novatos"
contribuem de forma significativa para a criação de novas
riquezas. Apesar de a idéia de novatos criando riqueza não
ser nova, o importante aqui é como eles fazem isso. O que
eles têm de diferente? Sendo específico, como eles pensam?
Em geral, achamos que novatos quebram regras
estabelecidas porque não as conhecem muito bem ainda.
Mas, na verdade, eles quebram as regras porque as
conhecem muito bem, e não estão satisfeitos com elas. Você
só pode decidir que não quer ser quadrado se souber bem o
que é ser quadrado. Ser inovador é quebrar os quatro lados
desse quadrado e remontá-lo de um modo que faça mais
sentido. Quase todos os visionários da história apareceram
do nada e mudaram tudo. Como fizeram isso? Eles
conheciam as regras. É por isso que puderam quebrá-las. A
interação entre conhecimentos específicos, isto é, regras,
com insights inovadores produz os pensamentos inspirados.
Embora isso seja natural durante o sono, pode ser recriado
enquanto você está acordado.
E aqui lembro a segunda lição prática a respeito do que já
sabemos sobre sono e criatividade. Além de cuidar de seus
conhecimentos especializados, você deve buscar
deliberadamente atividades fora de sua rotina normal, como
ler revistas que você em princípio não leria ou ir a lugares
em que nunca esteve. Assim, você aumenta suas
possibilidades de adquirir informações que, de outro modo,
jamais teria. Essas informações aleatórias podem ser
exatamente o que você precisa para resolver seu problema
ou criar sua próxima grande idéia. Vamos discutir como criar
ligações não-ortodoxas no Capítulo 8. Enquanto isso, lembre
que o mais promissor em relação à inspiração é que as
aparências enganam: você, sim, pode ter bastante controle
consciente sobre ela. Saiba que sono e outros estados de
transes são precursores comuns de insights criativos, e saiba
também que experimentar uma epifania é uma sensação
agradável. Descobrir algo dá orgulho. E emoções parecem
ter um papel importante nisso tudo. O que nos traz à
pergunta: Qual é o estado emotivo mais propício para
induzir-nos à criatividade? E assim chegamos ao próximo
capítulo.

Resumo e exercícios criativos

• O sono impulsiona insights criativos. Quando houver
escolha entre virar a noite ou tirar uma soneca, vá para a
cama.
• Enquanto você dorme, informações são reorganizadas em
seu cérebro e novas relações se formam entre elas. Para
aumentar as chances noturnas de convergência de idéias
disparatadas, experimente algo novo: vá ao trabalho por um
caminho diferente; veja um canal de televisão que você não
costuma ver; leia uma seção do jornal que você sempre põe
de lado. Essa nova experiência, combinada com seus
conhecimentos prévios, pode servir de inspiração para idéias
inovadoras.
• Mantenha um diário na mesinha de cabeceira. Logo antes
de dormir, pense em um problema que você está tentando
resolver (ative-o) e anote em um papel. Quando você
acordar, escreva todas as soluções malucas para o problema
que vieram à sua cabeça. Claro, você vai escrever muita
besteira, mas você também pode achar a idéia que faltava
para resolver o problema.

Entrando no clima

Alguns estados emocionais específicos (raiva, depressão,
alegria) parecem ter tido papel, ou pelo menos presença, na
eclosão de pensamentos inspirados famosos. Os do produtor
de televisão Aaron Spelling, por exemplo. Veja como se
originou a idéia de seu sucesso, o seriado A ilha da fantasia
— um programa ambientado em uma ilha fictícia do
Pacífico aonde convidados chegam e atuam suas fantasias
em troca do pagamento de 50 mil dólares. Spelling lembra:
A ilha da fantasia começou com uma briga. Leonard
Goldberg (sócio de Spelling) e eu íamos à ABC apresentar
idéias para filmes de tevê e só recebíamos cartão vermelho.
Os executivos da rede ficavam nos dizendo que não queriam
lágrimas e dramas, só vibração. Até que explodi e disse.
Vocês não querem um programa! Não querem personagens,
trama, história! O que vocês querem é algum tipo de ilha
onde possam ir e atuar todas as fantasias estúpidas da cabeça
de vocês! E foi aí que eles começaram a dar pulinhos e a
gritar: "Façam isso! Façam isso! Pode não acreditar, mas foi
assim".
Um episódio bem mais sombrio é o do compositor clássico
Robert Schumann. Robert Weisberg, um dos mais
importantes acadêmicos da área de criatividade, professor de
psicologia e diretor do Brain, Behavior and Cognition
Cluster da Temple University, queria testar sua hipótese de
que "o estado maníaco pode aumentar a criatividade de
processos mentais". Escolheu estudar Schumann porque o
compositor, vítima conhecida da desordem bipolar, era um
alvo atraente para o entendimento do efeito dos estados de
ânimo (no caso depressão e mania) na criatividade.
Psicólogos que haviam estudado Schumann antes de
Weisberg pesquisaram registros médicos e cartas escritas por
Schumann e seus conhecidos.
Descobriram que Schumann era cinco vezes mais produtivo
em seus períodos maníacos.
Mas é aqui que entra a análise de Schumann feita por
Weisberg, mais adequada para nossa discussão sobre
criatividade conceitual — a criatividade não apenas
reverenciada por sua arte, mas também por soluções
originais de valor comercial. Mostra a prolixidade de
Schumann durante os períodos maníacos (não há dúvida de
que produzia mais nesses períodos), nada sabemos sobre a
questão da relevância dessa produção: se as obras eram
consideradas pelos outros como obras importantes. Para
descobrir isso, Weisberg usou uma métrica
maravilhosamente simples: "o número de gravações
disponíveis de uma determinada composição musical:
quanto mais gravações, melhor o trabalho. Entra nessa
medida a opinião de críticos, músicos e do público que
compra as gravações. E entram também outras medidas,
como a freqüência em que a obra é discutida em análises
críticas. Dessa maneira, é mais do que uma simples medida
de popularidade das obras". Weisberg usou a seguinte lógica:
"Se os períodos de mania de Schumann melhoravam seus
processos de pensamento, então as obras produzidas durante
tais períodos devem ter gravações mais freqüentes, na
média, do que as de seus períodos de depressão". Os
resultados estão na Figura 5.3.
Como a análise de Weisberg mostra, levando em conta todas
as obras de sua vida, os períodos maníacos de Schumann
não produziram composições mais "relevantes" do que
durante as depressões. Pelo menos no caso de Robert
Schumann, a "loucura" (depressão ou mania) não foi um pré-
requisito para a produtividade criativa. Mas Weisberg
também fez um estudo da poeta Emily Dickinson, outra ví-
tima do transtorno bipolar. E achou alguma evidência de que
poemas produzidos durante seus anos de mania eram mais
criativos conceitualmente: eram únicos, relevantes e
atendiam às expectativas de sua audiência, o que pode ser
medido pelo número de publicações que os acolheram.
Como demonstrei em meu livro anterior, Hope, sabemos
que estar bem disposto influencia de forma positiva a
receptividade de novas idéias, apesar de a comunidade
científica ainda não ter estabelecido ligações biológicas
diretas entre emoção e criatividade.

Nota: Mn = mania
Fonte: Robert Weisberg, Creativity, John Wiley & Sons,
2006.

Para os neurocientistas cognitivos, estar relaxado e de bom
humor (o que chamam de "influência positiva") favorece a
criatividade, pois facilita uma atenção mais abrangente e a
recepção de idéias com pouca relação com o foco central.
Paixão e motivação também são importantes, pois emoções
fortes são necessárias para fixar a atenção na longa tarefa à
frente. Afinal, uma grande idéia terá pouco valor se você
não conseguir fazer com que funcione. Mas, atenção,
cuidado com focos muito intensos. Há um retorno
declinante aqui, porque foco em demasia pode causar
ansiedade, que não só atrapalha a criatividade como encoraja
a fazer coisas decididamente erradas, como, por exemplo,
mandar aquele e-mail desaforado a seu chefe antes de ter a
chance de pensar mais a respeito. Então — e isso vale
particularmente para líderes (gerentes, treinadores, pais) —,
esteja atento ao delicado equilíbrio entre atenção positiva e
focos de ansiedade quando for estimular criatividade entre
seu grupo. À medida que aumenta o volume de pesquisas
sobre emoções e criatividade, a verdadeira natureza da
relação, da correlação e da relação de causa e efeito entre
elas se torna mais clara.
Enquanto isso, preste atenção ao conselho de meu colega, o
neurocientista cognitivo Edward Bowden, cuja carreira é
dedicada ao estudo da criatividade na solução de problemas:

Em minha opinião, ainda não saiu o veredicto final a
respeito da conexão entre estado de espírito, emoção e
criatividade. Até agora a maioria das pesquisas sugere que é
possível aumentar a criatividade com um humor positivo.
No entanto, tendo a achar que qualquer emoção que mude
sua forma de pensar pode contribuir para uma solução
criativa. Por exemplo, quando você tem uma grande idéia
(ou, pelo menos, quando você acha que tem), talvez alguém
lhe diga que sua idéia é uma idéia estúpida. Resultado: você
fica zangado, o que ativa outros pensamentos seus,
relacionados com experiências anteriores de raiva, tais
como: esse cara é um cretino. É a partir da mudança em seu
processo de pensamento, mudança na informação que você
recebe da memória e das novas ligações que podem surgir,
que a idéia criativa nasce. Assim, se você costuma não sair
do seu conforto, ajuda ficar zangado de vez em quando. Se
você é do tipo nervoso, tente suavizar um pouco as coisas.
Qualquer mudança na sua forma de ver um problema
aumenta a probabilidade de uma nova idéia de solução.

As pesquisas mencionadas por Bowden giram em torno da
seguinte pergunta: De que maneira a memória, o processo
de solucionar problemas e a criatividade são afetados pelo
contexto, incluindo o contexto emocional e a mudança de
contexto?
Nessas experiências, os participantes devem aprender coisas
novas em ambientes diferentes, e depois são requisitados a
lembrar, dentro e fora do contexto original, aquilo que
aprenderam. Contexto, aqui, refere-se tanto ao contexto
físico quanto ao mental. Por exemplo, em um estudo sobre
contexto físico, mergulhadores deviam memorizar listas de
palavras em terra firme e embaixo d'água. Depois, deviam
lembrar as palavras de cada ambiente dentro do próprio
ambiente e trocando de ambiente. Descobriram que a
lembrança era maior quando exercida em contexto igual ao
do aprendizado. Se os mergulhadores aprendiam as palavras
embaixo d'água, a lembrança ocorrida embaixo d'água era
maior do que em terra firme, e vice-versa.
Na prática, essas pesquisas apoiam o que a maioria dos
detetives já sabe: leve as vítimas de volta à cena do crime e
você conseguirá lembranças mais detalhadas. Aliás, se você
é estudante, eis um argumento de peso para você não faltar à
prova no dia em que ela é dada, versus fazê-la depois, na sala
do professor. E, por falar nisso, também é melhor não faltar
às aulas, porque você se sairá melhor se aprender as
informações no mesmo local onde deverá lembrar delas. Na
verdade, se você puder, para fazer a prova, sente-se na mes-
ma cadeira da sala de aula em que você cursou o trimestre. E
se você for pai ou mãe, encoraje seus filhos a se prepararem
para aquele exame importante no mesmo local onde eles
terão de prestá-lo. Esse fenômeno está relacionado tanto ao
contexto físico quanto ao mental. Outra pesquisa comparou
o desempenho da memória durante aulas e testes com a
pessoa em um mesmo estado de espírito e em um estado de
espírito diferente. Estar em um mesmo estado de espírito
nas duas circunstâncias acabou se mostrando mais
importante do que estar nesse ou naquele clima, fosse qual
fosse.
O contexto serve de dica para a memória e, já que você
provavelmente vai se lembrar melhor do que aprendeu
quando estiver no mesmo contexto, mudar o contexto
significa mudar de dica, tornando mais provável a lembrança
de coisas diferentes. E já que mudar a interpretação de um
problema é muitas vezes pré-requisito para insights
criativos, segue-se que mudar o contexto físico ou mental
pode ser útil na criação das condições para que a criatividade
floresça. Você "se torna mais criativo" quando a memória
não "atrapalha". Pablo Picasso é citado como tendo dito:
"Levei uma vida inteira para conseguir pensar como
criança". Embora tenhamos muito a aprender com o
passado, aprender a esquecer também pode oferecer al-
ternativas na resolução de problemas.
A dificuldade com o passado é aprender a usá-lo. O que ele
pode nos ensinar de útil, e o que é melhor esquecer para não
atrapalhar a vida. Como separar a influência positiva da
negativa em nosso modo de pensar. Por exemplo, por
décadas, os bancos acreditaram que estavam "vendendo
segurança" e punham enormes cofres à vista dos clientes,
para mandar a mensagem de que "seu dinheiro está seguro
conosco". Com o tempo, à medida que as necessidades dos
clientes mudaram, influenciadas pelas tendências observadas
em lojas de varejo como mercearias e butiques de roupa,
começou-se a dar valor a características não tipicamente
financeiras, como comodidade. Comodidade não foi
oferecida pelos bancos até que os clientes a exigiram.
Quando os bancos conseguiram esquecer que segurança
eram as "favas contadas" do passado (a mais barata e fácil
moeda de troca), ofertas de comodidade começaram a se
tornar prevalentes, na forma de máquinas automáticas,
horários de fim de semana e serviços on-line. Tais inovações
dos seus produtos exigiram que os bancos reexaminassem a
crença anterior a respeito do que, segundo eles, devia ser
significativo para os clientes. Identificar e questionar crenças
são um dos pontos principais da inovação e também um
precursor comum do insight criativo.
Vamos aprendendo a respeito do mistério do insight
criativo, mas uma coisa é certa: artistas, cientistas,
empresários, todos estão no mesmo coro: a idéia
simplesmente apareceu na minha cabeça (ou, pelo menos,
eles acharam). Isso torna o enigma muito mais descon-
certante. Os insights criativos são momentos altamente
desejáveis, mas, muitas vezes, deixam aqueles que os
experimentaram sem saber como tudo começou. Ninguém
sabe como a idéia aconteceu, de onde veio, o que se sabe é
que ela aconteceu, e que foi de repente. Então, perguntar a
eles "De onde veio a idéia?" pode ser inútil. Tirando os
poucos que estudam idéias, o resto de nós ficará perdido se
tiver de explicar a origem das suas. Mas os que estudam a
origem das idéias e estão mais conscientes dos processos
criativos podem estar mais aptos a lembrar como montaram
uma determinada solução. Por exemplo, Bowden lembra de
uma experiência:

Como alguém que passa o tempo pesquisando criatividade,
muitas vezes rastreio deliberadamente meu próprio
pensamento até descobrir o que inspirou aquela idéia. Por
exemplo, uma vez resolvi uma charada que me levou ao
programa NPR com Will Shortz. A charada era rearrumar as
letras da expressão "shout danger" de modo que formassem
duas novas palavras que pudessem ser consideradas opostas.
A solução era "son daughter". A idéia me veio enquanto
assistia à ópera Don Giovanni (com legendas). Estava
pensando na charada durante a ópera e, de repente, cheguei
à solução. Rastreando o pensamento do fim para o começo,
vi que foi a palavra daughter nas legendas que tinha me
levado à solução.

O relato de Bowden dá esperança para quem quer aprender
a ser criativo de forma deliberada: ficando atento a um
problema e o mantendo na cabeça, teremos soluções
disponíveis mais rápido. Sem essa ativação de pensamento,
pode ser que a informação necessária para sua solução fique
disponível, mas, incapaz de se conectar com o problema,
não produzirá a solução. Se essa hipótese for verdadeira,
uma forma de resolver o enigma — saber de onde as grandes
idéias vêm — talvez seja entender eventos e experiências
que tipicamente resultam em momentos de insight.
Precursores de insight existem? E, se existirem, o que fazer
para usá-los de uma forma deliberada e vantajosa?
Não acredito em fórmulas do tipo tiro e queda (ou, pelo
menos, não estou dizendo aqui que descobri alguma), mas
parece que epifanias isoladas podem de fato oferecer chaves
úteis para a melhoria de nossa capacidade criativa. Isso dito,
os que buscam um jeito fácil de chegar à criatividade vão
gostar de saber que a época de "pílulas inteligentes" e
"alimentos inteligentes" está só começando. Trata-se de uma
invenção social que ilustra quão longe as pessoas estão
dispostas a ir para obter controle de estados emocionais e in-
terferir com o processamento normal do cérebro, até
conseguir invocar a inspiração criativa quando assim o
desejarem.
A categoria emergente de alimentos inteligentes (produtos
que prometem aumentar criatividade, memória e atenção)
está se tornando uma área cada vez mais popular de
oportunidades de negócios para a indústria de alimentos e a
farmacêutica, e até mesmo para o ocasional inventor radical.
Um dos produtos mais radicais da categoria veio do inventor
japonês dr. Yoshiro Nakamatsu (comumente conhecido por
doutor NakaMats). Seu biscoitinho de aperitivo Yummy
Nutri Brain Food é uma mistura de enguia, ovos, algas
marinhas, iogurte, camarão seco, carne de boi e fígado de
galinha. NakaMats assegura que "são muito úteis para os
processos de pensamento do cérebro". NakaMats recebeu o
Prêmio Ig-Nóbil na categoria Nutrição de 2005, por
"fotografar e analisar cada refeição comida por ele em 34
anos sem desistir até hoje". O Prêmio Ig-Nóbil é uma
paródia do Prêmio Nobel, concedido anualmente em uma
cerimônia na Universidade de Harvard para dez grandes
feitos que "primeiro façam rir e depois pensar".
Além de alimentos inteligentes como o de NakaMats, há
também pílulas inteligentes, que incluem: HT-0712 (um
auxílio à memória), modafinil (usado para tratar narcolepsia,
mas que também melhora alguns processos mentais, como a
memória), donepezil
(comercializado sob o nome de Aricept, incrementa as
transmissões elétricas entre as células cerebrais) e o
psicotrópico Ritalin (projetado para a desordem de déficit de
atenção, mas usado por universitários em busca de "algo
mais"). Há alguém muito rico e muito interessado em
investir em pílulas inteligentes: o exército dos Estados
Unidos. Na verdade, em 2005, o Pentágono gastou 20
milhões de dólares pesquisando maneiras de "expandir a
disponibilidade de memória" dentro do cérebro e de
construir "circuitos mentais resistentes ao sono". Claro,
críticas abundam principalmente devido à presença de
efeitos colaterais potencialmente negativos, associados às
pílulas inteligentes. Entre eles, a hipótese de que "saber em
excesso", no sentido de ter muitos detalhes, pode significar
jaão saber coisa alguma. Por falar nisso, não há coisas na sua
vida que você prefere esquecer? Mesmo assim, a força de
uma neurologia cosmética pode vir a coroar, afinal, um
ícone maldito da contracultura dos anos 1960, Timothy
Leary, gênio criativo que nasceu antes de seu tempo. Leary,
um proponente de drogas como o LSD para melhorar o de-
sempenho mental, seria o garoto-propaganda ideal das
empresas que lançam coisas como pílulas inteligentes.
Radicais, essas táticas ilustram quão longe os seres humanos
estão dispostos a ir para conseguir inspiração criativa. Mas
não é preciso consumir biscoitinhos de enguia ou fármacos
superficiais para melhorar a criatividade. Há truques
cognitivos, e eles vêm na forma de precursores dos insights
criativos. Sejam eles desenhos metafóricos ou
questionamentos de crenças sedimentadas, você pode
pensar nesses precursores como digitais na cena do crime:
estão lá mesmo que você não saiba onde. Acho que
ignoramos com tanta freqüência a existência desses
precursores do insight criativo não porque não damos valor
a eles, mas porque, ao "termos uma grande idéia", ficamos
muito mexidos emocionalmente pela idéia em si.
Dificilmente paramos e perguntamos: "Mas de onde essa
idéia apareceu?" Ou: "Como fui pensar nisso?"
Lembre Arquimedes. Posso jurar que, depois de ter sua
grande idéia, ele não estava muito interessado em saber
como ela surgiu. No entanto, é esse o exato motivo de
termos de entender a origem dos insights criativos. Epifanias
é o que pode acontecer de melhor para aspirantes a
inovadores. Se pudermos entender o porquê e o como de
seu aparecimento, poderemos recriar o quando. Uma grande
idéia nos faz levitar, mas, ao voltar ao chão, aprenderíamos
muito revisando com calma os pensamentos e atividades
com que nos ocupávamos logo antes de a idéia surgir. Não
posso imaginar nada mais importante para um aspirante a
inovador do que uma epifania auto-induzida. Você não
prefere poder controlar sua inspiração criativa em vez de
deixá-la ao acaso? Nossa causa receberia uma grande ajuda,
porque o maior desafio da criatividade aplicada é que
grandes idéias nunca são deixadas sozinhas. Depois de ter
uma grande idéia e compartilhá-la, a primeira coisa que vai
acontecer é pedirem que você tenha outra. Inovação não é
destino final de viagem ou evento de meio de caminho. É
capacidade. Para uma pessoa ser considerada "inovadora"
(em vez de sortuda), várias ações repetidas de criatividade
aplicada são esperadas. E, para nossos propósitos aqui, o re-
sultado dessa criatividade precisa ser relevante para uma
audiência específica. Thomas Edison e sua equipe podem ser
considerados inovadores. Detinham mais de mil patentes e
lançaram inúmeras invenções que mudaram a maneira de as
pessoas viverem. Por outro lado, com uma única
composição de sucesso, a "Canon in D Major", Johann
Pachelbel foi apenas uma centelha a iluminar o forno das
invenções criativas, um acerto que não se repetiu.
Criatividade conceitual não aparece ao se pensar de modo
diferente; pelo contrário, aparece como resultado de modos
de pensar deliberados, que alimentam sem cessar o gargalo
das inovações, voltados a problemas não resolvidos,
necessidades não atendidas e oportunidades não exploradas.
Você deve conhecer a noção de gargalo. Começa com mil
idéias e vai afunilando até algumas centenas, depois dezenas,
até chegar a bem poucas — as grandes idéias que serão
implementadas. Gargalos parecem interessantes na teoria,
mas não funcionam na prática. Na realidade, o gargalo de
inovações se parece mais com um túnel. Começamos com
uma única grande idéia (ou achamos que é) e depois fazemos
de tudo para que ela saia do gargalo sem arranhões, da
mesma forma que entrou. Logo, na prática, o que temos é
um túnel. Mas em inovação as coisas não são diferentes do
que em qualquer outro campo. Medir desempenho trata-se,
também aqui, de uma questão de produção.
Pense em Cy Young, um grande jogador de beisebol, como
exemplo. Com 512 vitórias (ultrapassando o segundo
colocado em 150 decisões), é, sem discussão, o melhor
lançador que jamais houve nesse jogo. No entanto, com 313
derrotas, também poderia manter o epíteto de pior lançador
da história. Já Babe Ruth não era só o rei dos home-runs,
com seus 714 home-runs: era também o rei das bolas-fora,
com 1.330 at-bats. É como Michael Covel, do Turtle Trader,
escreve: "Ruth sabia muito bem que acertos contam mais do
que mancadas. É dele essa pérola: 'Cada bola longe me deixa
mais perto do meu próximo home-ruri. E quando os
repórteres perguntavam como ele lidava com as mancadas
ocasionais, respondia: 'Simplesmente continuo em frente
atirando a bola'". Então faça o mesmo: vá atirando a bola até
conseguir a idéia que muda tudo. A mesma lógica governa
nossa área: tenha vitórias maiores do que as derrotas. Como
saber quais as idéias boas e quais as ruins? Vamos ver isso em
breve, mas, por agora, pense no conselho de Mao Tsé-Tung,
em um escrito de 1963 chamado Where Do Corred Ideas
Come From? [De onde vêm as idéias apropriadas?] "As idéias
que têm sucesso estão corretas, as que fracassam estão
incorretas". Simplicidade e elegância.
Quando se trata de inovação, tudo bem fracassar de vez em
quando, o importante é manter o placar positivo. Isso quer
dizer que você precisa criar de modo contínuo. E como
existe essa necessidade de inspiração contínua, epifanias são
um pacote que vale a pena ser aberto. A boa notícia é que,
apesar de tudo, as luzes do brilhantismo não surgem do
nada. Muito pelo contrário, esses momentos de inspiração
parecem ser extensões lógicas de processos cognitivos
comuns.
Mesmo com muitos fatores contribuindo para o surgimento
de grandes idéias, há cinco precursores que parecem ser os
mais eficientes na inspiração de insights criativos:
curiosidade, limites, convenções, ligações e códigos. Cada
um desses conceitos será explorado nos capítulos seguintes.
Você, ao ter consciência deles e ao praticar as técnicas
sugeridas, estará apto a inspirar epifanias de forma deli-
berada, em vez de ficar sentado, esperando pela inspiração
divina. Claro, é difícil, mas por que não? Afinal, esse é um
mercado e, em criatividade, grandes idéias são sempre
esperadas.
O mais revelador — e você vai saber disso mais tarde neste
livro - é que a maioria dos inovadores — artistas, cientistas,
empresários - opera a partir de fórmulas únicas que lhes
permitem criar de modo contínuo. Esse "código criativo",
único para cada pessoa e para cada situação, é o mais
cobiçado estágio da inovação. Não é um código naquele
sentido de ser um segredo que só Leonardo da Vinci ou Dan
Brown podem conhecer. Não. São estruturas lógicas nas
quais é possível aplicar criatividade, simplificar situações
complexas e, por fim, criar soluções inovadoras e relevantes
para problemas reais. Esses códigos são a lógica invisível da
criatividade. Você vai aprender como eles são montados e
como criar um para você — como aumentar seu
desempenho criativo.
Agora, vamos voltar aos precursores do eureca, começando
com uma pergunta formada apenas por duas palavras, que
todas as crianças de três anos do planeta já fizeram um dia:
Por quê?

Resumo e exercícios criativos

• Uma influência positiva (no seu comportamento ou na sua
visão de mundo) pode aumentar a possibilidade de sucesso
em inovação.
• Mudar estados emocionais parece ter grande ligação com
o aumento da criatividade. Se você tende a ser pessimista,
tente um enfoque otimista ao problema. Ao contrário, se
você é abertamente otimista, tente um enfoque pessimista.
• Tanto quanto mudar estados emocionais, mudar contextos
nos quais você tenta resolver problemas pode ajudar a
inspirar novas idéias. Por exemplo, se você sempre tem
sessões de brainstorming no mesmo lugar, mude o
endereço. Se você organiza sessões de idéias durante o dia,
passe para a noite.
Teoricamente, quanto mais idéias você gerar, mais você terá
chance de encontrar uma que funcione. Mas isso também
aumenta o risco de fracassos. Gerencie os fracassos
pensando neles não como erros, mas como uma maneira de
aumentar a probabilidade de que a próxima idéia funcione.
Claro, pode ser que não, e, nesse caso, volte para o primeiro
item desta lista.

Mistério total
Curiosidade

Há coisas na vida que fazem o maior sentido: fraldas
descartáveis, telefone sem fio, fibras sintéticas. Apesar de
esses produtos serem sem dúvida superiores aos que existiam
antes de sua invenção, foram vistos com certa desconfiança,
como, aliás, acontece com quase todas as grandes idéias. A
"Boater", inventada por Marion Donovan, foi a primeira
fralda descartável do mundo, rejeitada por ser "de produção
muito cara". O telefone sem fio de Teri Pall foi rejeitado por
ser "bom demais". Teri explica: "Inventei o telefone sem fio
em 1965, mas não consegui vendê-lo". A razão? "Tinha um
alcance de mais de três quilômetros, e interferia com os
aviões." A invenção de Pall depois foi adaptada (reduzida a
um alcance bem menor) e, por fim, tornou-se viável
comercialmente. E, apesar de Stephanie Kwolek ter criado
um material sintético simplesmente mágico, com o Kevlar
também houve dificuldades. O Kevlar se tornou o principal
material dos coletes à prova de bala (com potência cinco
vezes superior à do aço), mas Kwolek registrou sua invenção
como de autoria de S. L. Kwolek para encobrir o fato de que
ela era mulher, pois tinha medo de que isso provocasse a
rejeição do invento pelos funcionários homens do escritório
de patentes. O que essas três criadoras e suas criações têm
em comum? Afora serem elas mulheres, quase sempre
esquecidas pela patota dos inventores, os produtos que
desenvolveram podem aparentar terem como inspiração a
necessidade. Existe a frase, a necessidade é a mãe da
invenção, mas nesses três casos, de repente, é bem o
contrário. A questão que levanto aqui é se a necessidade de
fato é a mãe da invenção, ou se essa é apenas mais uma frase
espertinha.
Se a necessidade fosse de fato mãe da invenção, seria o caso
de pensar que uma pessoa sem acesso à eletricidade fosse o
inventor do rádio de corda, e que um cego inventasse o
método de leitura para cegos. Acontece que essas duas
grandes idéias surgiram de gente que não precisava delas.
Trevor Baylis, que você vai encontrar mais tarde neste livro,
não tinha necessidade alguma para o rádio movido a energia
manual, assim como Valentin Haüy não precisava de ajuda
para ler. Aí vem a pergunta: Se a necessidade não é, ela
apenas, quem provoca invenções, então o quê, ou quem,
está presente no momento anterior a uma epifania? Para
responder a essa pergunta, vamos considerar os eventos que
precederam a inspiração de uma das maiores inovações da
humanidade, a leitura para os que não vêem.
Segundo a lenda, em 1784, saindo da missa da igreja Saint
Germain des Prés, em Paris, o lingüista Valentin Haüy deu
uma moeda para um rapaz cego que mendigava. Surpreso
com o peso da moeda e, portanto, com a generosidade de
Haüy, o rapaz imediatamente expressou em voz alta seu
agradecimento pelo valor recebido, fazendo com que Haüy
— ahá! — atentasse ao fato de que cegos podem diferenciar
categorias pelo tato. Alguns podem achar a história mal
contada e sugerir que, em vez disso, o rapaz cego já sabia do
interesse de Haüy na educação dos cegos e simplesmente
aproveitou a oportunidade. Mas não importa como foi o
encontro dos dois. O jovem mendigo cego era François
Lesuer, de 17 anos, e tornou-se o primeiro pupilo de Haüy.
Haüy começou a ensinar Lesuer a ler usando letras de
madeira com as quais ele formava palavras. Um dia,
enquanto procurava por um objeto na escrivaninha de
Haüy, a mão de Lesuer passou por um aviso fúnebre em que
a letra "o" estava um pouco levantada (tinha sido
datilografada com muita força). E com isso, Haüy teve sua
segunda epifania: letras em relevo no papel eram muito mais
eficientes (versus blocos de madeira) para ensinar cegos a
ler, já que seria possível fazer livros com elas. Na seqüência,
o método de leitura de Haüy melhorou, com a aplicação de
papel molhado sobre letras cursivas, o que deixava formas
sensíveis ao tato depois que o papel secava.
Com o papel seco, Haüy colava uma página na outra para
obter folhas de dupla face e as costurava para fazer livros.
Como você pode imaginar, essa tarefa tomava um bom
tempo, já que cada letra tinha de ser formada
independentemente. E os livros depois de prontos ficavam
muito pesados. Mesmo com livros tão toscos, em seis meses,
Lesuer já dominava os princípios básicos de uma educação
primária, graças ao método de Haüy. Haüy depois exibiu o
progresso de Lesuer para uma platéia boquiaberta, formada
pelos principais acadêmicos da França, na Académie Royale
— o que originou posteriormente a abertura de uma escola
para cegos.
A curiosidade de Haüy não foi, necessariamente, a mãe de
sua invenção. Estava mais para tia, ainda com vínculos de
sangue, mas sem responsabilidade direta. Se não fosse a
curiosidade de Haüy, é muito provável que a necessidade
(ler) continuasse sem solução. E nem era tanto assim uma
necessidade, pois, se é verdade que os cegos daquela época
não podiam ler, a leitura não chegava a ser uma preocupação
real para eles. Assim, Haüy inovou não para atender a uma
necessidade, mas para atender à sua curiosidade.
Curiosidade é o primeiro de cinco precursores de insights
criativos. Curiosidade gera criatividade. O desafio para nós,
da espécie humana, é que parece que nossa curiosidade
diminui com a idade. Em algum momento (tipicamente logo
depois do baile de formatura), satisfeitos com nosso grande
conhecimento, experiência de vida e infinda sabedoria,
paramos de pensar como as crianças que fomos: não mais
perguntamos por que, não mais nos perdemos em nossos
caminhos e não mais tentamos enfiar objetos redondos em
buracos quadrados. Mas esse é precisamente o tipo de
pensamento que impulsiona o insight criativo. Alison
Gopnik, co-autora do Scientist in the Crib: What Early
Learning Tells Us About the Mina [O cientista no berço: O
que o ensino precoce nos revela sobre a mente], explica:
"Bebês são mais espertos do que nós, pelo menos se você
acha que ser esperto é conseguir aprender alguma coisa
nova... eles pensam, chegam a conclusões, fazem previsões,
procuram explicações e até elaboram experimentos... Na
verdade, os cientistas têm sucesso justamente porque imitam
o que crianças fazem de forma natural". A opinião de
Gopnik é compartilhada por Steve Jurvetson, um especialista
em capital de risco do Silicon Valley. À pergunta sobre o
que tinha mais valor para ele, Jurvetson respondeu:
"Brincadeiras. Dou muito valor à mente infantil... Pelo que
posso ver, os melhores cientistas e engenheiros
desenvolvem uma espécie de mente infantil. São
brincalhões, têm cabeça aberta e não se deixam tolher pela
voz interior da razão, pelo cinismo dos outros ou pelo medo
do fracasso". A curiosidade infantil de Haüy — incluindo sua
habilidade e a vontade de temporariamente abrir mão da
"voz interior da razão" — inspirou seu momento-eureca. É
importante esclarecer que esse mantra, "pensar como
criança", não quer dizer necessariamente pensar de forma
simplista. Na hora de ser criativo, ajuda manter uma curiosi-
dade infantil sobre o mundo, mas a pessoa também deve
desenvolver uma forma de pensar complexa (antônimo de
simplista) a respeito do mundo. Crianças podem ter
curiosidade maior do que adultos sobre o mundo, mas têm
um conhecimento mais limitado. Por exemplo, costumamos
dizer que crianças são melhores do que adultos no jogo da
memória. Mas adultos podem vencer as crianças usando
uma estratégia: seu conhecimento metacognitivo, que ainda
não está presente na criança. Por exemplo, crianças podem
cair em um excesso de autoconfiança, em relação à sua
capacidade de lembrar de coisas, pois elas ainda não
desenvolveram o hábito de treinar a recuperação de
informações, não criaram lembretes. Como se viu no caso da
leitura para cegos, é curiosidade combinada com
conhecimento o que leva às inovações mais significativas.
Apesar de a contribuição de Haüy para a humanidade ser
significativa, ela não se sustentou. Como acontece com
freqüência nas inovações, o primeiro a propô-las raramente
consegue manter uma vantagem sustentável — e isso é
outro mito a cercar inovações. Vamos analisar quem obteve
vantagem competitiva nesse caso do
"aprender sem os olhos" daqui a pouco. Primeiro, vamos ver
o mito sobre primeiros proponentes.
O mantra sair na frente para vencer é uma noção romântica
muito repetida em círculos de inovadores. É mentira. A
crença de que chegar primeiro é tudo na vida está baseada
principalmente em como a maioria de nós aprendeu a
definir "sucesso": chegar na frente. Eis uma parte da nossa
infância que fica melhor se deixada no passado, pelo menos
quando se fala de inovação. É raro sabermos ou lembrarmos
dos primeiros proponentes em qualquer categoria, porque
eles muitas vezes fracassam ao tentar fazer suas idéias serem
viáveis comercialmente. Achamos que sabemos quem foi o
primeiro, mas ele, ou ela, é quase sempre apenas aquele que
fez mais barulho a respeito (ou seja, quem se deu melhor em
autopromoção, e se proclamou como sendo o primeiro). Foi
o caso da lâmpada elétrica.
Ao contrário da opinião popular, não foi Thomas Edison
quem inventou a lâmpada elétrica. Na verdade, seu pedido
de registro de patente original, feito em 1880, foi recusado
em 1883 por causa da existência de conceitos semelhantes
anteriores (o que quer dizer que características da idéia dele
já estavam presentes na idéia de alguém para quem uma
patente similar havia sido documentada, registrada e
garantida). Mesmo que essa decisão (de que havia conceitos
de Edison que conflitavam com inventos anteriores) tenha
sido derrubada depois, fica a certeza de que o vislumbre de
algo parecido com uma lâmpada elétrica foi a grande idéia de
outra pessoa. Na verdade, há vinte e dois inventores que
detêm o crédito da invenção de lâmpadas incandescentes, e
cada um deles trabalhou na sua idéia por décadas, antes de
Edison sequer pensar em entrar nesse ramo de negócios.
Um dos mais notáveis foi o inventor inglês Joseph Swan,
com quem Edison veio a se associar em 1883 para fundar a
Edison & Swan United Electric Light Company. Ediswan
vendeu lâmpadas com um filamento de celulose inventado
por Swan em 1881. Thomas Edison continuou a usar
filamentos de bambu até 1892, quando uma fusão
corporativa criou a General Electric, que adotaria o
filamento de celulose. Edison também adquiriu — de dois
caras de Toronto, o eletricista Henry Woodward e seu sócio,
o também inventor Mathew Evans — os direitos das
patentes de lâmpadas incandescentes para todo o território
dos Estados Unidos e Canadá. Depois, Edison aperfeiçoaria
essas idéias já existentes, em uma tentativa de fazer com que
as lâmpadas durassem mais. É importante notar que até
mesmo o processo do filamento da lâmpada de Edison tinha
uma tecnologia inventada não por ele, mas por Lewis
Latimer, um verdadeiro herói desconhecido da lâmpada
elétrica.
Lewis Howard Latimer (1848-1928) era filho de escravos
fugidos e nasceu em 4 de setembro de 1848. Com 16 anos,
alistou-se na Marinha e serviu a bordo do U.S.S. Massasoit.
Depois de dar baixa com honra, foi contratado pela empresa
de patentes de Boston, a Crosby and Gould, que estava
procurando um estagiário para ajudar no serviço. Enquanto
trabalhava lá, Latimer aprendia desenho nas horas vagas, e
acabou convencendo seu relutante patrão a permitir que ele
desenhasse profissionalmente, tornando-se o principal
desenhista da firma. Latimer sabia muito mais do que leis de
comércio e desenho. Era engenheiro, escritor, poeta, perito
testemunhal, violinista e inventor — alguém que podemos
chamar de homem renascentista. Sua maior contribuição foi
um processo de fabricação de filamentos de carbono para as
lâmpadas elétricas. Criar um filamento que pudesse durar
mais do que oito minutos, eis o problema não resolvido que
escapava não só a Edison como também a seus con-
correntes, entre eles Hiram Maxim e sua United States
Electric Lighting Company. O processo inventado por
Latimer resolveu o problema, embora ele, no início, não o
tivesse feito para a empresa de Edison.
Em 13 de setembro de 1881, enquanto trabalhava para
Hiram Maxim — e não para Edison —, Latimer recebeu
uma patente para produzir "incandescência de uma faixa
contínua de carbono, envolvida em arames metálicos". Seis
dias antes da publicação da patente desse filamento — que
incluía um material pouco ortodoxo, papelão, em vez do
mais tradicional papel higiênico —, Latimer entrou com
uma patente em seu nome para um processo de produção
semelhante. A patente saiu no nome do empregador de
Latimer, a United States Electric Lighting Company, de
Maxim, em 17 de janeiro de 1882. Infelizmente, a história
nem sempre parte dos fatos. Os filamentos de longa duração
de Latimer apareceram pela primeira vez nas lâmpadas de
Hiram Maxim e foram popularizadas, depois, por Edison,
considerado o maior inventor dos Estados Unidos.
Edison era tão bom em juntar coisas existentes quanto era
bom em inventá-las, e Latimer era um diletante (em uma
época em que diletante não era considerado palavrão). Com
o tempo, Latimer acabou se ligando a Edison, o que o tornou
o único negro no grupo dos "pioneiros" de Thomas Edison.
Era um grupo de cientistas que trabalhava em várias das
empresas de propriedade de Edison, contribuindo para
muitas das suas invenções de ponta. Além de ser um mestre
em juntar coisas e pessoas, Edison também era mestre em
publicidade. Para ajudar na promoção do "sistema de
iluminação Thomas Edison", Edison incentivou Latimer a
escrever um livro em 1890, chamado Incandescent Electric
Lighting: A Practical Description of the Edison System
[Iluminação elétrica incandescente: uma descrição prática
do Sistema de Edison] (Quem pode discutir com um cara
que tem uma idéia dessas? Gênio!) O título dava a entender
que Latimer tinha criado o filamento para Edison, quando na
verdade ele nem sequer trabalhava para Edison quando a
patente foi publicada. Nesse mesmo espírito de agenciar
idéias dos outros, há um exemplo mais atual na Procter &
Gamble, com sua estratégia de inovação chamada "ligue e
ponha em prática", e também não é uma idéia nova. Essa
estratégia está baseada na premissa simples de que uma única
empresa não pode sobrepujar a capacidade criativa de uma
coletividade inteira, muito maior do que ela. Assim, a P & G
entra em contato com acadêmicos, empresários, inventores
e concorrentes, e os convida a desenvolver novos produtos
e novas iniciativas de negócios. Por exemplo, a marca de
produtos de consumo Glad (sacos de lixo, rolos de plástico
para embalar alimentos, plásticos com fecho para
sanduíches, baldes etc.) é uma joint-venture da P & G com a
Clorox Company. Em alguns produtos, a P&G contribui com
propriedade intelectual e a Clorox, com ativos, como
equipamentos de manufatura e funcionários. A.G. Lafley, o
principal executivo da P & G, elogia a parceria: "Esperamos
que a junção da já estabelecida marca Glad da Clorox com a
capacidade de pesquisa e desenvolvimento da P & G leve aos
consumidores produtos novos e importantes, de claro
valor". Assim como Lafley, Edison também transformava o
juntar e desenvolver em seu segredo de sucesso: foi sua
ligação com Latimer e outros o que possibilitou a lâmpada
elétrica.
A contribuição de Latimer para a indústria da iluminação
elétrica é apenas uma nota ao pé de página na carreira desse
quase desconhecido gênio criativo. Antes de ir para a
Thomas Alva Edison Electric Light Company, Alexander
Graham Bell encomendou a Latimer os desenhos do projeto
do seu telefone. Na verdade, Latimer registrou o pedido de
patente para os desenhos de telefone de Bell, literalmente
minutos antes que concorrentes fizessem a mesma coisa —
o que resultou na concessão em nome de Bell em 7 de
março de 1876. Além da lâmpada elétrica e do telefone,
Latimer aperfeiçoou os banheiros dos trens de passageiros e
desenhou cabides para chapéus e casacos. Também inventou
um aparato de refrigeração, desodorização e desinfecção de
ambientes fechados e, incidentalmente, por uma dessas
ironias do destino, a firma que precisava de estagiário para
ajudar na papelada se tornou a firma de advocacia que
prestava serviços a Latimer.
Como a maioria dos grandes inovadores, Edison se apoiou
nas costas de gigantes: Swan, Woodward, Evans, Latimer e
muitos outros. Mas, apesar das várias melhorias feitas em
uma já existente lâmpada, a genialidade de Edison não é
tanto por ele ter feito a lâmpada durar mais, mas por ter
tornado lâmpadas algo viável comercialmente. E isso
aconteceu quando ele juntou, em um único sistema de
produção, os vários e díspares elementos de uma
iluminação: circuito paralelo, dínamo confiável, rede
subterrânea de condutores, dispositivos para manter a
voltagem constante, fusíveis de segurança, materiais
isolantes, bocais de lâmpadas, tomadas de ligar-des-ligar e,
finalmente, uma lâmpada que durasse. Hargadon comenta:
"O historiador de economia Nathan Rosenberg diz que nossa
insistência em ter idéias erradas sobre o processo de
inovação se deve não apenas à nossa necessidade de ouvir
histórias fáceis, mas também, de forma muito atual, à
necessidade de empresários em deter sem complicações a
propriedade de idéias frente às cortes da justiça e opinião
pública".
Hargadon continua: "Tais idéias têm uma conseqüência pior
do que simplesmente transmitir uma noção incompleta e
errônea do que de fato aconteceu. Elas distorcem nosso
pensamento sobre como inovar, como gerenciar a inovação
e, até mesmo, sobre como extrair sentido da coisa, caso ela
ocorra conosco. Os 'Edisons de hoje' que enfeitam as capas
do Time e da Newsweek alardeando sua mais nova
invenção, os gurus empresariais que insistem em demonstrar
sua genialidade pessoal, todos eles nos afastam cada vez mais
da compreensão e da possibilidade de emulação das
inovações bem-sucedidas do passado". Eu não podia
concordar mais com Rosenberg e Hargadon. Mesmo com
muito do progresso humano tendo dependido de costas de
gigantes, parece que a história nos ensina a depender mais
de suas mentes.
Ninguém tem, de fato, propriedade de uma idéia, é só
lembrar dos vinte e dois proponentes anteriores a Edison.
Ninguém tem o monopólio da curiosidade. Há 6 bilhões de
pessoas no planeta. Chega a ser ingênuo imaginar que uma
única pessoa possa manter direitos sobre uma idéia inspirada.
Há os que ganham patentes, o que não determina o
momento preciso em que a idéia foi concebida.
Simplesmente determina o momento preciso em que
alguém apresentou a patente. O futuro pertence aos que
tornam idéias viáveis, e não aos que as criam. Foi esse o caso
de Thomas Edison, seu mito valia muito mais do que sua
pessoa. A marca Edison e as muitas invenções dele eram de
valor incalculável. Refletindo sobre o poder do nome
Edison, a mulher dele, Mina, escreveu em seu diário, no dia
anterior ao qüinquagésimo aniversário do lançamento da
lâmpada elétrica: "Acho que meu querido (Thomas) é muito
mais do que uma lâmpada elétrica, e que essa festa toda é só
uma grande publicidade para a General Electric e as outras
empresas de iluminação, e que ele é só uma desculpa".
Edison estava fazendo branding enquanto todo mundo ainda
estava fazendo marketing. Ele entendia o poder de seu
nome, de sua reputação e entendia especialmente a noção
romântica da palavra inventor.
A história já esqueceu de vez os primeiros proponentes ou,
pelo menos, esqueceu que foram eles os primeiros. Entre
eles: a empresa que criou a primeira camera de 35 mm, a
alemã Leica, lançada em 1925, perdeu terreno para a Canon,
lançada em 1934; o cartão de crédito Diner's Club, de 1950,
embora viável comercialmente, sucumbiu diante do
American Express, de 1958; a Code-a-Phone Corporation,
que lançou a primeira secretária eletrônica em 1958, só para
se ver ultrapassada pela Panasonic em 1970. É a história, e
não a realidade, quem determina quem é quem. Faça um
teste: no contexto de "aprendizado de cegos", qual é o nome
mais familiar para você, Haüy ou Braille? Se a realidade dá o
crédito a Valentin Haüy, a história coroa um de seus
discípulos, Louis Braille.
Louis Braille entrou para estudar na escola de cegos fundada
por Haüy, trinta anos depois de sua abertura. Braille ficou
cego aos 3 anos, quando brincava com uma furadeira da
oficina do pai. Sem querer, furou um dos olhos que, ao
infeccionar, provocou a perda de visão do outro também.
Depois de terminar os estudos, Braille se tornou um
professor da escola, conhecido por sua generosidade — em
tempo e dinheiro — para com seus alunos. Essa empatia
com os estudantes propiciou-lhe uma epifania ao perceber
que, embora todos pudessem ler graças ao método de Haüy,
ninguém escrevia. Especificamente, Braille notou que os
jovens não tinham como se comunicar com suas famílias
distantes a não ser ditando suas cartas para os professores
não-cegos. Era um limite que criava muitos entraves, pois
esperar que um professor não-cego tivesse tempo para
"tomar um ditado" podia demorar. Além do que tal ditado
significava um compartilhamento de informações (não raro
sobre o próprio professor que as escrevia) destinadas apenas
aos pais. E mais outros problemas.
Ironicamente, da mesma forma que Sir Isaac Newton
precisou viajar para sua casa em Lincolnshire, Braille
também teve o insight que o levou à sua boa idéia enquanto
estava de férias na casa dos pais. Sentado em um banquinho
na loja de artefatos de couro do pai, Louis pegou uma
furadeira e, de repente, a idéia surgiu. A mesma ferramenta
que causou sua cegueira iria fazer com que ele, e muitos
outros, recuperassem a capacidade de ler e escrever com
eficiência, mesmo sem ver. No prazo de seis dias a partir
daquele momento, ele criou um sistema feito de seis pontos
cujas posições relativas representam cada uma das letras do
alfabeto.
Em 1834, Louis Braille fez uma demonstração de seu
"código" na Exposição Industrial de Paris para visitantes do
mundo todo, incluindo o rei Louis-Philippe, da França, que,
segundo a lenda, não entendeu nada do que Braille estava
falando. Em 1837, os alunos da escola de Haüy publicaram o
primeiro livro didático em braile, uma História da França em
três volumes. Infelizmente, como no sistema de Haüy, o
sistema aperfeiçoado de Braille também dava muito trabalho.
Aí é que entra Pierre Foucault.
Em 1841, ao saber dos esforços de Louis Braille para ajudar
os cegos a se comunicar por meio da escrita, um inventor
cego, Pierre Foucault, criou uma máquina (um "pistão de
bancada") para fazer os seis furos de cada letra de uma vez
só, poupando muito tempo e esforço. Em 1847, Foucault
aprimorou o "pistão de bancada" transformando-o em um
"teclado de imprimir," bem parecido com uma máquina de
escrever comum, de forma que os cegos passaram a
conseguir escrever para pessoas não-cegas datilografando
normalmente tipos pretos em papel branco. Até mesmo
Braille usou o teclado de Foucault para escrever cartas à mãe.
Mas, a idéia de Foucault, como já havia acontecido com as
idéias de Braille e de Edison, também não era exatamente
nova. Uma máquina parecida havia sido inventada em 1808
para ajudar na correspondência pessoal de uma condessa
cega. Apesar disso, o teclado de Foucault ganhou populari-
dade. (Máquinas de escrever comuns só se popularizaram na
Europa a partir dos anos 1870.)
Graças a Braille, estudantes cegos podiam finalmente ler e
escrever, às vezes com mais rapidez e perfeição do que os
não-cegos. Infelizmente, o livro feito em braile pelos
estudantes não fez grande sucesso, e não recebeu o
prestigioso prêmio da Academia Francesa de Letras, que foi
concedido ao vice-diretor da escola, P. Armand Dufau, um
ex-professor de geografia do estabelecimento, pelo seu livro:
The Blind: Considerations on Their Physical, Moral and
Intellectual
State, with a Complete Description of the Means to Improve
their Lot Using Instruction and Work [Os cegos:
considerações a respeito de suas condições físicas, morais e
intelectuais, com uma descrição completa dos meios para
tornar melhor sua sorte inevitável, utilizando o aprendizado
e o trabalho].
Dufau era um opositor do método braile, que, segundo ele,
tornava os cegos "muito independentes". Aliás, se opunha
tão radicalmente que nem sequer citou o trabalho de Louis
Braille em seu livro premiado. Para piorar, a administração
da escola não ligava a mínima para o fato de Dufau
desconhecer o método braile. Por quê? Porque a súbita fama
de seu vice-diretor lhe era bem mais útil: graças a isso, a
escola conseguiu construir um novo prédio.
Dufau depois virou diretor-titular e começou a eliminar
matérias que qualificava de "frívolas" (por exemplo, história
e geometria). Adotou um novo sistema de leitura para
substituir o braile. Esse sistema era uma descoberta do
Asylum for the Blind, de Glasgow. Para preparar o ambiente
para a chegada do novo método, Dufau queimou todos os
livros que havia na biblioteca (resultado de cinqüenta anos
de esforços), incluindo os originais de Haüy, junto com todo
o equipamento de escrita em braile (como placas de
gravação e estiletes). Estudantes se revoltaram. Sem
equipamento, passaram a usar agulhas de tricô, garfos e
pregos para gravar e enviar mensagens uns aos outros. Dufau
os puniu, espancando e deixando sem refeição todos os que
não se submetiam a ele. Não deu certo. Os mais velhos
passaram a ensinar braile para os mais jovens em sessões
secretas (e claro que bilhetinhos clandestinos com palavras
de ordem também não são novidade alguma). E, um dia,
Dufau subitamente mudou de idéia em relação ao braile
(método e inventor).
O assistente de Dufau, ele mesmo fluente em braile,
persuadiu o chefe de que a habilidade de escrita dos
estudantes poderia ser útil para a boa reputação da escola (e,
por tabela, para a boa reputação pessoal dele, Dufau) — e,
pronto, Dufau adotou o ensino do braile. Quando a escola se
mudou para o prédio novo, Dufau deu a cada estudante uma
placa de braile, conseguindo assim que voltassem a apoiá-lo.
Chegou mesmo, em uma grande concessão, a incluir a
descrição do método braile na segunda edição de seu livro,
publicada em 1850.
Braille morreu em 6 de janeiro de 1852 quase desconhecido.
Nem um jornal noticiou sua morte. Mas braile (a escrita) iria
sobreviver a Braille (o homem). Em 1854, a França adotava
o braile como seu sistema oficial de comunicação para cegos.
O braile logo se espalhou por toda a Europa, embora
enfrentando resistências. Por várias razões: uma delas é que
pessoas não-cegas não entendiam braile; outra é que
ninguém achava que cegos precisassem de fato ler (já que
iam mesmo passar a vida em asilos ou coisa parecida), e por
aí vai. Talvez o caso mais obtuso de oposição ao braile tenha
sido o da Missouri School for the Blind, de St. Louis, Estados
Unidos, cujo superintendente argumentou que o braile não
devia ser adotado em sua escola porque "era feio". (Fala
sério!) Mas um dos membros do conselho dessa escola,
doutor Simon Pollak, tomou conhecimento de que
estudantes franceses cegos estavam se ensinando
mutuamente um novo método de comunicação (o braile) e
foi à França, de onde voltou com a firme recomendação de
que o braile devia ser adotado, mesmo sendo "feio". Em
1860, a Missouri School for the Blind tornou-se a primeira
escola norte-americana de cegos a adotar o braile.
Louis Braille tocou o coração dos cegos não só porque deu a
eles a chance de aprender, mas porque deu a eles a chance
de ensinar. Pela primeira vez, cegos tinham como
comunicar suas idéias por meio da escrita, em vez de apenas
consumir as idéias dos outros. Em gratidão a Louis Braille,
Helen Keller escreveu: "O braile tem sido minha mais
valiosa ajuda. Tornou possível minha ida a uma universidade
— pois era o único método que me permitia anotar as aulas.
Todas as provas me foram dadas em cópias em braile. Usei o
braile como uma aranha usa sua teia — para apanhar
pensamentos que voavam pela minha mente e empregá-los
em palestras, estudos e manuscritos". O braile, desde então,
vem sendo adaptado para praticamente todas as línguas do
mundo. E, graças à sua facilidade de reprodução, a era da
computação tornou-o a língua-padrão mundial de
alfabetização de cegos.
Retomando a questão se a necessidade é a mãe da invenção,
a resposta é sim e não. Haüy, Edison, Latimer, Lafley e a
maioria dos outros inovadores raramente sentem a
necessidade de forma pessoal. Em vez disso, eles têm uma
outra motivação intrínseca, a curiosidade de descobrir as
coisas. Haüy não precisava "ler sem ver", apenas observou
essa necessidade nos outros. Ele tinha curiosidade. E aí você
deve estar pensando: É verdade. Haüy não era cego. Não era
problema dele. Mas e Louis Braille? Ele podia ser curioso,
mas havia uma necessidade, ele não podia ver. Bem, tem
mais caroço embaixo desse angu. Para falar a verdade, o
conceito de pontinhos de Louis Braille era inspirado não
apenas no trabalho de Haüy, mas também em um outro
sistema, inventado por um não-cego "temporariamente
cego". A inspiração de Braille tem um pé no exército
francês, cujos soldados não executavam ordens noturnas
porque não conseguiam lê-las (se você está no meio de um
combate, acender um fósforo para ler um papelzinho pode
ser fatal). Então, o exército desenvolveu um código
alfabético para que as mensagens dos oficiais pudessem ser
lidas por seus subordinados nas trincheiras. O código usava
pontinhos e travessões em relevo, a mesma idéia que Louis
Braille não iria tardar a adotar. No caso do exército, a
necessidade era a mãe da invenção? Com certeza. Mas, além
dela, foi preciso curiosidade intelectual também para que os
resolvedores de problema tivessem precursores suficientes
para um insight criativo.
Pode dar a impressão que minha insistência em diferenciar
necessidade de curiosidade é como descobrir chifre em
cabeça de cavalo. Mas chifres em cabeça de cavalos é algo
importante para o campo das inovações. Como perguntas
são feitas, como problemas são colocados, isso pode mudar
radicalmente a maneira como surge uma solução ou uma boa
idéia. Adote a maneira certa e a inventividade humana não
terá limites. Adote a maneira errada e o erro humano
também não terá limites.
Cheguei a essa diferença entre necessidade e curiosidade a
partir de uma crença que obtive no meu trabalho com
inovações: as pessoas não têm a menor idéia do que elas
necessitam e, mesmo quando têm, não conseguem falar
disso com clareza. Assim, manter um foco em necessidades
é meio que tempo perdido. Com a curiosidade, ao contrário,
se você a acalenta com observações e experiências
esclarecidas, verá aparecerem idéias relevantes e originais.
A curiosidade é a mãe das invenções. Só quando uma idéia já
está "na rua" (como foi o caso com o braile, a lâmpada
elétrica e o invólucro plástico) é que as pessoas percebem
que sempre precisaram daquilo, que aquilo é muito útil, que
é uma grande ajuda para resolver algum problema, e como a
vida delas muda para melhor com a sua adoção. Eis o
paradoxo. Antes que as grandes idéias sejam lançadas,
raramente vemos necessidade para elas. Mas, uma vez as
idéias lançadas, a necessidade surge. O que era impossível se
torna desejo. Ninguém precisava de uma teoria da
relatividade, mas uma vez ela surgida, foi com certeza muito
útil. Ninguém estava com tanta pressa assim, mas domesticar
e subir em cavalos com certeza era muito melhor que andar.
Tirando as necessidades mais básicas do homem, o resto é
apenas luxo disfarçado.
Porque uma nova idéia "virou necessidade" os estudantes
cegos se revoltaram. Não era o método braile o que os
estudantes queriam. Eles queriam o que o método braile
podia lhes dar: a liberdade. Tirar isso deles foi o equivalente
a alguém dizer que você não pode mais usar o celular, o e-
mail ou o MSN. Você se revoltaria também. E eu junto! É
uma lógica inerente a todas as novas idéias ou pelo menos a
todas as novas grandes idéias. Depois de uma nova idéia, não
dá para imaginar a vida sem ela. De fato não precisamos de
lâmpadas, privada no banheiro ou automóveis, já que
podemos ter velas, fossas no quintal e cavalos. Mas velas,
fossas e cavalos vinham com efeitos colaterais desagradáveis:
pingos que queimam, fedor e chuva. Então, as inovações
não foram exatamente uma necessidade, foram uma
curiosidade, um "e se?" em vez de um "preciso muito". E se
tivéssemos luz sem precisar de velas? E se nossas
necessidades fisiológicas sumissem mais rápido pelo cano? E
se pudéssemos viajar com mais conforto do que no lombo
de um cavalo?
Graças a nossa curiosidade, inovações que pareciam sem
sentido tornaram a vida um pouco mais confortável ou, pelo
menos, mais divertida. Que bom. Pense na beleza que é uma
tela plana de 72 polegadas para a televisão da sua sala. Você
tem necessidade dela? Não! Ou que tal um computador com
aquela cor de bala de morango e formato de gota? Você tem
necessidade dele? Fala sério. Mas eu quero! E quem hoje
consegue chegar ao fim do dia sem um i-pod com a trilha
sonora da vida como ela deveria ser. Eu não! Precisamos
dessas coisas? Claro que não, mas as adoramos. Aliás, nosso
caso de amor com computadores transparentes na cor
morango é tão forte que mais coisas, de ferros de passar a
torradeiras, começam a aparecer com as mesmas cores de
plástico translúcido. O design do iMac se tornou popular
sem que ele fosse necessário para ninguém, exceto para a
Apple, é claro. Mas é importante notar, no entanto, que
idéias que são necessárias apenas para quem as produz (ou
nem tanto para quem as usa) não se tornam tão valiosas
como as que são essenciais na resolução de problemas
fundamentais dos usuários, como o braile, o papel higiênico
e o esfregão Swiffer, que já vem com o próprio detergente.
Embora a necessidade, com certeza, tenha um papel
importante como precursor do insight criativo, ela não age
diretamente. É de fato um desafio para a criatividade
conceituai o fato de a maioria das pessoas não saber do que
precisa. Então, como fazer para acalentar a curiosidade, já
que a necessidade é enganosa? Simples: preste atenção no
que as pessoas conseguem articular, porque em geral essas
são as coisas que elas não conseguem fazer. Embora a
maioria não tenha idéia do que precisa, quase todo mundo
sabe o que não consegue fazer. Temos aguda noção de onde
estão as pedras do nosso caminho, em que ponto precisamos
de ajuda para continuar a andar.
Por exemplo, pense em soldados. Se você focalizar a questão
em necessidades — Do que soldados precisam dentro de
uma trincheira? —, vai acabar com respostas do tipo: comer,
descansar e dar tiro. A partir daí, você poderá pensar em
produtos que os ajudem nisso, ou seja, comida em pó,
travesseiros leves ou alguma caixa bem bolada para levar
munição. Embora sejam coisas relevantes para as ne-
cessidades dos soldados, não levarão você a uma grande
idéia, do tipo ler com a ponta dos dedos. Culpa de quem? Da
maneira como você pensou o problema e o definiu. Do que
soldados precisam? Não pense em necessidades, pense em
limites, O que será que não dá para fazer em uma trincheira,
e por que não? Isso provavelmente o levará a uma gama
muito mais interessante de respostas, incluindo eles não
conseguem executar ordens à noite porque não conseguem
ler, e não conseguem ler porque não podem ver, e não
podem ver porque não podem usar a luz, porque se usarem a
luz levam tiro. A resposta, então, estaria contida na frase: é
preciso criar algo que permita aos soldados executar ordens
sem que seja preciso ler o papel onde elas estão escritas.
Nessa hora, a grande idéia (a solução) começa a ficar mais
clara: métodos de leitura pelo tato. A posteriori parece óbvio
— e é esse o ponto. Uma vez lançadas, todas as grandes
idéias se integram sem surpresas na nossa vida.
A questão fundamental, quando se focaliza uma necessidade,
é que ela só se torna aparente depois que as pessoas a
vivenciam e percebem que nem sequer conseguem imaginar
a vida sem os produtos e serviços que a atendem. Pais de
primeira viagem não tinham a menor idéia de que
precisavam de fraldas descartáveis, antes de ver o modelo
Boater de Marion Donovan. Só depois do lançamento,
disseram Preciso comprar isso! A mesma coisa com o braile.
Antes do braile e dos outros sistemas, os cegos nem sequer
pensavam nessa possibilidade. Não só não achavam que
fosse possível ler, escrever e se comunicar a distância com
cegos e não-cegos, como também não tinham consciência
de que isso fosse uma necessidade. Era "como as coisas são".
Ou, como Dufau chegou a dizer, "a sina deles nessa vida". Se
você fosse perguntar sobre as necessidades dos cegos na
segunda metade do século XVIII, escutaria coisas como: Eles
precisam (ou nós precisamos) de comida, abrigo e roupas.
Aliás, as inovações anteriores à disseminação do método
braile se restringiam a essas exatas necessidades: mais e mais
asilos. A lógica por trás disso era: Temos de cuidar dessas
pessoas. Cegos eram definidos pelo básico. Não podiam
escapar da sina deles nessa vida.
Agora imagine um enfoque totalmente diferente para o que
seja "a sina deles". Considere os limites que os cegos tinham
naquela época (a impossibilidade de ver os deixava sem
estudo, o que os deixava sem trabalho e sem a possibilidade
de fazer uma contribuição intelectual à sociedade). Aí você
vai notar que esse ponto de vista, somado à sua curiosidade,
levará a soluções bem diferentes e muito mais instigantes.
Em vez de criar mais asilos, você chegaria exatamente onde
Haüy e Braille chegaram: a um sistema educacional para
cegos que os ajudasse a ser mais independentes.
Talvez a maior ironia do braile seja saber quem ensinou o
que a quem. Se inovar envolve "ver o que ainda não existe",
defendo aqui que foi o cego que ensinou o não-cego a "ver".
Lesuer ensinou Haüy sobre uma possibilidade, não sobre
uma necessidade. Nesse sentido, querendo criar algo novo, a
pior pergunta que você pode fazer é Do que você precisa?
Iguais aos cegos do século XVIII, os indivíduos de hoje não
têm a menor idéia do que precisam, e ainda menos de como
vão fazer para resolver os problemas deles. Observando o
que as pessoas não conseguem fazer (limites de
comportamento) e por meio do gerenciamento de suas
disponibilidades (limites de recursos), sua chance de
identificar grandes idéias vai aumentar. Vamos afundar na
questão dos limites e do seu papel como precursor de
epifanias daqui a pouco, mas antes faremos um breve
comentário sobre motivação.
Uma verdadeira litania acadêmica costuma ressaltar a relação
entre motivação intrínseca (curiosidade) e criatividade.
Entre os estudos publicados, há uma pesquisa de 1926 sobre
a genética de pessoas consideradas geniais, em que é citada
uma "tenacidade de propósitos" como sendo um dado
constante da inspiração criadora. Estudos de 1952 e 1984,
feitos por cientistas eminentes, falam de "completa
absorção". E uma análise biográfica de 1933 de sete gênios
criativos (Einstein, Eliot, Freud, Gandhi, Graham, Picasso e
Stravinsky) cita "um intenso envolvimento no trabalho". À
primeira vista, a noção de que você precisa estar interessado
para criar algo faz todo o sentido. Mas, e aqui vem o desafio,
como fazer com que os outros também se interessem? Como
falamos antes, identificar uma necessidade é apenas parte do
problema. Sem a curiosidade, a necessidade tem vida longa.
Por exemplo, é possível dizer que se não fosse pela
curiosidade de Haüy os cegos ainda ficariam por muitos anos
trancados em asilos, sem ler e escrever. A motivação dele
teve um papel fundamental na sua capacidade de criar uma
solução original para um problema existente.
Qual é o papel da motivação na criatividade? Motivação
pode ser definida como um foco mental em uma
determinada atividade. Quando a motivação está baixa, a
pessoa não liga para o que está fazendo, e vai pensar em
outra coisa. Claro, ficar sonhando acordado com coisas sem
importância poderá criar inesperadas ligações entre
informações que estavam isoladas umas das outras na nossa
mente, nos levando a novas idéias. Mas é altamente
improvável que uma pessoa vá trabalhar em uma nova idéia
se não tiver algum interesse pessoal que a faça traduzir essa
idéia em soluções práticas e operacionais. E aí chegamos na
pergunta oposta: Pode haver motivação grande demais? A
resposta é: Depende. Se a motivação for extrínseca (por
exemplo, seus pais forçando você a entrar para a faculdade
de medicina, mas você quer ser músico), a motivação pode
ser contra-produtiva para a criatividade. Mas se a motivação
é intrínseca (você obtém algum valor pessoal na tarefa em
si), provavelmente você vai "ficar criativo" na solução do
problema porque você se importa e, portanto, continua
tentando.
Para obter o máximo de uma equipe de criação, um líder
deve oferecer motivações intrínsecas para cada participante,
usando, por exemplo, incentivos individuais, que são
melhores do que incentivos de grupo; treinamento e plano
de carreira individuais, em vez de programas coletivos; e
brainstorming individual, além do brainstorming com toda a
equipe. A respeito desse último item, o brainstorming
individual, da próxima vez que vocês forem se reunir em
um laboratório de inovação ou em uma discussão de novas
idéias, peça a cada participante que fique por um tempo
sozinho, antes do encontro, trabalhando em idéias próprias.
Esse tempo pode se tornar o mais criativo de todos. Aí, peça
que eles tragam essas idéias para a reunião, compartilhando-
as com todos do grupo. É claro que você pode começar a
reunião com o usual "não existe tal coisa como idéia ruim"
ou "vamos deixar todo mundo falar". Mas nem sempre isso
funciona, porque o cinismo entra em cena, ou a curiosidade
é engavetada para dar lugar aos que têm mais poder político
ou uma voz mais alta.
Como já falamos, criatividade é uma forma inspirada de
viver a vida. E motivação importa. Para escapar das
simplificações abusivas de um assunto muito complexo, que
é o da motivação ocupacional de funcionários, prefiro fazer
referência aqui a um outro livro meu, o Hope: How
Triumphant Leaders Create the Future, em que exploro com
mais detalhes o papel dos sistemas de fé e crença em
lideranças e inovações. Agora, vamos para o segundo
precursor do insight criativo: os limites.

Resumo e exercícios criativos

• A curiosidade é a mãe da invenção. A observação pode ter
mais poder de gerar novas ideias do que o diálogo. No
contexto de um problema a ser resolvido, observe o que as
pessoas não conseguem fazer em vez de ouvir o que elas
dizem que querem.
• Sair na frente não é vantagem, isso é mito. Ser o primeiro
não é tão importante quanto ser relevante. Observe os
desbravadores para aprender com os erros deles. Use as
experiências, fraquezas e atalhos deles para iniciar sua
ideação de forma mais rápida.
• Recombinar idéias já existentes de forma inovadora pode
ser tão valioso quanto trazer algo completamente novo ao
mundo. Tente fazer relações novas entre idéias velhas.
• O brainstorming individual nem sempre é lembrado,
devido à fama do brainstorming em grupo, particularmente
em ambientes corporativos. Mas brainstorming em grupo
pode ficar só no que é consenso, e deixar de lado algumas
das melhores idéias. Antes de entrar em uma sessão de
brainstorming em grupo, fique um tempo sozinho
pensando, e encoraje os outros a fazer o mesmo. Escreva o
que pensou e depois compartilhe com os outros. Use o
diálogo subseqüente para aperfeiçoar as idéias, não para gerá-
las do zero.

De um óbvio ululante
Limites

Tirar leite de pedra. Esse ditado, para exprimir algo
impossível ou muito difícil, era o favorito de um professor
meu de direito. Lembrei do professor Teeven quando
descobri que, se não dá para tirar leite de uma pedra, água
você pode tirar. Se você nunca ouviu falar disso, é porque
você mora provavelmente em um lugar do mundo onde há
bastante água. No entanto, se vivesse no meio do deserto,
você teria de ser criativo ou morreria de sede.
Água de pedras pode não ser algo em que você pense com
freqüência, mas, em Israel, é assunto de qualquer rodinha de
bar. Como vamos ver neste capítulo, criatividade pode ser
questão de cursos (de água) tanto quanto de recursos
(mentais). A maneira como você percebe o ambiente onde
vive, trabalha ou se diverte é tão importante quanto a
realidade desse ambiente em si. Para servir de exemplo,
lembre da capacidade de Israel de tirar água de pedra.
Nenhum outro país do mundo tem tanto conhecimento
sobre a quantidade de água que possui quanto Israel: sabem
onde essa água está a qualquer época do ano, e como fazer
para obter mais. Nem há outro país tão empenhado em
gerenciar o consumo de sua água. Jardins só podem ser
regados à noite. Carros só podem ser lavados com água tirada
de uma pequena torneira, e não com uma mangueira aberta.
Vigilantes patrulham as vizinhanças para ajudar a garantir
que o comportamento adequado está sendo adotado. E
sempre que os reservatórios de água ficam baixos, os
israelenses são estimulados a repensar a maneira como
tomam banho. Técnicas para banhos mais, digamos,
eficientes foram anunciadas durante uma campanha
governamental, há alguns anos, e falavam para as pessoas
fecharem a torneira enquanto se ensaboavam. E você que
achava que pagar para estacionar na calçada em frente à sua
casa era um abuso de autoridade.
Como se fosse um transatlântico em meio a um oceano seco,
Israel tem todo seu sistema de água correndo em sistemas
fechados, com canos e canais planejados. Isso dá a esse
pequeno oásis no meio de um deserto o mais sofisticado e
complexo sistema de suprimento de água do mundo. O
sistema depende de um pequeno número de rios não
confiáveis, um lago de tamanho médio, chuvas intermiten-
tes, aqüíferos subterrâneos, poços, bombardeio artificial de
nuvens, reutilização de águas servidas, e até mesmo a
possibilidade de colher a água de uma ocasional enchente.
Hoje, o Sistema Nacional de Águas de Israel obtém a maior
parte de seus recursos de três fontes primárias: o lago
Kinneret, o aqüífero costeiro e o aqüífero da montanha
(Yarkon-Taninim). Mesmo assim, essa pequena nação mal
consegue o suficiente, e o sistema é desenhado a partir da
premissa de que cada gota conta, literalmente.
Israel obtém de 600 a 800 milhões de metros cúbicos de
água por ano com seu sistema sofisticado. No entanto, a
demanda atual, para necessidades como banho, água para
beber e cappuccino, alcança de 600 a 700 milhões de metros
cúbicos. Não estamos computando o gasto com a agricultura.
Para tornar tudo um pouco mais complicado, quando a Liga
das Nações estabeleceu a Possessão Britânica em 1919, o rio
Jordão e o lago Tiberíades ficaram com a Palestina.
Acrescente a essa realidade já difícil o fato de a mais
importante fonte de água de longo prazo (o aqüífero da
montanha) ficar bem no meio da linha de cessar-fogo pré-
1967 (a chamada "linha verde") e você começa a perceber
que o próximo conflito do Oriente Médio provavelmente
será a respeito de água, e não de petróleo. Aliás, de certo
modo já é. Água é um assunto central, como fica claro a
cada vez que as conversações de paz são ressuscitadas e
examinadas, mesmo que isso raramente chegue nas
manchetes de jornais dos Estados Unidos ou da Europa. O
mais inquietante é que Israel não está sozinho em sua busca
de como aplacar a sede. Por volta de 2025, 67% da
população mundial sofrerão com falta de água. E por volta de
2030, será necessário um aumento de 54% na produção
global de alimentos para atender ao crescimento
populacional. Saber como tirar água de pedra será um
conhecimento de muito valor nas próximas décadas. A água,
no fim, é a necessidade mais básica da humanidade:
podemos viver sem comida por semanas, mas apenas alguns
dias sem água.
Os engenheiros de água de Israel são os autores de um
milagre que começou em 1943. Grande parte dos avanços
técnicos dessa área — como dessalinização, descargas
econômicas de banheiro e irrigação por gotejamento — é
testemunho da inventividade dos israelenses (e da
humanidade). Na verdade, a empresa israelense Netafim,
que inventou a irrigação por gotejamento no final dos anos
1960, é hoje a maior empresa do mundo em irrigação de
baixo volume. Hoje, a Netafim oferece produtos inovadores,
como seus sensores sem fio, conectados digitalmente a
rádios, celulares ou internet, para que fazendeiros possam
ter informação contínua sobre níveis de água, umidade do
solo e condições do bombeamento. A Netafim até mesmo
gerencia uma universidade própria onde seus clientes
podem aprender sobre as melhores práticas em rotatividade
de plantio, relação água-vegetal, projeto e manutenção de
sistemas de irrigação por gotejamento.
No caso de ter de tirar água de pedra (ou sempre que haja
recursos limitados), a própria existência de limites é,
ironicamente, um dos grandes fatores a contribuir para o
insight criativo. Quando o beco é sem saída, de algum jeito
acaba aparecendo outro caminho. Ficamos criativos. Mas há
diferenças no ficar criativo. Por exemplo, no seu
gerenciamento de um recurso natural, a inventividade dos
israelenses se mostra diferente de uma inventividade mais
corriqueira. A vitória deles no gerenciamento da água pode
ser atribuída a uma perspectiva única que eles têm ao
resolver o problema. Essa perspectiva foi bem resumida, há
tempos atrás, por Aharon Wiener, então diretor-geral da
Tahal, instituição pioneira no planejamento,
desenvolvimento e gerenciamento de recursos hídricos,
funcionando desde os anos 1950. Segundo Wiener: "O
planejamento de água dos países emergentes, em sua
maioria, leva em conta um desenvolvimento a céu aberto e
um armazenamento no subsolo. Qualquer mistura entre uma
coisa e outra é considerada provocação com o único intuito
de confundir duas profissões muito claras e separadas, a do
engenheiro civil e a do engenheiro hidráulico". Ele acha que
essa divisão pode ser atribuída à maneira diferente que
pessoas diferentes têm de resolver problemas.
Wiener ressalta que água de superfície é visível, mensurável
e controlável: você pode ficar olhando ela fluir e construir
represas para ela. No subsolo, contudo, ela se torna invisível,
evasiva e só controlável indiretamente: você tem de
manipular esse recurso para conseguir saber sua fonte, seu
fluxo etc. Por exemplo, em meados da década 1950, o
planejamento de água de subsolo de Israel incluiu a
colocação de corantes para determinar qual água seguia por
onde. Falando curto e grosso, Wiener explica que o uso de
água de subsolo requer que se substitua "força bruta por
cérebro".
Mas é claro que, para conseguir o que os mágicos israelenses
conseguiram, você precisa ter cérebro e força bruta. Um
episódio que mostra bem a necessidade de ambas as coisas é
a história — que se tornou legendária nos círculos de
planejamento de água de Israel — sobre uma represa
construída em Ein Kerem. Logo após o fim da construção,
tempestades encheram a represa, mas, de repente, aquela
água toda desapareceu. Depois de uma pesquisa exaustiva,
descobriram que um grande sistema aqüífero ficava bem
embaixo do novo lago. Desde então, a represa mudou de
utilidade: serve para ampliar o armazenamento de subsolo.
Força bruta (a construção da represa) deu lugar ao cérebro (o
aproveitamento de um fenômeno natural para, mesmo
assim, ampliar o armazenamento de água).
Graças aos limites com que vivem, os israelenses
descobriram como conseguir o impossível, tirar água de
pedra. A curiosidade de fato é a mãe das invenções; mas
necessidade também é, e está freqüentemente presente nos
momentos anteriores a uma epifania. E, ufa, chegou a hora
de falar da "inspiração madrasta": o papel dos limites como
precursores de um insight criativo.
Em um mundo perfeito, teríamos acesso a recursos infinitos
para dar suporte a um infinito número de idéias. No mundo
real, temos um prazo de seis meses, nenhuma sobra
orçamentária. E depois, com sorte, duas semanas de férias.
Mas se recursos são limitados, o desejo é sempre infinito.
Criatividade é muito mais do que uma questão de recursos. É
uma questão de recursos mentais. "Faça acontecer" e
"descubra uma forma" são ordens freqüentes proferidas por
aqueles que são responsáveis por trazer inovação. Levar o
foco para os limites pode criar as condições ideais para uma
epifania.
Limites vêm em dois sabores: limites de comportamento e
de recursos. Limites de comportamento representam
obstáculos para um determinado comportamento desejado:
alguém tem problema com alguma coisa, em geral com o
status quo (por exemplo, apesar de muitos pais preferirem
não ter de interagir com fraldas sujas, eles interagem).
Limites de recursos representam fronteiras diárias na vida de
quem resolve problemas, como tempo, dinheiro, conhe-
cimento. Uma outra maneira de pensar sobre limites é essa:
limites de comportamento é o que acontece com os outros
(por exemplo, um cliente), limites de recursos é o que
acontece com você, se for você o encarregado de resolver
problemas, inovar, descobrir como fazer as coisas.
Apesar de parecer contraproducente, focalizar limites em
vez de ressaltar pontos positivos pode criar condições para
um insight criativo. Provavelmente você vai ver mais
sentido nisso ao adotar a lógica reversa. Recursos, por
exemplo. Quando não há limite de recursos (tempo,
dinheiro, mão-de-obra), a motivação para ser criativo se
perde em meio à abundância. Se podemos tudo, acabamos
com nada. Nossa inspiração para a criatividade fica
comprometida. Mas, quando a situação fica difícil, somos
forçados a nos arranjar com o que há, e é aí que tiramos água
de pedra. É nesse sentido que limites oferecem a
oportunidade perfeita para que a criatividade conceitual
floresça. Tem uma hora em que não há outro jeito senão
descobrir como fazer as coisas. Para que possamos pensar no
papel dos limites como precursores de epifanias, vamos
considerar tanto os limites comportamentais como os de
recursos. E vamos pensar como podemos usá-los para criar
condições de um insight criativo a partir da relação entre
criatividade e aquilo que é o terceiro recurso mais
importante do mundo (depois de água e comida): o tempo.
Sempre me perguntam, nesse contexto de criatividade
dentro de empresas: "Quanto tempo se deve gastar com a
descoberta de novas idéias, sua análise e conceitualização,
antes de decidir quais idéias implementar?". Claro que o que
eles de fato estão perguntando é: "Quando vou ver resultado
saindo daí?" Como sempre acontece com recursos, tempo
também é limitado. Alguns acham que menos tempo inspira
criatividade, outros acham que mais tempo é sempre
melhor. Em seu estudo sobre inventividade no local de tra-
balho, os pesquisadores de criatividade Teresa Amábile,
Constance N. Hadley e Steven J. Kramer chegaram a uma
resposta profunda: Ah, depende. A relação entre tempo e
criatividade de fato vai depender muito de três fatores
adicionais: ambiente, motivação e quem é o chefe. Algumas
pessoas são contemplativas, outras, impulsivas. Todas elas
podem ser criativas, mas a pressão do tempo afeta cada uma
de forma diferente: umas trabalham melhor sob pressão, e
outras precisam de mais tempo para pensar. Antes de
entrarmos nas descobertas de Amábile, Hadley e Kramer,
vamos voltar um instante aos métodos pouco convencionais
de Yoshio Nakamatsu.
NakaMats costuma produzir urgências temporais artificiais
ficando embaixo d'água. É a última etapa de seu processo
para obter momentos-eureca por encomenda. A primeira é
conseguir ficar bem calmo. Para isso, NakaMats entra em
um quarto criado por ele, chamado de "quarto parado". Todo
branco, só tem objetos naturais: um jardim de pedras
japonês, água corrente, plantas e uma rocha de cinco
toneladas que ele trouxe de Kyoto. A descrição física do
quarto pode levar você a pensar que NakaMats entra lá para
acalmar a mente. Justo o contrário. "Entro lá para fazer
associações livres. E a melhor coisa antes de meditar, antes
de focalizar a mente em alguma coisa. A mente vagueia para
onde ela quiser ir". Desse quarto, ele segue direto para o que
chama de "quarto dinâmico". Todo preto, tem paredes
listradas de preto e branco, móveis de couro e equipamento
audiovisual. No quarto dinâmico ele nem tenta ter idéias
precisas. Em vez disso, medita. E, finalmente, vai para o
terceiro e último quarto, o da piscina. Lá, ele dá o melhor de
si em pensamentos. Fica embaixo d'água e prende a
respiração até quase se afogar, que é o que ele faz para ter
inspiração. Para facilitar esse brainstorming, NakaMats
inventou um bloquinho de folhas de plástico onde registra
as idéias que surgem. Apesar de essas técnicas parecerem
meio radicais, sua filosofia e métodos pouco ortodoxos são
ilustrativos da relação entre pressão de tempo e criatividade.
Analisando mais de nove mil anotações feitas nas agendas de
177 funcionários de sete grandes empresas norte-
americanas, Amábile, Hadley e Kramer descobriram que a
pressão do tempo é eficiente só se a pessoa se sente em
"uma missão". Há três pré-requisitos para criar mentalidade
de "missão": a pessoa precisa ter licença para dirigir sua
atenção a uma única atividade, precisa acreditar que essa
atividade é importante e precisa trabalhar no processo todo
identificando o problema que depois vai tentar solucionar.
Sem uma mentalidade de missão, a pessoa se sente como se
estivesse em uma máquina de moer carne: se distrai, acha
que está sendo explorada, que seu trabalho é sem
importância, as reuniões, uma bobagem e que ela gasta a
maior parte do dia apagando incêndios em vez de se dedicar
à solução de um problema fundamental ou à descoberta de
uma solução inovadora. As descobertas de Amábile, Hadley
e Kramer mostram que a pressão de tempo, mesmo quando
é mais fraca, só funciona quando a pessoa se sente par-
ticipando de "uma aventura". Com pouca pressão, o foco do
trabalho fica mais na geração de idéias do que na solução de
problemas, e o esforço de equipe, colaborativo, tende a
ocorrer de pessoa a pessoa em vez de envolver grupos
maiores. Em resumo, aproveitar ou não o tempo vai
depender de para que você quer o tempo. Se você ou sua
equipe tem uma agenda bem determinada (por exemplo,
identificar como sua marca pode se expandir para categorias
adjacentes de produtos, ou como desenvolver novos
produtos para uma necessidade específica de um cliente),
uma previsão curta de tempo pode propiciar a criatividade.
Mas se você ou sua equipe tem uma agenda muito ampla
(por exemplo, criar um panorama futuro para o setor de fast-
food, ou apresentar a próxima geração da indústria de telefo-
nia móvel), permitir prazos maiores de análise e
conceitualização será provavelmente necessário se você
quiser idéias singulares e relevantes. E, é bom lembrar,
pairando acima de um e outro cenário haverá sempre limites
orçamentários.
A relação entre dinheiro e criatividade vai no sentido
contrário da intuição. Em um estudo publicado na Global
Innovation 1000, a empresa de consultoria em
gerenciamento Booz Allen Hamilton registra pouca ou
nenhuma relação entre o aumento nos gastos de P&TJ e
aumentos subseqüentes de vendas, lucros ou valor de ações
— independentemente de você considerar custos de P&TJ
um indicador importante ou não. Mesmo assim, os mil
maiores investidores em P & TJ despejaram cerca de US$ 400
bilhões na procura de grandes idéias. Se dinheiro não pode
comprar grandes idéias, o que será que pode?
A maneira como você define um problema ajuda não apenas
a achar a solução mais apropriada, como ajuda também a
achá-la de forma relativamente barata. As mais criativas
soluções do mundo empregaram dinheiro de forma mais
eficiente do que as outras. A Toyota, por exemplo, é o
quinto maior investidor em P&D do mundo, embora ocupe
o terceiro lugar em gastos gerais da indústria automobilística.
Veja o que a empresa conseguiu gastando menos do que sua
concorrência. Primeiro, ela tem o ciclo de desenvolvimento
mais curto da indústria, trazendo novos produtos para o
mercado muito mais rápido do que outras empresas.
Segundo, é líder mundial em tecnologia híbrida, já tendo
um pé bem plantado no futuro de combustíveis alternativos
e criando valor de marca, com "Toyota" sendo identificado
como um nome ligado à consciência ambiental e a processos
inovadores. Terceiro — e o mais importante para o pessoal
que fica contando tostões —, a Toyota Motor Company
mantém um valor de mercado que é maior do que o de seus
três concorrentes mais próximos somados (167 bilhões de
dólares versus 160 bilhões de dólares). Como eles fazem
para criar mais com menos? A resposta não está nos
produtos, mas em seus processos de insight criativo. Em
como a Toyota gerencia a solução de seus problemas.
A presença da criatividade na Toyota tem laços estreitos
com a história de seu fundador, Sakichi Toyoda, considerado
o pai da revolução industrial do Japão. Soube dessa história
por Masaaki Immai, o pai da fábrica "magra" japonesa, e
presidente do conselho do Instituto Kaizen. Ele participou,
sua vida inteira, do sucesso da Toyota Motor Company. A
história diz respeito a Sakichi Toyoda, e me foi contada em
um evento no qual Immai e eu íamos ser os principais
conferencistas. Immai falaria sobre kaizen, a filosofia de
melhora contínua. E eu, sobre inovação, a filosofia da
criação contínua. Immai e eu viemos de escolas diferentes
de pensamento. Mas, se variáveis desse tipo são a morte para
um controle de qualidade, são bem-vindas para a inovação.
Inovadores são fora-da-lei. E por uma dessas licenças
poéticas da vida, Immai e eu nos sentamos diretamente em
frente um do outro na mesa do café da manhã: ele
defendendo a melhoria, eu, a criatividade. Aqui entre nós,
você precisa encorajar ambas, criatividade e melhoria, se
quiser obter crescimento. Mesmo tendo vindo de mundos
diferentes em termos de cultura, geografia e filosofia, Immai
e eu dividíamos uma coisa em comum: ambos somos fãs
entusiásticos de grandes idéias e das pessoas que as têm.
Immai me disse que Toyoda mantinha um prédio com
trezentos cômodos. Em cada um deles havia pequenos
grupos de pessoas dedicadas a transformar as idéias dele em
realidade. Um dia, Toyoda sumiu e por três dias ninguém
conseguia achá-lo. Tinha se trancado em um dos cômodos
para trabalhar em suas idéias. Por setenta e duas horas,
praticamente não dormiu ou comeu — não porque não
houvesse comida ou cama, mas porque não conseguia
dormir e estava sem apetite. Suas idéias o tomavam todo,
como, aliás, grandes idéias costumam fazer. Por fim, Toyoda
abriu a porta e saiu correndo muito excitado, procurando
alguém para contar uma novidade. Mas os corredores
estavam todos vazios. Os trezentos cômodos estavam todos
vazios. Toyoda tinha esquecido que era l9 de janeiro.
Durante toda sua vida, Toyoda resolvia problemas sem parar.
Se houvesse um problema para resolver, o tempo não
significava mais nada para ele. E os problemas que apareciam
eram muitos. Fosse com o lançamento de novos produtos
(como um tear automático para a indústria têxtil) ou a
criação de novos processos (como o jidoka, um mecanismo
que faz máquinas pararem se ocorrer um problema, um
marco legendário do sistema de produção da Toyota). Com
isso, Toyoda construiu um império. Fundos suficientes para
abrir novas empresas eram um problema recorrente, mas ele
sempre encontrava um jeito de arranjar financiamento para
que seus sonhos se tornassem realidade. O que mantinha
Toyoda acordado de noite eram perguntas, cinco, para ser
específico — os cinco "por quês" — um método que ele
usava para transformar limites em plataforma de inovações.
O conceito de Sakichi Toyoda dos cinco "por ques" é
simples. Quando um problema é identificado, pergunte "por
que" cinco vezes para saber sua origem. A razão de repetir o
"por que" mais de uma vez (cinco, na verdade) é que só
assim você chega na causa-raiz do problema, em vez de ficar
lidando com algum sintoma passageiro associado a ele. Uma
vez descoberta a raiz, conserte. Para mostrar esse método de
Toyoda em ação, vamos considerar um de nossos mais
urgentes e dolorosos problemas, e como um empresário
britânico ajudou a resolvê-lo. O problema é a epidemia de
Aids na África. E a solução é um rádio manual. Quem juntou
essas duas coisas foi Trevor Baylis.
Trevor Baylis passou a maior parte de sua vida sendo duble
profissional. Seu ponto alto foi no papel de Ramsés II
durante palpitante fuga subaquática, em um circo em Berlim,
lá pelos anos 1970. Além do emprego, Baylis dedicava-se a
solucionar pequenos problemas domésticos de forma
criativa. Gostava de inventar coisas para, na falta de outro
motivo, tornar sua vida na Ilha Eel Pie, no meio do Tâmisa
(Inglaterra), um pouco mais divertida. Foi aí, em uma tarde
chuvosa do outono de 1991, que Baylis teve a maior idéia de
sua vida enquanto, veja você, "zapeava" na televisão.
Depois de enxugar uma garrafa de vinho tinto e folhear uns
livros, Baylis ligou a tevê, aceitando, dessa maneira, se
transformar em apenas mais um zumbi televisivo dos
programas da tarde. O que ele não podia imaginar é que os
próximos noventa minutos mudariam sua vida. "Vinha
aquela luz da tela e lá fiquei eu, vendo sei lá o que da
maneira mais idiota. Fiquei lá, estilo babando na gravata. Mas
de repente comecei a prestar atenção. Minha mente
começou a ficar à toda com o programa, rodando mais que
cata-vento em dia ventoso". O programa que absorvia Baylis
completamente era sobre a disseminação da Aids na África.
O narrador apresentava estatísticas dessa tragédia
contemporânea da humanidade: a Peste Negra do século
XIV matou 20 milhões de pessoas, ou seja, um quarto da po-
pulação européia, em apenas quatro anos; a gripe espanhola
de 1918-1919 matou outros 20 milhões. Tragédias de fato.
Mas hoje mais de 40 milhões de pessoas vivem com Aids,
20 milhões já morreram, e mais 3 milhões morrem a cada
ano, deixando outros milhões órfãos. Baylis diz:
O programa me acabrunhou. O controle remoto estava na
minha mão e eu poderia facilmente ter mudado para algo
menos doloroso. Mas continuei. O narrador me dizia que o
maior problema era levar as mensagens de educação
sanitária para a população. Mensagens radiofônicas sobre
sexo seguro estavam sendo prejudicadas por falta de
aparelhos receptores baratos. Em aldeias mais distantes não
havia eletricidade, e o custo das baterias era proibitivo — um
mês de salário para apenas um conjunto delas. Energia solar
não era a resposta porque, e a voz do narrador quase sumiu
de desânimo, as pessoas ouviam rádio ao chegar em casa
depois de trabalhar nos campos, quando já estava escuro. Eu
estava sentado lá, imaginando esse cenário sombrio quando,
de repente, minha mente levantou vôo. Vai ver o vinho
ajudou, mas subitamente percebi que a solução era de um
óbvio ululante.
Nessa hora, Baylis, como todo mundo que se encanta com o
desafio de resolver problemas, estava louco para transpor o
umbral de seu insight criativo. Com o problema claramente
definido na sua mente, ele fez o que os outros em geral
também fazem: caiu no sono.
Ver televisão me leva freqüentemente a um estado que é a
salvação do espectador elucidado: o sono. Às vezes acordo e
vejo Jeremy Paxman (um combativo jornalista inglês) sendo
mordaz com William Hague (um político conservador) e
fico me perguntando o que será que eles estão fazendo no
western de Clint Eastwood que eu estava vendo antes. Mas,
dessa vez, não parei de absorver a informação que vinha da
tela, embora, ao mesmo tempo, me visse transportado para o
deserto de algum lugar do Sudão. Eu sentia um calor de
rachar, moscas ameaçavam entrar no meu gim-tônica e meu
fiel seguidor, alguém de nome Hassan, estava ao lado para
atender aos meus mínimos desejos. Eu era um tipo de
manda-chuva, vestia um uniforme tropical e tramava, nas
fronteiras do Império, lances diplomáticos pouco reco-
mendáveis. Um funcionário público ao meu lado tomava seu
drinque e escutava com grande enlevo a voz de Enrico
Caruso que saía de um velho gramofone. Ele tinha a orelha
grudada naquela espécie de chifre que esses aparelhos
tinham.
E é esse o ponto, anterior à epifania propriamente dita, em
que vários precursores do insight criativo se juntam:
curiosidade a respeito do problema, limites (no caso de
Baylis, os limites dos que lutavam contra a epidemia de Aids
na África) e uma informação aparentemente aleatória (a da
televisão). Enquanto Baylis afundava na geléia geral
televisiva, sua curiosidade se misturou com um problema
não resolvido, fazendo uma espécie de mingau. Ele
continua:
Pensei no gramofone. Os dós sustenidos de Enrico Caruso
tremelicavam em meio ao calor graças à agulha do aparelho
que seguia padrões de uma ária musical incrustados em um
pedaço redondo de baquelita. A vibração da agulha nesses
sulcos produzia pequenos ruídos que eram amplificados pelo
chifre, o que resultava em todo aquele glorioso barulho
operístico. Tudo, na verdade, começando por uma mola
simples que movia a engrenagem que movia o prato que
movia o disco que passava pela agulha. E de repente tive
aquele clarão. Era tão óbvio que qualquer criança de seis
anos poderia ter pensado nele. Se um gramofone daquele
tamanho podia se pôr em movimento como se fosse um
relógio de corda, produzindo aquele barulho todo, por que
não aplicar o mesmo princípio para fazer um rádio falar?
Baylis diz que foi um "momento alka-seltzer" e não um
momento-eureca. "Aquele momento em que o alka-seltzer
afunda na água e começa a fazer ffff. Larguei a televisão
ligada, com o narrador ainda afogando espectadores em
ondas de estatísticas terrificantes e, apesar de ser bem tarde,
fui para a oficina. Uma boa idéia mexe com todas as
engrenagens de sua cabeça, você fica com medo de ir para a
cama: e se a engrenagem parar de repente? Acendi meu
cachimbo e dei uma pensada". Baylis atribui a seu cachimbo
a co-autoria de cada uma de suas mais de duzentas
invenções. Ele costuma dizer: "O cachimbo me ocupa as
mãos com algo que para machos é mais apropriado do que
tricotar".
Cachimbo na mão, Baylis começou a ciscar os muitos
"pedaços de inutilidade" que ficam em cima de sua bancada
de trabalho. Ele se refere a essas peças como sendo "um
exército derrotado de defuntos mecânicos, aguardando sua
hora de ressurreição". Acabou encontrando o que queria,
um velho rádio transistor. Depois de tirar suas velhas
baterias, passou para outra coisa, a canibalização do motor
elétrico de um aparelho de afinar guitarras. Pôs o motor
dentro do cadáver do rádio. Faltava algo: uma furadeira. Por
que uma furadeira? Um motor elétrico converte energia
elétrica em movimento rotativo. Se você reverter o processo
e fizer o motor funcionar ao contrário, ele se torna um
dínamo, produzindo energia elétrica. Com a furadeira presa
firmemente no motor, Baylis começou a girar a coisa, e de
repente aconteceu: "Ouvi uma espécie de latido vindo do
auto-falante... Alguém em algum lugar discutia a força da
libra inglesa em relação ao marco alemão. Nunca o jargão do
mercado financeiro me soou tão maravilhosamente
poético".
Funcionava. A grande idéia de Trevor Baylis — um aparelho
que pudesse pôr no ar um programa educacional para ajudar
a mitigar a disseminação de Aids na África — vinha ao
mundo na forma de um rádio capenga, que funcionava se
alguém desse corda nele, como um relógio. Muitos anos
depois, Matthew Bond, do Times, falando sobre a idéia de
Baylis, disse: "No papel, isso (um rádio que funciona por
corda) parece ser parente próximo de outros delírios, como
a lâmpada perene ou o motor de combustão a água. Mas, na
prática, não é que ele funciona?".
Momentos inspirados como o de Baylis, capazes de resultar
na invenção do rádio de corda, podem parecer aleatórios,
acidentais. Mas não é nada disso. A história de Baylis, como
a de muitos outros que experimentaram momentos-eureca,
inclui quase todos os precursores comuns de um insight
criativo: curiosidade, conhecimento específico, pensamento
lateral, exposição à informação aparentemente irrelevante, e
até mesmo o sono. Pense no que Baylis (ou, por falar nisso,
Arquimedes) sabia. Tinha conhecimento prático dos prin-
cípios de engenharia elétrica e mecânica. Tinha a mesma
curiosidade de Haüy para querer resolver um problema ou,
pelo menos, pensar a respeito dele. Lembre que ele escolheu
não mudar o canal "para algo menos doloroso". Mas não
foram apenas curiosidade e conhecimento que inspiraram
seu insight criativo. Além disso, havia também tudo o que
não era possível fazer, os limites da vida dos que estão nas
regiões da África mais vulneráveis à Aids. Eles não têm
dinheiro, infra-estrutura e outros recursos que os
possibilitem obter acesso a programas educacionais, mesmo
quando tudo isso está presente a poucos quilômetros deles.
Baylis chegou à sua grande idéia usando, sem o saber e de
forma natural, os cinco "por ques" de Toyoda. Há gente para
quem esse método de pensar é algo natural. Mas, se não for
o seu caso, lembre que você poderá reproduzi-lo de forma
relativamente fácil. Afinal, tudo o que você precisa é repetir
"por que" cinco vezes.
Pense em como os cinco "por ques" se posicionam no caso
de Baylis:

Pergunta 1: Por que a Aids é epidêmica na África? Uma das
razões é a dificuldade em transmitir informações.
Pergunta 2: Por que é difícil transmitir informação? Porque
nem todos os africanos têm acesso a rádios e televisões que
funcionem.
Pergunta 3: Por que eles não têm acesso a rádios e
televisões?
Porque não têm energia disponível para fazê-los funcionar.
Pergunta 4: Por que eles não têm energia para fazê-los
funcionar? Em algumas áreas não há rede elétrica.
Pergunta 5 (que é a pergunta inovadora): Por que um rádio
precisa da rede elétrica? A solução então aparece: o rádio de
Trevor Baylis, capaz de usar energia humana.

Lançado em 1995, o premiado rádio de corda de Trevor
Baylis vende uma média de 120.000 unidades a cada mês no
mundo todo. Baylis, que agora se dedica só a suas invenções,
recebeu o título de Oficial do Império Britânico, uma
Ordem de Cavalaria estabelecida por Jorge V em 1917.
Também ganhou as medalhas Presidential de ouro e de
prata, do Institution of Mechanical Engineers, e é freqüen-
temente convidado para o cargo de professor-visitante em
várias universidades britânicas.
Assim como a Toyota Motor Company, Trevor Baylis
também não conta com o maior orçamento do mundo em
P&TJ. Na verdade, não chega nem perto dos mil maiores
investidores em P&D. Mas descobriu como resolver um
problema sério ao estimular sua curiosidade sobre o assunto;
ao reconhecer os limites dos que precisavam da solução; ao
permitir que sua mente "pensasse sem pensar"; e ao se
perguntar as perguntas mais importantes, os cinco "por
quês". A definição de criatividade segundo Baylis é: "Se você
tem uma percepção um pouco superior à de uma fatia de pão
de forma, você é capaz de inventar alguma coisa". Só queria
acrescentar o seguinte, na verdade, um sexto "por quê".
Depois de chegar a uma solução que parece apropriada,
pergunte a você mesmo: Por que não?
Como já aprendemos aqui, não dá para comprar insights
criativos. Mas sua capacidade de identificar e definir
problemas é o mais significativo precursor deles. Assim, se
você tiver poder de decisão sobre a verba de P & D, dedique
pelo menos 10% dela ao desenvolvimento de habilidades
para solucionar problemas de forma criativa. Por que 10%?
Por que não?
Sugiro que a melhor maneira de começar a pensar sobre
limites é rever sua definição da palavra problema. No
dicionário, as definições de problema são três: "um estado de
dificuldade que precisa ser resolvido"; "uma fonte de
dificuldade"; e "uma pergunta levantada para debate ou
solução". Ver problemas não como fonte de dificuldade, mas
como perguntas, pode produzir um efeito profundo na sua
capacidade de criar — como foi o caso de Baylis e seu rádio
e de Toyoda e seu sistema de produção. Outra definição, essa
um pouco mais psicologista, pode ser: um problema é
quando você se encontra em uma situação diferente daquela
que gostaria de estar. Você não sai do segundo lugar nos
torneios de seu esporte preferido, você perdeu mercado para
um novo concorrente, você não consegue queimar aqueles
cinco quilos a mais.
Não importa qual a situação, reconhecer que há um
problema a resolver em geral é fruto de uma dessas três
sensações: desconforto, frustração ou curiosidade. Nessas
horas, preste atenção em como você se sente e tente os
cinco "por ques" para conseguir definir melhor a fonte do
seu mal-estar. Aqui vai um exemplo:

Pergunta 1: Por que não consigo perder esses cinco quilos?
Porque almoço fora todos os dias.
Pergunta 2: Por que almoço fora todos os dias? Porque não
tenho tempo de fazer e embrulhar meu almoço em casa.
Pergunta 3: Por que não tenho tempo de fazer e embrulhar
meu almoço em casa? Porque teria de levantar muito cedo
para isso.
Pergunta 4: Por que tenho de fazer e embrulhar o almoço
cedo de manhã? Porque a comida não ficaria fresca se eu a
fizesse durante o fim de semana.
Pergunta 5: Por que não ficaria fresca? Porque não há
pacotinhos individuais de comida fresca pré-preparada para
eu comprar. Ahá! Uma grande idéia nasceu.

Como o exemplo sugere, perguntar "por que" apenas uma
vez faz aparecer nada mais do que sintomas. Por exemplo, se
você fosse se ater a uma idéia que permitisse às pessoas levar
almoço para o trabalho, provavelmente acabaria por
reinventar a marmita. Ao dirigir sua atenção para a resposta
da quinta pergunta, você poderá lançar um produto que
resolve uma demanda não atendida. Quer dizer, solucionar
sintomas é o mesmo que tratar pneumonia com lenço de
papel. Vá para a causa-raiz. É das causas-raiz que nascem as
grandes idéias. Não interrompa os "por quês".
Além dos problemas que causamos a nós mesmos, há
também os que nos são passados por outras pessoas. Coisas
que você desconhecia completamente até a hora em que
alguém chega e pede que você solucione. Por exemplo, as
vendas estão diminuindo à razão de 5% ao ano, resolva isso.
A diferença entre um problema que é passado para você e
um que você tem de resolver por causa de você mesmo está
nas perguntas a serem feitas. Quando alguém passa um pro-
blema, você precisa perguntar "por que" cinco vezes para
chegar na causa-raiz. E depois disso você ainda precisa
perguntar: Como as coisas estão neste momento? Qual é a
meta prevista (ou seja, o que seria aceito como solução)?
Que recursos terei? O que está atrapalhando soluções? Pode
ser que alguém já saiba tudo isso. Pode ser que o problema
tenha sido identificado pelo seu chefe ou por um cliente. Ou
pode ser que você tenha de identificar o problema e depois
convencer os outros de que há um problema, e que você
deveria ter permissão para tentar resolvê-lo. Mas, mesmo
quando dão uma definição a você, você tem a oportunidade
de criar sua própria definição a partir das informações
disponíveis. E boa parte da maneira como você definirá o
problema está baseada em processos dos quais você não tem
consciência, ou tem muito pouca.
Uma das características mais importantes dos problemas é a
ambigüidade. Ao ser anunciado, ele já pode vir ambíguo, e
as pessoas, por causa disso, passarão a discordar sobre qual é
o ponto exato que precisa ser resolvido. Ou pode nem ficar
muito claro que exista um problema de todo. Para perceber a
ambigüidade inerente à solução de um problema, veja a
frase: João está no banco. A frase é ambígua porque tem
mais de um sentido. A palavra banco pode se referir a uma
instituição financeira ou a um banquinho de onde se
descortina uma bela vista. Como o sentido referente à
instituição financeira é o primeiro que vem à cabeça, você
provavelmente vai interpretar a frase como João tendo ido a
uma instituição financeira. Você então — de forma
subconsciente e imediata — passará a pensar em coisas
associadas a esse cenário: caixa, cheques, empréstimos,
conta corrente etc. No entanto, se "João está no banco" tiver
como seguimento outra frase do tipo "E ele pode tropeçar e
cair dentro do lago", você provavelmente ficará confuso por
um momento. Seu cérebro tentará entender: "Lago? O que
um lago tem a ver com um banco?" Normalmente as frases
são construídas de modo a diminuir a ambigüidade das
palavras, mas, neste exemplo, a informação que diminuiria
tal ambigüidade só aparece bem depois da palavra responsá-
vel (banco), e durante um tempo ambas as interpretações
seriam aceitáveis. Só depois de ler uma segunda frase você
vai notar que tem algo errado — caso você tenha de fato
escolhido a interpretação de instituição financeira. Mesmo
estando surpreso com lago, e mesmo pensando: "Lago?! Que
lago?!", na verdade, seu cérebro já estará considerando a
possibilidade de um banquinho à beira da água — embora
você não esteja consciente disso.
Quase sempre nós resolvemos ambigüidades de maneira tão
automática que nem mesmo percebemos que elas estão lá.
(A maioria das pessoas nem sequer nota quanto as palavras
podem ser ambíguas. Resolvemos essas dúvidas com tanta
agilidade que nem percebemos o que estamos fazendo. É
muito rápido.) Manter a consciência sobre a existência, ou
potencial existência, de ambigüidades, ou segundo sentido,
faz com que soluções criativas se tornem mais presentes em
nossa mente. A solução criativa, ou seja, o momento-eureca,
vem quando a ambigüidade é reconhecida (muitas vezes
inconscientemente) e solucionada de um jeito inesperado.
Por que estar consciente de ambigüidades pode ser
importante para a criatividade? Porque o modo usado pela
mente para processar informação determina estratégias de
solução. Aliás, estratégias que você vai empregar para fazer
qualquer coisa.
Você vai entender melhor quando souber dos processos
básicos de toda cognição. São eles: processos de
memorização, processos de percepção e processos de foco
de atenção. Já discutimos o papel da memória no começo do
livro, quando vimos os estudos do sono. Vamos para
percepção e atenção.
Percepção envolve produzir sentido a partir do que
captamos pelos sentidos. Mas ocorre que a mesma
experiência sensorial pode ser percebida de várias maneiras
diferentes. Não apenas pessoas diferentes percebem a
mesma coisa de forma diferente, mas a mesma pessoa pode
perceber a mesma coisa de forma diferente, dependendo do
momento. Por exemplo, para usar uma imagem clássica em
testes de percepção, o que você vê na Figura 7.1? Um vaso
branco ou duas caras de perfil? Não importa a resposta. No
final, você verá ambas, e então sua mente ficará indo e
vindo de uma para outra incontrolavelmente. Na verdade,
agora que você achou ambas as imagens na mesma figura,
fixe a vista por trinta segundos tentando ver apenas uma das
duas imagens, em vez de ambas. Conseguiu? Se você for
como a maioria das pessoas, mesmo tendo sido bem deter-
minado na escolha de apenas uma das imagens, sua mente
deve ter escorregado e visto a outra de tempos em tempos.
É praticamente impossível manter a atenção em uma das
duas interpretações depois de ter consciência de ambas. E
vice-versa ao contrário. Antes de reconhecer a segunda
alternativa, é difícil encontrá-la porque você focaliza
insistentemente a que você viu primeiro.
Imagine o impacto disso na criatividade e inovação. Uma
vez tendo uma solução identificada e reconhecida, você se
fixa nela e não consegue ver outras soluções possíveis. Esse
é um fenômeno bem humano, e acontece muito além de
seu controle consciente. Mas, uma vez enxergando
alternativas, é quase impossível não levar em conta essas
outras possibilidades. É algo diretamente relacionado a
momentos-eureca, pois justamente o que você não está
vendo pode ser o mais importante e, ao contrário, uma vez
vendo o que você não está vendo, a solução ou grande idéia
passa a ser de uma obviedade ululante.
Vamos explorar esse tópico em detalhes no Capítulo 9,
quando falarmos do questionamento de convenções.
Enquanto isso, faça um exercício de reproduzir essa situação
de forma deliberada, a partir de um foco em lugares-
comuns. Comece se perguntando quais são as verdades
consagradas a respeito da sua linha de negócios, produto ou
serviço, e transforme cada verdade dessas em uma
plataforma para a inspiração criativa. Comece perguntando:
"E se tal coisa fosse verdade? Como isso mudaria a maneira
como resolvemos problemas (ou criamos novas idéias)?".
Por exemplo, imagine que você trabalhe na área de
computadores pessoais, digamos, na categoria laptop. O
primeiro passo seria listar os lugares-comuns (ou verdades
consagradas) referentes a laptops: você precisa de teclados
para usá-los; a tela tem de ser do tipo tampa; precisa de
baterias; o software é pré-instalado; você precisa dar boot
neles; são caros; são feitos para durar apenas uns poucos
anos. Depois de completar a lista de lugares-comuns,
comece a perguntar: "E se pudéssemos mudar cada uma
dessas verdades consagradas de alguma forma? Será que é
possível?". Por exemplo: E se laptops não tivessem teclados?
Como poderíamos dar ordens a eles de outra maneira? E se
laptops tivessem umas sete telas em vez de uma só? Que
benefícios isso traria ao usuário? E se laptops não
precisassem de baterias? Como poderíamos fazê-los
funcionar? E se laptops não precisassem de software para
entrar em operação? Como isso mudaria a relação entre as
empresas de software e as de hardware? E se os laptops
fizessem o boot como se fossem lâmpadas sendo ligadas (em
vez de termos de esperar por eles)? E se as pessoas
recebessem um dinheiro para usar laptops em vez de ter de
comprá-los? Como isso afetaria suas características? E se
laptops fossem descartáveis? Como isso afetaria a maneira de
eles serem usados?
Cada uma dessas perguntas vai produzir uma grande
variedade de idéias, desde as que beiram o lunático às
extremamente práticas. Olhe com atenção. Questione a
maneira como o ambiente à sua volta foi projetado. Como
um de meus alunos, Jack Sheu, observou: "Tudo no mundo
tem um projeto", a cadeira onde você está sentado, o livro
em suas mãos, a vitrine das lojas, escolas, museus, produtos,
serviços e relacionamentos. Tildo é projetado com base em
crenças, verdades dominantes. Por que as portas são
retangulares? Por que os carros têm quatro rodas? Ao
identificar, definir e questionar essas crenças (verdades),
você estará apto a criar as condições para o aparecimento de
um momento-eureca mais condizente com a sua vontade.
Como discutiremos no Capítulo 9, a respeito das
convenções, esse fenômeno das verdades que orientam
projetos foi o que ajudou e prejudicou, ao mesmo tempo, os
engenheiros da Sony na invenção do CD. Primeiro, eles não
enxergaram a oportunidade, a coisa não fazia sentido algum
para eles. Mas depois que eles receberam uma dica de (logo
de quem!) um concorrente (a Philips), a idéia se tornou de
um óbvio ululante.
Agora que você já dominou a questão do vaso e das duas
caras, tente um outro exercício de percepção. O que você vê
na imagem da Figura 7.2.? Você vê a cara de uma pessoa ou
algo mais? E agora, na Figura 7.3.?


Figura 7.2. É uma questão de percepção


Como o vaso e as duas caras, e independentemente do que
você viu primeiro (a cara ou a palavra liar — mentiroso),
você agora provavelmente está vendo ambas, fazendo com
que seja praticamente impossível manter sua atenção em
uma única interpretação. No entanto, na ausência de uma
alternativa conhecida, há um momento em que sua
percepção se torna fixa: você não é capaz de ver soluções
alternativas simplesmente por causa da maneira como você
considera a questão. Isso ocorre durante os nanossegundos
que se passam logo antes de você de fato ler a palavra liar na
segunda representação da face. Na verdade, tudo acontece
tão rápido que você provavelmente não seria capaz de
reconhecer de todo o que se passa. É exatamente por isso
que os momentos-eureca parecem ocorrer em uma explosão
súbita de insight. Não há muita coisa separando o "descobri"
e o "estou completamente perdido". Mas mudar a
perspectiva, seja mental ou física, pode mudar a
interpretação do problema.
O que também é revelador a respeito dessa segunda
ilustração é que, por causa da sua experiência com a
ilustração anterior do vaso e das duas caras, você
provavelmente estava mais apto a descobrir as suas duas
opções (a cara e a palavra liar) só porque você sabia que
devia procurar soluções alternativas. Isso é uma prova de
que você pode aprender a ser mais criativo em suas
habilidades de solucionar problemas. É só tentar. Em outras
palavras, uma vez estando ciente de que havia um truque a
ser descoberto, você passou à saber como olhar para o
problema de maneiras diferentes e, assim, você efetiva-
mente se tornou mais apto com o segundo quebra-cabeças
da cara e da palavra. Essa capacidade de ver várias soluções
para um problema é uma habilidade aprendida. Apenas
acontece de ela também poder acontecer de forma natural (e
inconsciente). Ao tornar o inconsciente consciente, você
pode acrescentar lógica a suas buscas criativas.
Quando se trata de resolver problemas, temos a tendência de
oferecer soluções que se encaixem no problema da maneira
como o vemos, ou então obedecendo a regras já
estabelecidas. Por exemplo, no caso de Trevor Baylis, você
pode estar se perguntando por que nenhuma empresa de
produtos eletrônicos lançou um rádio de corda antes que um
dublê vivendo em uma ilha no meio de um rio no interior
da Inglaterra tivesse a idéia. Na verdade, não só as empresas
de produtos eletrônicos não conseguiram ver a
oportunidade, como também se recusaram a receber a
pessoa que viu. Baylis tentou obter a atenção deles por várias
vezes. As pessoas contatadas provavelmente perderam a
oportunidade por causa da maneira como elas viam o
problema. É um caso típico em que você não deve acreditar
em tudo que escuta. Por exemplo, se você acreditasse no
narrador da BBC que explicava que o problema da epidemia
de Aids na África se devia à falta de eletricidade, então todas
as soluções que você consideraria possíveis o levariam para a
criação e instalação de uma rede elétrica cobrindo esse
continente. E você seria derrotado pela necessidade de criar
uma infra-estrutura de cabos naquela enorme região, ao
custo de bilhões de dólares! E aí, não só você iria desistir
dessa idéia como nem sequer tentaria, para solucionar o
problema, ir além desses números relativos ao custo de
eletrificar áreas isoladas como as africanas. Mas se, ao
contrário, você percebesse o problema da maneira como
Baylis percebeu (graças aos cinco "por ques"), você teria
chegado a uma solução inteiramente diferente: você não
precisa de uma rede elétrica para ter energia, você só precisa
da energia.
Assim, a percepção afeta o que está sendo visto, e sua
solução possível — ou que achamos que é possível. Quem
não consegue resolver problemas ou criar novas idéias, em
geral, está preso à sua maneira de perceber e definir
problemas. Pode não ter feito o número suficiente de "por
ques" e parado antes de chegar na causa-raiz. Acaba
consertando apenas um sintoma. Mas quando você
consegue ver o problema de uma ou mais formas
alternativas, ou mais profundamente, será praticamente
impossível para você não ver todas as suas opções juntas.
Esse é o argumento usado a favor dos que promovem
viagens e estudos de imersão. Depois que você viveu por um
tempo sendo outra pessoa, de outra cor de pele, outro país
ou outra origem socioeconómica, será praticamente
impossível que você não leve em consideração a perspectiva
desse "outro", do mesmo jeito que é praticamente
impossível não ver ao mesmo tempo o vaso e as duas caras.
Ampliar a percepção torna a grande idéia um óbvio ululante.
Há duas maneiras de se desviar de limites: mudar a forma de
resolver o problema ou mudar a forma de ver o problema.
Como percepção é algo que gasta muito pouco em matéria
de recursos adicionais (só gasta a vontade de perceber as
coisas de forma diferente), recomendo primeiro que você
tente mudar a maneira de ver o problema. Às vezes, tudo se
resume a uma questão de semântica. Para ilustrar esse ponto,
examinemos a clareza lingüística de meu filho de 3 anos,
Charlie, que um dia me convenceu a deixá-lo comer um
saco inteiro de biscoitos doces no café da manhã,
simplesmente reposicionando como ele (e eu) tínhamos
escolhido ver a questão.
"Papai?", disse ele, enquanto apontava os dedos grudentos
para um saco já pela metade de Oreos, "Posso comer os
bolinhos?"
"Não, Charlie", respondi. "Não comemos doces no café da
manhã".
"Mas, papai, por favor, por favor", ele insistiu enquanto
agarrava minha camisa. "Posso comer o bolinho?"
"O que o papai acabou de dizer?", respondi com um tom
paternalista bem clichê. Esperto o suficiente para não
responder à minha pergunta, ele voltou à carga com uma
declaração dita com a autoconfiança e a pose de um
Winston Churchill: "Mamãe disse que eu podia comer
bolinho".
Já tendo ouvido essa declaração muitas vezes, chutei de
volta com uma lógica que julgava infalível: "É mesmo? Está
bem. Então vá chamá-la e vamos ver o que ela diz". Depois,
acrescentei: "E papai diz que não pode comer bolinhos no
café da manhã". Reconhecendo a pedra que havia em seu
caminho, Charlie se retirou, indo brincar por alguns
minutos, enquanto refletia. Em seguida voltou com um
segundo plano de ataque, um que eu não estava preparado
para enfrentar.
"Papai?", disse ele apontando para os Oreos com olhos
pedintes de cachorrinho. "Mas isso não é bem bolinho".
Um pouco confuso e cheio de suspeitas, olhei para ele, para
o saco de Oreos e para ele outra vez, e então respondi,
hesitando um pouco: "É sim, Charlie".
"Não, não é", ele insistiu.
"É bolinho sim, Charlie", retruquei.
"Não, papai", ele tornou a falar, "isso não é bolinho".
Sem ter a menor idéia do que ele estava pretendendo,
sucumbi e respondi concordando. "Está bem, Charlie. Tem
razão. Isso não é exatamente bolinho".
E aí a genialidade de 3 anos surgiu. Sabendo que se fosse
outra coisa ele poderia comer, Charlie respondeu, acabando
o assunto:
"Se não são bolinhos, então vou comer".
Não sei de onde ele tirou a idéia. Se um menino de 3 anos
pode mudar sua percepção das coisas, você também pode. A
pergunta é: como fazer isso?
No ramo das inovações, raramente a percepção muda apenas
com um diálogo. As pessoas acreditam nas experiências que
têm, não necessariamente no que vêem ou escutam. Assim,
o nosso foco não é no que as pessoas querem, e sim no que
elas não podem fazer, nos limites. Limites são o alimento a
impulsionar grandes idéias para resolver os problemas. Para
gerenciar nossa percepção dos limites, além de questionar
verdades consagradas, temos duas outras táticas adicionais:
passar a chamar desvantagens de vantagens, e a observação.
Considerar desvantagens como vantagens é ver limites
como patrimônio. É o correspondente à prata da casa em
matéria de inovação. Por exemplo, digamos que você
trabalhe em uma equipe responsável pela criação de uma
nova categoria de produto ou serviço. Essa nova categoria
pode potencialmente modificar todo seu setor industrial e o
papel da sua empresa dentro dele. Você e seus colegas estão
animados com a oportunidade, mas é uma tarefa hercúlea,
pelo seguinte: seu orçamento é pequeno e você tem pouco
acesso a recursos, em comparação a outras unidades da
empresa com função mais estabelecida; o apoio da diretoria
é mais para o morno; e há pouca pesquisa a respeito da nova
categoria, pois ela é muito recente. Apesar de haver grande
interesse no projeto, já que o potencial é alto, o moral da
turma é baixo, por causa da realidade objetiva com que as
inovações empresariais costumam se defrontar.
Então, fazer o quê? Comece renomeando as coisas negativas
(limites) como positivas (patrimônio). Primeiro, o
orçamento pequeno também quer dizer que você não
precisa passar pelos tradicionais — e caros — exercícios de
marketing de grupos focais, pesquisas quantitativas e estudos
conjuntos. Aliás, de qualquer modo, a maioria desses
métodos não se aplicaria a pesquisas inovadoras, de modo
que você pode se considerar um sortudo desde já. Além
disso, você terá a vantagem de não ter outro jeito senão
descobrir a eficácia de suas idéias de um modo inovador. Em
segundo lugar, você tem pouco apoio da direção. Mas o lado
bom de uma chefia pouco ligada é que você provavelmente
não terá muita gente olhando por cima do seu ombro e
avaliando cada pequena decisão que sua equipe tomar. O que
quer dizer que você terá liberdade, um precursor crítico de
insights criativos e inovações. E, terceiro, já que há pouca
pesquisa na categoria a que você se dedica (previsões de
mercado, concorrência etc.), você viverá o luxo de defini-la
do jeito que bem entender.
Por exemplo, como bem observou Tom Stat, da IDEO, em
vez de definir-se em relação às mensurações convencionais,
o Porsche criou novos parâmetros e metas e, depois, tratou
de corresponder às definições auto-impostas (reação do
carro aos comandos do motorista, ou seja, com que precisão
a máquina faz o que lhe pedem). Enquanto isso, o resto da
indústria continuava a ser avaliada nas questões tradicionais
como: em quantos segundos o carro vai de 0 até 80
km/hora, agilidade nas curvas, consumo de gasolina etc. Ao
criar seu próprio parâmetro, o Porsche criou um novo
espaço na mente dos motoristas, e é nesse espaço que ele é
julgado. É o que aconteceu também com a American
Express, que criou um novo espaço na mente dos portadores
de cartão de crédito, com a frase "Membro desde"...
Realmente é importante saber há quanto tempo você é um
fiel pagador de um cartão de crédito? Provavelmente não,
mas funciona. Tanto o Porsche quanto a American Express
se beneficiaram de um luxo que só está disponível aos
inovadores: definir o jogo antes de começar a jogar. Em cada
um dos casos, renomear desvantagens como vantagens teve
um papel importante na procura de suas grandes idéias.
Forçar uma equipe a olhar as coisas pelo lado bom não só é
útil para levantar o moral, mas também estimula novas
maneiras de resolver problemas.
A segunda tática inovadora que usamos para gerenciar a
percepção é a observação. Se você precisa de mais
explicações do que o meu filho de 3 anos, vamos lá. Pense
no caso da Shimano, a potente indústria de 1,4 bilhão de
dólares que fabrica componentes de bicicleta. Se você está
pensando que há uma diferença significativa entre uma
criança de 3 anos que quer biscoito e uma empresa de um
bilhão de dólares que quer um novo cliente, está enganado.
Recursos são sempre finitos e o desejo, sempre infinito, e é a
criatividade que une os dois.
A Shimano é uma indústria do Japão que faz componentes
de bicicletas de alto desempenho. É a maior culpada pela
existência desses obcecados que só pensam em bicicleta no
mundo todo. Seus produtos incluem todas aquelas peças
sujas de graxa que fazem o esporte ser divertido: cubos,
manivelas, câmbios. A Shimano tem um nicho invejável.
Mas há poucos anos detectou uma tendência inquietante no
seu horizonte: havia cada vez mais pessoas que não se
interessavam por bicicletas. Nos Estados Unidos, esportistas
entusiastas mais do que triplicaram na última década
(influência sem dúvida de Lance Armstrong), mas o número
de ciclistas amadores caiu em 50 %. A tendência é tanto
mais importante quando se considera que em 1970 mais de
50% das crianças iam de bicicleta para a escola, e hoje elas
são apenas 13%.
À primeira vista, você poderia pensar que a Shimano não
deveria se preocupar tanto com essa queda percentual nos
ciclistas ocasionais, porque ela construiu seus negócios
baseada nos entusiastas do ciclismo — aqueles que não
perdem um Tour de France e que usam aquelas roupas
engraçadas. Mas, para poder crescer, ela teria de ser cega
para não levar em consideração os 160 milhões de ame-
ricanos que não têm bicicleta, contra os 25 milhões que
têm. O problema aqui é como fazer um não-ciclista virar
ciclista.
Tanto faz qual é o seu ramo de negócio, a única maneira de
fazer um não-cliente virar cliente é dar início a um novo
diálogo.
Para fazer isso — e indo contra a recomendação de alguns
estrategistas de marketing — Shimano tentou entender uma
coisa. Não o que os clientes de seus clientes (as pessoas reais
que andavam em modelos Trek, Raleigh, Giant) desejavam,
mas, pelo contrário, o que os não-clientes de seus clientes
desejavam. Ou seja, o que interessava aos não-ciclistas. Se
você é fornecedor de alguma indústria (produz algum
componente, ingrediente ou peça de reposição), isso é um
grande desafio, principalmente porque você não tem,
tipicamente, contato diário com o consumidor final — no
caso, com os ciclistas. Seus clientes são os fabricantes dos
equipamentos finais, de marca, os industriais que fazem e
vendem bicicletas. Assim, a única maneira da Shimano
resolver seu quebra-cabeça era descobrir por que os não-
ciclistas não estavam querendo bicicletas. Tinha de entender
por que as pessoas preferiam não andar de bicicleta, para
começo de conversa. (Note que estamos de volta à análise
de causa-raíz, com os cinco "por ques" do Toyoda.)
A missão da Shimano era clara. Para resolver o enigma,
precisava mudar sua percepção. Segundo Shannon Bryant,
gerente de projeto da Shimano American, a percepção
inicial da equipe desse projeto era que as pessoas andavam
menos de bicicleta porque estavam mais preguiçosas e
gordas. Mas essa era apenas uma forma de perceber o
problema (algo como ver só o vaso e não as duas caras).
Acabaram descobrindo algo completamente diferente. Ao
visitar a casa de mais de cinqüenta não-ciclistas, e ao falar
com essas pessoas sobre coisas gerais, incluindo memórias
de infância e a opinião delas sobre lazer, a Shimano, junto
com seus parceiros de desenho de produto da IDEO,
obtiveram uma nova perspectiva. É Bryant quem conta: "Foi
um desses momentos-eureca... nunca tínhamos pensado
nisso".
A tal coisa que Bryant nunca tinha pensado era a percepção
que os não-ciclistas tinham da bicicleta. Não se tratava de
preguiça. Era uma questão de memória. Não era porque eles
não gostavam de andar de bicicleta. Na verdade, adoravam.
Falaram com muito gosto do prazer simples de uma boa
pedalada. O que a equipe da Shimano de repente percebeu é
que os não-ciclistas tinham saudade da infância. Eles
queriam poder reviver suas memórias de infância ao tornar a
andar de bicicleta — e essa não era a percepção da indústria
sobre o que era ser um ciclista nos dias de hoje. Aqui estava
o problema: em uma década, toda a indústria de ciclismo
tinha evoluído na direção contrária ao que a maioria dos
não-ciclistas queria. A indústria tinha se tornado um negócio
dirigido a pessoas que raspavam a perna, eram obcecadas por
componentes, cheiravam a graxa e se entendiam bem com
lojistas de olhar superior e crítico, cheios de certezas
absolutas e que ostentavam, eles também, batatas da perna
malhadas. Lojistas de bicicleta mais intimidantes do que os
da Tiffany & Co., levitando sobre o solo como se fossem
membros da realeza. Um consultório de dentista pode
parecer mais acolhedor do que isso.
E em relação às bicicletas em si, elas tinham se tornado umas
máquinas esquisitas de carbono puro, a cinco mil dólares
cada uma, parecendo pertencer mais a algum cenário de
filme de James Bond do que às calçadas dos bairros norte-
americanos. E um novo dialeto também havia nascido.
Efeito ioiô não é coisa que um ciclista eventual saiba o que
seja, e muito menos tenha vontade de fazer (Efeito ioiô é
não conseguir se manter na mesma posição em meio a um
grupo de ciclistas, precisando acelerar e frear sem parar.)
Ironicamente, o que os não-ciclistas vêm fazendo o tempo
todo é acelerar e frear a indústria. Mas eis o ponto: os não-
ciclistas não estavam tentando acompanhar a indústria,
estavam tentando acompanhar suas memórias de infância.
David Webster, o gerente de projeto da IDEO que trabalhou
com a Shimano na solução do problema, lembra: "Esse foi o
principal insight, porque ia contra tudo que sabíamos da
indústria do ciclismo naquele momento". Bicicletas de
estrada, de corrida, híbridas e reclinadas não eram úteis
quando se tratava de recuperar a infância. Assim, com a
IDEO ao lado, a Shimano criou um novo protótipo de
produto, a bicicleta de cruzeiro, que custaria menos de
quatrocentos dólares e pesaria menos de catorze quilos. Os
clientes da Shimano — Trek, Raleigh e Giant — adoraram.
Segundo Chad Price, gerente de produto de bicicleta para
asfalto na Trek Bicycle, a bicicleta de cruzeiro "parece que se
tornará campeã de vendas até o final de 2007".
Como a IDEO fez com que a Shimano mudasse sua
percepção (ou seja, ver ao mesmo tempo o vaso e as duas
caras)? Primeiro, a IDEO fez com que a Shimano convivesse
com os não-clientes de seus clientes para obter uma visão de
mundo do ponto de vista dos que tinham tido os maiores
problemas com o ciclismo e, portanto, desistido da
experiência. Segundo, ninguém perguntou aos não-ciclistas
o que eles queriam de uma bicicleta. Perguntaram coisas
como: Por que você andava de bicicleta? Por que não anda
mais? No campo da inovação, conversa pode ser tão útil
quanto observação, com a condição de que você faça as
perguntas certas. Pergunte por que e não o quê. E terceiro, a
IDEO percebeu que ela tinha de pôr a Shimano e os
executivos da indústria de equipamentos originais (OEMs)
na pele dos não-ciclistas. Para conseguir sentir o que os não-
ciclistas sentiam ao entrar no ambiente intimidante de uma
loja de bicicletas, a IDEO mandou uma equipe de executivos
da indústria de bicicletas para o balcão de cosméticos de uma
loja de departamentos, com a missão de comprar cinqüenta
dólares em cosméticos. Chad Price, da Trek, conta: "Eu
estava completamente desconfortável. Não sabia o que pedir
ou por onde começar". Nada impulsiona mais a mudança de
um ponto de vista do que experimentar emoções reais da
pessoa que você está tentando compreender. Como um não-
ciclista se sente dentro de uma loja de bicicletas? Ahá. Como
um obcecado por ferramentas comprando cosméticos. Era
preciso mudar alguma coisa. Na verdade, era preciso mudar
não só os produtos que os fabricantes de bicicletas
ofereciam, mas também a maneira como ofereciam.
Vendedores das lojas de bicicletas tiveram de voltar às salas
de aula para receber treinamento e aprender como vender
um novo produto para um novo (renascido) cliente.
Mudar percepções não é fácil, mas posso assegurar que,
agora que os líderes da indústria de ciclismo viram uma
alternativa para o que existia antes do momento-eureca, será
praticamente impossível não continuarem vendo a
alternativa no futuro. Não-ciclistas não são mais vistos como
"não-ciclistas". São vistos como um promissor novo
mercado — mais interessado na simplicidade do que no de-
sempenho, mais na diversão do que na vitória, e mais na
própria infância do que no ciclismo. O desafio, então, passou
a ser como criar um produto que tivesse o formato de
bicicleta e no qual não-ciclistas pudessem reviver memorias
de infância sem tropeçar na forma física, bem diferente da
de antes, já que agora tinham mais idade. A resposta foi uma
bicicleta fácil de montar e desmontar; com o mecanismo
todo fechado e fora da vista do usuário, para que ninguém
pense em ter a perna da calça presa em alguma coisa cheia
de graxa; um guidão que permite que a pessoa se sente com
as costas retas; e, como lembrança dos 'bons tempos", uma
bicicleta que freie com uma simples pedalada para trás.
Criar grandes idéias se torna simples depois que você
consegue vencer o maior desafio, o de responder Por que as
pessoas se comportam do jeito como elas se comportam?
Para descobrir isso, é preciso uma mudança de percepção.
Uma vez conseguida essa mudança de percepção, o
momento-eureca ocorre quase instantaneamente. A maneira
com que a mente processa informação determina a estraté-
gia de solução usada pela pessoa, ou mesmo se ela pretende
de todo fazer algo para resolver o problema. Há três
processos cognitivos básicos envolvidos nisso: memória,
percepção e atenção. No caso da Shimano, exploramos
como uma mudança de percepção produziu uma grande
idéia. O caso da Shimano envolveu memória e atenção. Já
exploramos o papel da memória antes neste livro, e vamos
voltar a ela no Capítulo 9, quando questionarmos as
convenções. Mas agora vamos ao papel da atenção nas
soluções criativas de problemas.
Em seu livro Guns, Germs, and Steel: The Fates of Human
Societies, Jared M. Diamond argumenta que é simplesmente
a quantidade de recursos disponíveis (plantas agricultáveis,
animais domesticáveis etc.) somada ao nível de interação
entre culturas o que faz com que algumas produzam mais
inovações, terminando por dominar as outras. É a mesma
lógica das soluções criativas de problemas. Quanto mais
informação você tem, e quanto mais variada essa
informação, mais fácil será resolver um problema. No
entanto, nosso desafio é acessar as informações, determinar
as que são relevantes para o problema em questão e resolver,
das que aparentemente não o são, quais devemos processar
mesmo assim. Por exemplo, o que você vê na imagem da
Figura 7.4?

Figura 7.4. Quem sou eu?


Você pode ter visto, logo de cara, de quem é o rosto. Mas, se
não viu, tente espremer os olhos. Ou afaste a página um
pouco. Já viu? Abraham Lincoln.
Quando tentamos resolver problemas, há mérito em dar um
foco mais estreito à nossa atenção, limitando informações
extemporâneas que possam nublar o panorama. Mas fazer
isso no início do processo criativo pode ter um lado ruim. O
problema de estreitar muito o foco é que você pode chegar a
uma idéia única. Essa idéia única pode ser, de fato, a grande
idéia que todos desejam, mas há grandes chances de que não
seja. Não que você precise de cem idéias para ter sucesso;
basta uma e, depois, variações dessa uma. Tiro certeiro não é
minha estratégia aqui. Pelo contrário, quero que você
busque variações para a solução do seu problema
fundamental.
Foi o caso dos aspiradores de pó da marca Dyson, os
primeiros a não perder poder de sucção. James Dyson
trabalhou em 5.127 protótipos durante quatro anos e meio
antes de lançar sua grande idéia, a que fez dele o 746o
homem mais rico do mundo. Mas veja só, Dyson não
afundou em 5.127 maneiras de se limpar um carpete.
Trabalhou com 5.127 variações de um só produto, o que iria
resolver o maior problema da área: aspiradores de pó
perdiam poder de sucção. Como Dyson, você também terá
mais chance de sucesso se tiver uma porção de idéias
correlacionadas.
A capacidade cognitiva de gerar muitas variações está
baseada em processos de atenção. É por isso que o
hemisfério direito do cérebro recebe o crédito (com certeza
exagerado) de ser o local do pensamento criativo. Ele é mais
atento a conjuntos abrangentes de recepções informacionais
do que o esquerdo. Mas criatividade envolve todo o poder
de processamento do cérebro — ou seja, tanto o hemisfério
direito quanto o esquerdo. A vantagem do hemisfério direito
está na sua maneira de interpretar a informação: digamos
que seja mais liberal (quer dizer, mais apto a perceber e
interpretar informações de maneiras diferentes) e, portanto,
mais bem equipado do que o esquerdo, quando se trata de
considerar possibilidades múltiplas. Assim, tendemos a
atribuir a criatividade ao hemisfério direito, mesmo
exagerando um pouco.
Aqui está um exercício que vai mostrar como seu cérebro —
ele inteiro, com hemisférios direito e esquerdo — interpreta
informações na tentativa de resolver um problema. Apenas
olhe para essas três palavras:

Couve
Lis
Beija

Qual é a palavra ausente que essas três podem compartilhar?
Quer dizer, se você fosse acrescentar uma palavra antes ou
depois dessas três, qual seria?
Se você já sabe, parabéns! Acaba de experimentar um
momento-eureca (se quiser sair correndo sem roupa por aí,
não temos nada com isso). Mas se você se encrencou, tente
pensar em algo bonito e volte às três palavras. Nada ainda?
Bem, a resposta é flor (couve-flor, flor-de-lis e beija-flor).
Tendo ilustrado a situação, vamos para a análise do que
aconteceu. Mas, primeiro, vamos deixar algo claro: o
processamento de informação no cérebro é atividade
extremamente complexa. Uma explicação científica sobre o
processamento real que ocorreu em seu cérebro durante
esse exercício simples iria encher todas as páginas deste
livro. Para nossos propósitos, faremos apenas uma simpli-
ficação de como seu cérebro lidou com o processo do
problema até o momento do insight.
Quando você viu a palavra couve, o hemisfério esquerdo do
seu cérebro provavelmente focalizou a palavra em si (veja
Figura 7.5) e não considerou as outras possibilidades de
significado de couve.

Figura 7.5. Como os hemisférios cerebrais interpretam
informação

Hemisfério esquerdo Hemisfério direito

A mesma coisa para as outras duas palavras, lis e beija. Em
cada caso, o hemisfério esquerdo traduziu essas palavras no
seu sentido literal, baseado em sua experiência do que elas
significam para você. Por exemplo, couve pode ser
traduzido como hortaliça, lis como uma espécie de lírio e
beija como uma ação das mais agradáveis. Já o hemisfério
direito de seu cérebro interpretou essas palavras de um jeito
mais amplo. Por exemplo, no hemisfério direito a palavra
couve ganhou outras possibilidades: couve como bolinhas
verdes; como algo que vem junto de feijoada; e mesmo
como corruptela da expressão "o que houve". A mesma coisa
vale para as palavras lis e beija. Seu hemisfério direito teria
inconscientemente ativado lis não só para lírio, mas também
como o símbolo da França, ou como o nome de uma
mulher. E beija não seria só uma ordem para beijar, mas
também Dona Beija, a personagem da teledramaturgia
brasileira, ou ainda beijinhos-doces de maisena. Ter o
hemisfério direito dominante não significa ser mais criativo.
Significa ser mais liberal na aceitação de alternativas. Ambos
hemisférios são requisitados no ato de criação.
A razão de um momento-eureca acontecer quando você não
está conscientemente tentando resolver um problema ou ter
uma grande idéia é que, nesses momentos, o hemisfério
esquerdo está mais "relaxado", permitindo portanto a
aceitação (consciente) de "alternativas malucas" montadas
pelo hemisfério direito. Um detalhe que nada tem a ver com
o problema pode ser justamente o que faltava para sua
resolução. Meu conselho é: não pense tanto, faça uma pausa,
vá esticar as pernas. Deixe que sua mente inconsciente
trabalhe por você.
Edward Bowden e seu sócio de pesquisas Mark Jung-
Beeman estão entre os mais notáveis neurocientistas, com
avanços significativos na ciência cognitiva do momento-
eureca. Costumam usar imagens funcionais de ressonância
magnética (fMRI), que é uma tecnologia de escaneamento
cerebral. Por meio de experiências utilizando o fMRI junto
com mensurações comportamentais, foram dos primeiros a
isolar e observar um momento-eureca em ambiente
controlado.
Bowden e Jung-Beeman fizeram algo parecido com nosso
exemplo de palavras que compartilham outra palavra (algo
conhecido como compostos de associação remota). Em suas
experiências sobre a inferência, respostas múltiplas eram
possíveis. Na experiência da Figura 7.6, os participantes
recebiam três palavras em uma tela: vidro, pé e grito. Depois
de mostradas, as palavras eram apagadas rapidamente e, para
garantir que as pessoas continuariam a olhar para o meio da
tela, uma cruz fixava o local. Aí uma outra palavra,
relacionada às três primeiras (corte), aparecia, mais
rapidamente ainda e no canto da tela. Ou então, o que
aparecia era uma palavra não relacionada. O tempo gasto na
leitura dessa quarta palavra ficava registrado. Bowden e
Jung-Beeman descobriram que as pessoas liam a palavra
relacionada mais rápido do que a não relacionada (fenômeno
chamado de privilégio inicial). E que liam palavras apenas
remotamente relacionadas às três primeiras tão rápido
quanto novos pares de palavras fortemente relacionadas,
(por exemplo, maçã/laranja ou médico/enfermeira). Isso
significa que embora a palavra corte não esteja fortemente
relacionada a todas as três palavras vidro, pé e grito, quando
consideradas em conjunto, ela é fortemente ativada (quer di-
zer, o cérebro pensa nela, não necessariamente em nível
consciente) como tendo alguma relação com cada uma
dessas três palavras.
Os círculos pequenos em volta das três palavras à esquerda
na Figura 7.6 mostram como o hemisfério esquerdo define,
de forma estreita, cada uma delas, enquanto os círculos
maiores do lado direito mostram como o hemisfério direito
as define de forma mais ampla. Como o hemisfério esquerdo
tem mais foco, apenas palavras com associação muito
próxima são contempladas. Como a palavra corte não tem
associação próxima com as três palavras mostradas (embora
você possa argumentar que vidro pode ser associado com
corte, dependendo do contexto), ela fica de fora (ou seja,
não entra no grupo de soluções possíveis). Já no hemisferio
direito (a parte direita da ilustração), a interpretação das três
palavras é mais abrangente, mas mais fraca, e com isso
associações mais distantes são consideradas. Cada uma das
palavras (vidro, pé e grito) ativa de forma fraca corte, porque
o vidro pode cortar você, um pé pode ser cortado e você
pode gritar por causa de um corte. O importante é que a
repetição da sobreposição é cumulativa. Assim, a palavra
corte, mesmo não tendo sido bem mostrada para os
participantes (ela não fica explicitada
como está na figura aqui do livro; ela aparece na borda da
visão periférica em frações de segundo), recebe ativação
similar ou mesmo maior do que uma palavra que esteja
associada fortemente a apenas uma das três palavras iniciais.
Portanto, a solução vem pela convergência da informação, e
não pela ativação de uma única palavra ou pela explicitação
da palavra em si.


Em uma segunda experiência, os participantes ouvem uma
história na qual as palavras estão em contexto: uma pessoa
anda com pés descalços em uma praia onde há pedaços de
vidro na areia e, de repente, grita de dor. Enquanto escutam
a história, os participantes vêem as palavras na tela. Nessa
experiência, as palavras eram mostradas ou no limite da
esquerda ou da direita da tela, e as pessoas deviam lê-las em
voz alta. A palavra-alvo era iluminada rapidamente na
periferia do campo de visão, seja do olho esquerdo ou do
direito. Por causa da maneira como os nervos óticos se ligam
ao olho, qualquer coisa que esteja no lado esquerdo da tela
vai para o hemisfério direito, e vice-versa. Mesmo se a
palavra-alvo entra em apenas um hemisfério primeiramente,
a informação é comunicada ao cérebro todo por ligações
cerebrais e pelo corpus callosum, a região do cérebro
responsável pela comunicação inter-hemisférica, ou seja, em
linha cruzada. Alguns cientistas acham que, por causa do seu
tamanho variável, o corpus callosum também é responsável
pela intuição. Ele costuma ser maior nas mulheres, o que
pode explicar, ao fornecer uma plataforma de comunicação
mais sólida entre os dois hemisférios, a "intuição feminina".
Da mesma forma, o tamanho relativamente menor do
corpus callosum masculino também explicaria por que
mulheres parecem mais capazes do que homens na rea-
lização de tarefas múltiplas concomitantes. Homens seriam,
então, mais predispostos biologicamente (ou teriam uma
predisposição relativa) a ter pensamentos únicos, um de cada
vez, enquanto mulheres seriam biologicamente predispostas
a consolidar partes díspares de informação. Voltando ao
estudo, a palavra-alvo foi mostrada por apenas 180
milissegundos antes de ser apagada, para evitar que a
memória sensorial entrasse no processo. Isso porque, em um
tempo tão curto, uma pessoa não consegue mover os olhos
para se fixar na palavra e, assim, a palavra se torna apenas
uma leve sugestão passageira — um piscar de informação —
que é primeiro oferecida a um dos hemisférios cerebrais.
(Bem parecido com o que aconteceu com vários momentos-
eureca históricos, como o de Arquimedes observando a água
que transbordava de sua banheira, e Newton observando a
maçã que caía da árvore.) A pesquisa mostrou que palavras
ligadas por inferência eram lidas mais rápido do que palavras
não relacionadas; que palavras mostradas ao hemisfério
direito tinham leitura mais rápida do que as mostradas ao
hemisfério esquerdo; e que o hemisfério direito mostrava
ativação por inferência antes do esquerdo.
Em relação à criatividade, é o conceito (por exemplo, corte)
que liga peças díspares de informação em um todo
compreensível. É assim que um conceito criativo liga
informações sem relação anterior. O mais provável é que tal
ligação aconteça com a sobreposição de ativações semânticas
já disponíveis no hemisfério direito. Assim sendo, o
hemisfério direito não é o único responsável pela criativi-
dade, mas é o responsável por sugerir conceitos alternativos
que possibilitam a resolução de um problema.
Em uma terceira experiência, Bowden e Jung-Beeman
descobriram que, se uma única palavra é mostrada primeiro
(por exemplo, pé, em vez do grupo pé, vidro e grito) e, em
seguida, vier um alvo fortemente relacionado (por exemplo,
sapato), o hemisfério esquerdo mostrará maior sensibilização
primária. Quando uma palavra de relação mais fraca (como
medida) é mostrada para o hemisfério esquerdo, a
sensibilização fica menor. Por causa do foco estreito do
hemisfério esquerdo, apenas as palavras de relação mais
próxima (sapato, calcanhar) são consideradas e, assim, ape-
nas as setas que saem de sapato e calcanhar chegam até o
núcleo do hemisfério esquerdo, enquanto as palavras de
relação mais distante (centímetros, tamanho, corte) não são
consideradas. Pode ser que você trabalhe com alguém que
sofra de miopia mental e que precise ser constantemente
lembrado de que é preciso vislumbrar o panorama todo, e
não só um aspecto dele. Esse "foco extremo", aliás, pode ser
observado também em pessoas que sofreram algum tipo de
dano cerebral. Pessoas com dano no hemisfério direito não
conseguem mais entender piadas e metáforas. Tornam-se
pensadores literais: não conseguem, biologicamente, ver o
todo.
Ainda na mesma experiência, quando as três palavras (pé,
vidro e grito) foram apresentadas ao hemisfério direito, a
sensibilização primária foi maior para todas as inferências
(sapato, calcanhar, centímetros, tamanho e corte). Na
interpretação de pé feita pelo hemisfério direito, as setas que
saem de todas as palavras (sapato, calcanhar, centímetros,
tamanho e corte) se ligam ao núcleo pé (são consideradas). É
a explicação de você ter suas melhores idéias no chuveiro.
Nessa hora você provavelmente estará bem pouco ligado em
solucionar problemas. Ou em qualquer outra coisa.
Em outra experiência sobre o momento-eureca, são
mostradas três palavras (por exemplo, couve, lis e beija). Em
um lapso de tempo não superior a 750 milissegundos depois
do aparecimento dessas três palavras, a palavra-alvo (flor) é
mostrada para os hemisférios esquerdo e direito, ou seja,
entra no campo de visão dos participantes como um flash de
luz na visão periférica do olho direito ou esquerdo. A
descoberta principal foi que tanto o hemisfério direito
quanto o esquerdo ativavam a solução bastante rápido. Mas
igualmente rápido o hemisfério esquerdo descartava a idéia.
Já o direito mantinha essa informação, na pior hipótese, pelo
menos durante os quinze segundos necessários para que as
pessoas descobrissem a solução. A duração da ativação do
hemisfério direito também é a adequada para um momento-
eureca. Quanto mais ativação (medida pelo tempo de
resposta), mais forte a sensação de eureca.
Bowden, Jung-Beeman e John Kounios, da Drexel
University, aprofundaram essas descobertas analisando o
cérebro humano durante momentos criativos. Usaram o
escaneamento MRI, além de eletroencefalogramas (EEG),
para saber quais áreas do cérebro agem diferentemente
quando um problema é resolvido com insight e sem insight.
As duas maiores descobertas da equipe foram que o gyrus
temporal superior do hemisfério direito, um pontinho do
cérebro mais ou menos em cima de sua orelha direita, fica
mais ativo durante as soluções com insight do que nas
soluções sem insight. E que há uma assinatura neural (uma
atividade neural em partes determinadas do cérebro, e com
uma freqüência elétrica determinada) anterior à
apresentação do problema, e que prenuncia a subseqüente
solução feita por meio de um súbito insight. Isso sugere que
idéias importantes — idéias criativas — podem estar lá,
luzindo, logo abaixo do controle da consciência, e que
podem haver estados mentais mais propícios a momentos
criativos.
O que chama a atenção nessas pesquisas científicas do
momento-eureca não é só a forma com que hemisférios
cerebrais interpretam informações, mas também como e
quando decidem (inconscientemente) usar essa informação.
Parece que o hemisfério direito produz várias possibilidades
de inferência bem cedo no processo de solucionar
problemas criativamente, e, o que é muito interessante,
mantém essas inferências disponíveis pelo tempo necessário
para que sejam usadas. Parece, também, que a informação
no hemisfério direito se torna ativa quando um problema é
apresentado, e que continua ativa até ser aproveitada ou até
outra idéia ser selecionada.
Por exemplo, lembre da experiência-eureca de Albert
Einstein enquanto trabalhava no escritório de patentes de
Berna, na Suíça. Foi em Berna que Einstein fez pela primeira
vez a conexão mental entre a gravidade e a aceleração de
movimento que por fim resultou na sua teoria geral da
relatividade. Como Einstein declarou, enquanto ele se perdia
em devaneios "uma frase irrompeu subitamente", a de que
"um homem em queda livre não sente seu próprio peso".
Nesse momento exato houve a conexão entre gravidade e
aceleração de movimento — relação provavelmente
estabelecida pelo hemisfério direito de Einstein, enquanto o
esquerdo se encarregava, por certo, de trabalhar para
averiguar se a idéia era correta. Assim, idéias podem ir de
um hemisfério ao outro. Mantemos as idéias inconscientes
no nosso hemisfério direito, como se fossem assuntos em
suspenso, até que conseguimos extrair sentido para eles, no
esquerdo.
A psicóloga Colleen Seifert propôs a existência de uma
tabela de fracassos, em que problemas ficam marcados como
não resolvidos e toda vez que uma informação relacionada a
uma possibilidade de solução aparece, o problema é
reativado. Na sua teoria, a ativação pode ficar dormente por
meses ou mesmo anos, como foi o caso com Einstein e sua
teoria geral da relatividade. Lembre que Einstein teve seu
insight inicial sobre a relação entre aceleração de movimen-
to e gravidade quase uma década antes de chegar à solução, a
teoria geral da relatividade. Uma vez a inferência feita, a
ativação do hemisfério direito simplesmente apaga. Ou, se
formos usar uma metáfora cara aos norte-americanos, a do
beisebol: quando você ganha o jogo (ou seja, descobre o
enigma, produz uma grande idéia, resolve o problema), seu
cérebro não precisa mais manter um batedor na reserva
(uma solução alternativa, esperando sentado no banco para
entrar em campo a qualquer momento e ajudar você a alcan-
çar um bom resultado). Em resumo, o foco mantido pelo
hemisfério direito se apaga, sua função acabou.
Temporariamente.
É irônico, mas no momento mesmo em que a compreensão
acontece, quando suas perguntas se tornam respostas, você é
levado imediatamente de volta ao ponto onde tudo
começou. Agora que há uma resposta para seu problema,
saiba que essa resposta corre o risco de se tornar um
martelo, para o qual qualquer coisa vira prego. Seu novo
desafio é o de tentar desaprender aquilo que funcionou no
passado, sob pena de mais uma vez perder o futuro. Vamos
discutir a questão de conhecimento como limite da criativi-
dade (fixação funcional) no Capítulo 9. Enquanto isso, pare
de pensar tanto.
Essas e outras experiências têm muito a nos ensinar sobre
como nos tornar mais criativos conceitualmente. Primeiro e
mais importante: se você está emperrado num problema, ou
recebe a incumbência de produzir a nova idéia sensacional
do século, e alguém vem com o conselho de parar de pensar
tanto, obedeça. Não pensar diminui o foco no seu
hemisfério esquerdo e, mais importante, o ato de não pensar
permite que seu hemisfério direito apareça com possíveis
soluções alternativas capazes de ligar luzes mentais de
grande intensidade.
Segundo: como aprendemos neste capítulo, quando você se
conscientiza, com percepção e atenção, de que há truques
(enigmas) a serem descobertos para a solução do problema,
os insights criativos se tornam mais rotineiros, lógicos e
controláveis. Por exemplo, na Figura 7.8, diga qual das duas
barras é a maior: a de cima ou a de baixo?
A barra de cima pode parecer maior do que a de baixo, mas
na verdade ambas têm o mesmo tamanho. Isso mostra como
o sistema visual recebe a informação: com as duas linhas
laterais convergentes, há a interpretação, correta, de que o
tamanho de um objeto depende da distância dele em relação
ao olho. Aqui o sistema visual é enganado, porque as linhas
convergentes fazem o cérebro pensar que a barra de cima
está mais longe e que, portanto, ela deve ser maior. Mas é
uma ilusão. Ilusões têm uma analogia com criatividade: o
sistema de solucionar problemas também pode ser enganado
pelo que ele já sabe que funciona. Mas, se você sabe que
existe um truque, pode superá-lo e reinterpretar o problema.
Por exemplo, se as barras pareceram do mesmo tamanho
quando você as viu pela primeira vez, deve ser porque você
desconfiou de algum truque ou conhecia enigmas visuais
parecidos. Você trouxe a questão do inconsciente para a
consciência. Tentou achar o truque.
Ao estar alerta de que um problema pode mostrar tanto
informações relevantes quanto irrelevantes, você se torna
um melhor pensador criativo. Pois você agora sabe que
precisa procurar, processar, priorizar, descartar, incluir e
descartar de novo informações que podem ou não ajudar
você a chegar a uma resposta certa. O incrível é que tudo
isso acontece em frações de segundo. E mais espantoso
ainda, há a possibilidade de controle. Você pode transformar
processos inconscientes em esforços conscientes ao prestar
atenção ao fato de que pode haver um truque envolvido,
que você pode precisar de mais (ou menos) informações
para resolver o problema.
Uma terceira lição a ser tirada deste capítulo é que, ao
contrário da lenda urbana, não existe tal coisa como
"pensadores do hemisfério direito". Puro mito. O hemisfério
direito simplesmente é mais liberal na interpretação das
informações. Apesar de o hemisfério direito gerar mais
possibilidades, ele não as seleciona, e, portanto, o hemisfério
direito precisa do esquerdo. Você vai precisar do cérebro
inteiro para seus processos criativos. O hemisfério esquerdo
tem uma função importantíssima, a de fornecer a lógica pela
qual se estabelece a relevância ou adequação de uma
possibilidade de solução. É parecido com o que acontece em
grupos de trabalho criativo. Por exemplo, em sessões de
brainstorming de grupo. Apesar de ser verdade que grupos
heterogêneos podem gerar mais idéias diferentes (como o
hemisfério direito faz), em alguma hora o grupo vai precisar
selecionar uma única idéia para trabalhar nela. E isso en-
volve um tipo bem diferente de atitude (como a do
hemisfério esquerdo). Não descarte informação de forma
prematura durante um processo de desenvolvimento de
idéias. A frase não existem más ideias, só idéias é, em si, uma
má idéia. Mas, de fato, não existe algo como informação
inútil (pelo menos, a princípio). Você nunca sabe o que vai
funcionar. É melhor considerar inclusive a informação que
pareça ser, à primeira vista, irrelevante. Dê tempo ao tempo,
consciente e inconsciente, para ver se dá para extrair algum
sentido daquilo, ou se aquilo se encaixa de algum jeito na
solução do problema.
E tenha consciência de que memória, percepção e atenção
estão em uma dança constante — e inconsciente — dentro
da sua cabeça. Da próxima vez que você se vir preso em um
problema, ou sentir que a solução está ali, quase na ponta da
língua, tente não pensar tanto. Vá esticar as pernas. Essa
diminuição consciente do foco do seu hemisfério esquerdo
irá inconscientemente permitir que seu hemisfério direito
assuma o pensamento, e a resposta pode vir a galope.
Criatividade não é apenas uma questão de recursos, é
também uma questão de recursos internos. O que os
inovadores não têm, no quesito tempo e dinheiro,
compensam em percepção e atenção. Nas mãos (e mentes)
certas, a inovação se torna uma arte de resolver problemas.
A sua definição do problema é uma conseqüência da
maneira que você escolheu de percebê-lo. Faça com que os
limites trabalhem a seu favor: defina desvantagens como
vantagens (patrimônio). E, mais do que tudo, tente descobrir
o truque. É como consertar algo em casa, às vezes um
barbantinho representa muito. Ao identificar limites (o que
pode e o que não pode), você aumenta sua possibilidade de
sucesso, fazendo com que a solução criativa se desvie das
barreiras. Uma vez identificados os limites, pergunte: E se
algum material mágico, tecnologia não descoberta ou
capacitação não existente ajudasse a vencer esses limites? O
que esse material, tecnologia e capacitação não existente
teria de fazer? Depois pergunte o que dá para usar em vez
deles. Isso vai ajudar você a fazer a ligação entre limites e
possibilidades, a aumentar suas chances de encontrar uma
solução criativa para problemas existentes, mesmo quando
os recursos atualmente disponíveis se mostrarem insuficien-
tes para isso.
Para juntar limites e possibilidades, é importante levar em
consideração mais um precursor de insights criativos:
ligações. Uma forma de aprender a fazer ligações não-
ortodoxas entre campos que aparentemente não têm relação
entre si é procurar situações análogas fora da sua indústria,
trabalho ou categoria. É o que chamo pensar para o lado, ou
o que o acadêmico em criatividade Edward de Bono se
refere como "idéias laterais". Com isso, vamos ao próximo
capítulo.


Resumo e exercícios criativos

• Limites ajudam a inspirar criatividade.
• Quando há um problema focalizado para resolver e um
sentimento de missão na equipe, recursos limitados (tempo,
dinheiro) podem oferecer exatamente as condições
apropriadas para a inspiração do insight criativo.
• Quando há uma agenda muito ampla e um sentimento de
que a equipe está sendo explorada, mais recursos
(especificamente tempo) podem criar condições apropriadas
para inspirar o insight criativo.
• O aumento de gastos em pesquisa e desenvolvimento nem
sempre produz aumento em vendas e lucros; na verdade,
parece haver pouca ou nenhuma correlação entre esses
gastos e as vendas. A maneira como você pensa é mais
importante do que a quantidade de dinheiro que você ganha
para pensar.
• Não há isso de pensadores de hemisfério esquerdo ou de
direito. Os dois hemisférios têm papel importante no
pensamento criativo.
• Para conseguir criatividade em presença de limites,
renomeie limites como sendo oportunidades, e comece o
brainstorming fazendo os limites trabalhar para você, e não
contra você.


Parentes distantes
Ligações

Albert Einstein perdeu a cabeça. Na verdade, não perdeu;
fomos nós — como uma meia em uma lavadora. Bem, a
cabeça de Einstein tecnicamente não se perdeu,
simplesmente ficou desaparecida durante alguns anos depois
de sua morte. Em 1955, Thomas Stoltz Harvey, um
patologista do Hospital Princeton, fez a autópsia dos restos
mortais de Einstein e, sem a prévia autorização de Einstein,
removeu seu cérebro e guardou. Ele declarou ter guardado a
amostra para fazer pesquisa médica. Logo depois, Harvey
perdeu seu emprego e sua licença médica, e tornou-se
operador de máquina extrusora de plástico. Embora tenha
pegado o cérebro de Einstein, ele não o guardou para si.
Repartiu o cérebro com alguns cientistas: neuronautas
interessados na biologia da genialidade.
Chamo de neuronautas todos os que são treinados para
pilotar, navegar ou virar tripulantes na viagem de exploração
de reentrâncias do cérebro. Ao longo das próximas décadas,
as aventuras na área de engenharia neuronáutica revelarão,
sem dúvida, muitos dos insondáveis mistérios da mente,
entre eles, o momento do insight criativo (na verdade, isso
já foi descoberto até certo ponto). A relevância cada vez
maior da neurociência para os mistérios da vida é evidente
no crescimento considerável do número de matrículas na
Sociedade de Neurociência, uma organização não-lucrativa
cujos membros incluem cientistas em geral e médicos que
estudam o cérebro e o sistema nervoso. A organização foi de
500 membros em 1969 para mais de 37.500 membros hoje,
e agora é a maior organização do mundo dedicada ao estudo
do cérebro. De neurocientistas cognitivos a neurologistas
cosméticos, farmacêuticos, psicólogos e neuromarqueteiros
(pessoas que usam a ciência do cérebro para projetar novos
produtos e mensagens de publicidade que melhor reper-
cutam entre os consumidores), seus interesses são os
mesmos: entender como o cérebro funciona para avançar
em todos os aspectos, da medicina ao marketing. Como os
Lewis e Clarks da era moderna, os neuronautas mapeiam
territórios desconhecidos e reivindicam a autoria de
conhecimentos sobre desenvolvimento cerebral, aprendi-
zado e memória, sensação e percepção, movimento,
estresse, sono, envelhecimento e disfunções neurológicas e
psiquiátricas. O campo também envolve o estudo de
moléculas, genes e células responsáveis pelas funções do
sistema nervoso. Uma neuronauta de destaque, a quem
Harvey deu uma parte do cérebro de Einstein, é Marian C.
Diamond, pesquisadora interessada na biologia da
genialidade. Ela deu um pequeno passo em um local muito
interessante: a porção 39 da área de Brodman (BA39) do
cérebro de Einstein.
Em 1985, Diamond e seus colegas relataram que a área
BA39 de Einstein tinha uma proporção maior de células
gliais em relação aos neurônios do que havia nas amostras de
controle. (BA39 é freqüentemente associada à afasia
semântica — deficiência da capacidade de compreender e
produzir linguagem). As células gliais são células não-
neuronais conhecidas por oferecer suporte e nutrição aos
neurônios, que são as células cuja função é processar e
transmitir as informações — um processo chamado
transmissão sináptica. O que a BA39 de Einstein nos diz
sobre sua criatividade? Para ajudar a responder a essa
pergunta, precisamos analisar os anos de juventude de
Albert.
Quando criança, Einstein era mudo: ele não falava.
Preocupados com o silêncio dele, seus pais o levaram a um
pediatra que, de acordo com os pesquisadores, o
diagnosticou com dislexia do desenvolvimento, uma
condição que prejudica a capacidade de leitura e escrita, e
que também é conhecida por interferir no processo da
linguagem falada. No século passado, os pesquisadores
descobriram que as pessoas com dislexia do
desenvolvimento podem ter anomalias na região do giro
angular esquerdo do cérebro (BA39). No caso de Albert
Einstein, é possível que sua perda de neurônios tenha ocor-
rido devido à dislexia; entretanto, Diamond atribuiu a perda
de neurônios de Einstein nessa área menos à sua dislexia e
mais à sua "conectividade". Em outras palavras, seu cérebro
era fisicamente conectado de uma forma tal que ele poderia
processar informações usando mais áreas separadas do seu
cérebro do que o indivíduo médio. Uma análise mais
detalhada de fotografias do cérebro de Einstein indicou um
lóbulo parietal inferior esquerdo maior e inteiro, diferente
da maioria dos seres humanos. O lóbulo parietal está
envolvido na integração de informações e também no
processamento visiospacial. Leigamente falando, o
hemisfério esquerdo anômalo de Einstein pode ter sido
parcialmente responsável por seu hemisfério direito
altamente especializado e sobre-humano, dando a ele uma
vantagem peculiar em computação espacial, ativo valioso no
processo criativo. De fato, o próprio Einstein acreditava que
sua criatividade era dependente do raciocínio espacial.
Relembre seu devaneio de "um homem caindo" enquanto
trabalhava no escritório de patentes em Berna. Essa
visualização de movimento através do espaço foi
provavelmente um processo cognitivo comum que Einstein
utilizou de modo consciente ou, mais provável,
inconscientemente. Acredita-se que o raciocínio espacial
gere a capacidade de integrar informações sensoriais
diferentes (aprimora a conectividade), e a conectividade é
altamente relacionada à criatividade e inovação.
Kenneth M. Heilman, professor de neurologia e psicologia
da saúde na faculdade de medicina da Universidade da
Flórida, explica a inovação como "a capacidade de entender
e expressar relacionamentos inovadores de forma ordenada".
Isso exige uma grande inteligência, conhecimento de um
domínio específico e familiaridade com conhecimentos ou
métodos inovadores. Entretanto, esses três fatores isolados
não são suficientes para inspirar insights criativos. O
mistério é a maneira como os três interagem. O que permite
as ligações entre domínios diferentes? Como Heilman disse
em sua pesquisa, "para descobrir esse elo, pode ser preciso
unir diferentes formas de conhecimento armazenadas em
módulos corticais separados que ainda não foram associados.
Por isso, a inovação criativa poderá exigir co-ativação e
comunicação entre regiões do cérebro que geralmente não
estão fortemente conectadas". Com base nessas descobertas,
pode ser que indivíduos criativos como Einstein tenham
alterações em regiões específicas do cérebro, além de
alterações em neurotransmissores que, como Heilman
escreve, permitem que o "cérebro seja capaz de armazenar
extensivo conhecimento especializado". Podem ter também
capacidades especiais em pensamentos divergentes: a
capacidade de identificar múltiplas respostas para a mesma
pergunta, ou múltiplos caminhos para o mesmo destino
(uma marca do pensamento criativo).
A relação entre a biologia cerebral e a criatividade fica mais
aparente entre pacientes que tiveram seus lóbulos frontais
removidos ou danificados. Esses pacientes são incapazes de
conduzir pensamentos divergentes: são incapazes de
desligar-se do que lhes foi ensinado para aceitar ou acessar
informações vagamente relacionadas. Esses resultados
confirmam pesquisas históricas na área, especificamente a de
Charles Spearman que, em 1931, observa Heilman, sugeriu
que a "criatividade é resultado da reunião de duas ou mais
idéias que antes estavam isoladas".
O dom biológico de Einstein viabilizou sua criatividade.
Pode-se argumentar que sua genialidade não residia
necessariamente na criação de idéias novas, mas sim na
criação de novas relações entre conceitos aparentemente
não relacionados (por exemplo, espaço e tempo).
Momentos-eureca freqüentemente vêm da interseção de
pedaços de informações aparentemente não relacionados.
Portanto, pessoas capazes de fazer essas ligações, seja devido
a um dom biológico ou por um processo muito deliberado,
são mais capacitadas a ter novas idéias em base contínua.
Fazer ligações não-ortodoxas entre domínios separados pode
ser difícil biologicamente, mas não impossível. Fazer
ligações, tal como respirar, ocorre naturalmente, mas, assim
como respirar, é algo que você controla. Um modo de
aprender a fazer ligações não-ortodoxas é simplesmente
manter o problema não resolvido ativo em sua mente
mesmo quando você não está efetivamente tentando
resolvê-lo. Ao manter o problema ativo em sua mente, você
ficará surpreso em quão relevante informações e
experiências aparentemente irrelevantes podem ser na
resolução do seu problema. Para ilustrar, vamos voltar ao
nosso cientista nu.
Primeiro, considere o que Arquimedes sabia. Ele sabia que o
ouro e a prata eram diferentes em densidade, e que ele
poderia medir o peso da coroa do rei. Na verdade, ele até
conhecia o princípio do deslocamento da água, por seu
trabalho na construção dos barcos reais. Ele tinha quase tudo
do que precisava para resolver o problema, mas ainda assim
as idéias não vinham. Por quê? Essa história captura a
essência da criatividade conceituai. Ao tentar resolver pro-
blemas, trabalhamos tentando resolvê-lo, mas,
freqüentemente, chegamos a um impasse. Nesse ponto,
temos uma escolha: desistir e abandonar a busca de uma
solução ou reinterpretar algum aspecto do problema e
continuar. No caso de Arquimedes, a reinterpretação
ocorreu enquanto ele tomava banho. Como com
Arquimedes, a reinterpretação freqüentemente parece
resultado de um processamento inconsciente (ou seja,
acontece no momento em que o solucionador não está
tipicamente buscando uma solução), e geralmente envolve
fazer ligações antes despercebidas. Após a reinterpretação, a
solução parece vir de repente (ahá!), e claramente correta.
Depois que Arquimedes fez a ligação usando o
deslocamento de água para averiguar o volume, a solução
pareceu de um óbvio ululante, mesmo sendo um mistério
total até há pouco. A história de Arquimedes é típica? De
muitas formas, sim.
Como Arquimedes, a maioria das pessoas tenta resolver
problemas tendo tudo o que precisa para solucioná-los:
experiência no assunto, conhecimento dessa e de outras
situações similares e acesso a informações que vão além de
seu campo de conhecimento (a um clique de distância). A
maioria das tentativas falha pela incapacidade de reunir todas
essas peças díspares de modo a conseguir formular uma
solução coerente e relevante para o problema. Ao falhar
nessas ligações escondidas, falhamos em ser criativos. Esse
limite de percepção (a respeito de ligações não exploradas
entre conhecimentos já existentes) foi na verdade o que
bloqueou Arquimedes, e é o que freqüentemente bloqueia
muitas outras pessoas desafiadas a resolver um problema. Em
nossas tentativas de solucionar problemas criativamente, há
uma espécie de cegueira. Não vemos as entrelinhas, as
ligações entre atividades diferentes, não vemos relevância
no que consideramos informações pouco concretas. Afinal,
quem de nós teria feito a ligação entre a queda de uma maçã
e a gravitação universal ou, como Arquimedes, entre o
projeto de barcos e a mensuração de coroas? E aí, como
sempre acontece quando testemunhamos a grande idéia de
outra pessoa, o queixo cai e perguntamos "por que não
pensei nisso antes?".
A razão para idéias parecerem tão irritantemente óbvias
depois que ficam na nossa frente é que quase sempre
possuímos o conhecimento e mesmo a experiência
necessária para cercá-las, antes de elas aparecerem como que
vindas do nada. É por isso que insights ou momentos-eureca
parecem tão banais depois que os entendemos. Entretanto,
como com Arquimedes, soluções criativas não surgem
exatamente do nada. Em vez disso, são baseadas em
conhecimentos existentes e também em aplicações de
métodos-padrão de resolução de problemas.
Ao contrário do que diz o senso comum, atos repentinos de
criatividade podem ter estrutura lógica. Quase sempre
surgem no meio de campo criado por uma boa definição do
problema, um conhecimento significativamente
aprofundado no campo específico, e o acréscimo, acidental
ou intencional, de informações de fora desse campo. Eis o
truque. Sem experiência em um campo determinado, a
informação acidental continuaria aleatória. Por exemplo, se
Arquimedes não tivesse conhecimento sobre densidade,
peso e construção de barcos, provavelmente nunca teria
chegado à solução. Jamais teria vivido seu famoso momento-
eureca. A sorte favorece mentes preparadas.
Um dos exemplos atuais mais típicos desse mal-entendido
— de que, para a inovação, conhecimento prévio não é tão
importante quanto quebrar regras — é o caso do onipresente
bloco de lembretes da 3M, o Post-It Notes. A concepção
desses pequenos adesivos é lendária (foi acidental), mas dar
muita importância a isso prejudica o campo da inovação. Ao
ouvir essa e outras histórias de criatividade acidental, você
imagina: "Por que eu deveria me esforçar para a resolução do
problema, já que as grandes idéias são fruto da sorte?" Eis o
motivo. Embora existam inúmeros exemplos de invenções
acidentais — Velcro, penicilina, marca-passo —, os
precursores (eventos e conhecimentos) que fizeram essas
idéias surgirem não foram aleatórios. Muito pelo contrário.
Essas grandes idéias foram concebidas em ambientes
controlados e por pessoas que estavam trabalhando em
problemas relacionados a elas de alguma forma. Mesmo o
próprio Art Fry, o famoso "inventor" do Post-It Notes,
tentou desestimular o mito da invenção acidental: "Antes da
viagem da descoberta de Yellowstone, Lewis e Clark
levaram um ano se preparando para isso. Quanto mais você
aprende, mais é capaz de ver".
Não conseguimos criar quando estamos cegos para algumas
coisas (como ligações). Mas se você ficar concentrado no
problema; aplicar seus conhecimentos específicos; e se
dispuser a aceitar informações aparentemente irrelevantes
como possivelmente úteis, você pode conseguir resolver
problemas com mais freqüência, e ter momentos-ahá mais
deliberadamente. A descrição é de Fry: "Você não pode
prevê-los, mas pode fazer o trabalho que levará a eles". É por
isso que permanecer concentrado no problema, fazendo o
trabalho (mesmo no impasse) e se mantendo aberto a
informações aparentemente irrelevantes é importante. Além
disso, existem algumas evidências para sugerir que o ato de
descansar (pensar sem pensar) também pode ajudar a
facilitar insights. Além das pesquisas científicas, são muitas
as histórias reais que provam a existência de ligações que
acontecem sem ninguém planejar.
Uma dessas histórias vem de um cliente meu, um executivo
trabalhando para uma grande cadeia de restaurantes, que me
contou uma dessas histórias sem explicação. No final do ano
anterior, durante uma reunião de estratégia de negócios
realizada fora da empresa, ele e sua equipe fizeram uma lista
dos problemas a resolver e de metas que esperavam realizar
no ano seguinte. Entretanto, havia um pequeno empecilho:
não havia orçamento para fazer coisa alguma. Mas ele não
queria que isso engessasse a criatividade deles, então
divulgou a lista mesmo assim, e cada time deixou a lista
guardada em um canto, em suas respectivas áreas funcionais.
Um ano após a reunião, a equipe desencavou a lista e
descobriu que não havia um só item da lista que não tivesse
encontrado um jeito de seguir seu próprio caminho. Todos
ficaram surpresos. Tinham inovado sem sentir. Sem projeto
formal ou orçamento estabelecido para qualquer dos itens,
foi um sucesso de 100%. A equipe ficou surpresa, mas
psicólogos cognitivos não ficariam. Eis o que provavelmente
aconteceu.
Quando você escreve pendências, além de criar, claro, uma
lista física, também cria uma lista mental. A lista mental (por
exemplo, Arquimedes e a necessidade de medir um volume,
o executivo da cadeia de restaurantes e seus problemas) tem
mais chance de ser resolvida porque agora está na superfície
da sua mente. É muito mais do que criar um lembrete de
coisas a fazer. É um exercício cognitivo para ser
conceitualmente mais criativo. Esse fenômeno é conhecido
como assimilação oportunista, uma idéia derivada da escola
Gestalt de psicologia. A assimilação oportunista funciona da
seguinte forma: quando você chega a um impasse em uma
tentativa de resolver um problema, esse problema é marcado
(ou mantido em um estado de ativação mais elevada). Depois
disso, qualquer informação encontrada durante o período de
incubação, que é o tempo em que o problema está ativado, é
então assimilada ao próprio problema. Em linguagem leiga,
você tenta consciente e inconscientemente encaixar
informações díspares, como as peças de um quebra-cabeça.
Você pesquisa soluções. Arquimedes pesquisou o volume da
mesma forma que a equipe da cadeia de restaurantes
procurou resolver seus negócios. Por causa desse fenômeno,
você se torna repentinamente brilhante quando, um dia, o
que pode ser entendido como informação irrelevante (tomar
um banho) se transforma em informação adequada para
resolver um problema. E aí, eureca!
É importante observar aqui que é a própria pergunta em
aberto o que facilita a assimilação. Ao manter e divulgar a
lista de aspirações, os executivos do restaurante descobriram
um modo de ser criativos sem estar com o pensamento
ligado em inovar. Fazer coisas sem orçamento é realmente
um ato de criatividade. Anotar não serve só para focalizar
sua atenção em um problema, mas também ajuda a manter a
mente aberta para futuras informações sensoriais, que
podem não ser consideradas relevantes de primeira. Lembre
do texto com letras embaralhadas. Nunca se sabe qual
informação seu cérebro está usando.
Além de anotar coisas, outro método de estimular ligações é
por meio do pensamento independente. Isso se baseia na
evidência biológica de que os lóbulos frontais são as áreas do
córtex mais importantes para a criatividade. Essa região do
cérebro é amplamente responsável por modular a coativação
de redes de informações não homogêneas, ajudando assim a
formar ligações. Você pode exercitar essa área estimulando
pensamentos independentes. Se você educa uma criança ou
gerencia um funcionário, traduza isso como "deixe que ele
descubra sozinho". A busca pela solução, incluindo seus
diversos becos sem saída e impasses, exercita pensamentos
divergentes, o que estimula a criatividade.
Acredito que a razão dessa necessidade de atenção com
nossas ligações não-ortodoxas é uma obediência excessiva a
Adam Smith. Fomos tão longe na questão da divisão de
trabalho que arrisca haver retorno decrescente. Em seu
trabalho seminal, The Wealth of Nations (1776), Smith dá
um exemplo para ilustrar sua filosofia, com o processo de
fazer alfinetes. Segundo ele, uma pessoa pode fazer um
alfinete em um único dia. Mas se as dezoito etapas
necessárias para fazer um alfinete forem divididas entre dez
pessoas, juntas elas poderiam fazer 48 mil alfinetes em um
único dia. Maior especialização resulta em maior
produtividade.
Com números como esse, não é surpresa que antigas teorias
econômicas fossem abandonadas à medida que a filosofia de
Smith se tornava o padrão de facto, abrindo caminho para a
economia clássica. Parabéns, Adam. Mas 250 anos depois,
receio que tenhamos levado essa idéia um pouco longe
demais. Estamos frente a um mar de detalhes, sob risco de
perder a noção do geral. A especialização certamente tem
benefícios, como maior eficiência, mas isso se dá ao custo
do esgotamento de nossa capacidade criativa: a
especialização elimina a polinização cruzada de idéias de um
campo para outro. Especialistas são valiosos, mas tendem a
ficar presos em uma única área de domínio. Como eu digo
freqüentemente a meus clientes: se alguém se apresentar
como especialista em inovação de determinada área de
negócios ou indústria, corra! Não existe esse tipo de coisa.
Por definição, inovação atravessa fronteiras. A maioria das
grandes idéias é uma descoberta não de especialistas que
trabalham em uma única área, mas de generalistas
trabalhando em várias áreas. Ou então seus autores são
especialistas que conseguem levar idéias de um campo para
outro. Veja a fábrica moderna, criação de Henry Ford. Ela
foi o resultado de três idéias diferentes, vindas de três áreas
diferentes: empacotamento de carne, exército e fabricação
de cigarros. Ao longo das últimas décadas, uma
especialização extrema difundiu-se entre indústrias e
profissionais, aumentando a produtividade, mas à custa da
criatividade.
Considere o campo da biologia. Quando Francis Crick e
James Watson propuseram o primeiro modelo aceitável de
estrutura de DNA, em seu artigo "The Molecular Structure
of Nucleic Acids" (1953), a dupla e mais Maurice Wilkins
não só ganharam o Prêmio Nobel (1962), mas iniciaram um
campo totalmente novo dentro da biologia clássica: a
biologia molecular. A biologia molecular tem sido, desde
então, dividida em diversas subespecialidades, incluindo ge-
nética molecular, bioinformática e biologia computacional
(sem falar das disciplinas relacionadas de biofísica, biologia
do desenvolvimento, biologia evolucionária, genética
populacional e filogenética). Mas todos tentam responder às
mesmas duas perguntas: De onde viemos? Por que estamos
aqui?
Em marketing, a história é parecida. O campo hoje é
classificado em propaganda, marca e gestão de canal,
comportamento de consumidor, gestão de relacionamento
com o cliente, marketing de banco de dados, marketing
direto, pesquisa de mercado, relações públicas,
desenvolvimento de novos produtos, determinação de pre-
ços, gestão de vendas. E todo mundo na área de marketing
ainda está tentando responder às mesmas duas perguntas:
Onde encontramos novos clientes? Como fazer para que
comprem da gente?
Então, qual é o espanto se a sociedade, como um todo,
perdeu sua visão geral? Não somos mais generalistas
explorando os limites da capacidade humana. Somos um
grupo cada vez maior de especialistas correndo por um
caminho cada vez mais estreito, na busca de um futuro.
Certamente especialistas são valiosos. Por exemplo, prefiro
um neurocirurgião abrindo minha cabeça, em vez do velho
médico de família. Mas para estimular criatividade
precisamos prestar atenção no todo, tanto quanto nos
detalhes. Há duas maneiras de conseguir ser mais criativo
nesse mundo de especialização.
A primeira tem a ver com química de equipe. Por exemplo,
a importante empresa de consultoria de gerenciamento
McKinsey of Company trabalha firmemente para equilibrar
uma mistura de especialistas e generalistas, na esperança de
conseguir sinergia entre pensamento vertical (especialista) e
horizontal (generalista). É uma opção viável, mas complica
tarefas práticas. Ainda que haja lógica na idéia de que uma
equipe diversificada gera idéias diversificadas, há o desafio
adicional da aceitação grupai. Digamos que um generalista da
equipe apresente uma grande idéia. O especialista poderá
desconstruí-la facilmente, aproveitando-se da falta de
conhecimento específico do generalista (ou, mais
provavelmente, da sua falta de desembaraço profissional).
Assim, embora a totalidade de idéias possa de fato ser
diversificada, as idéias finais implementadas não serão
exatamente criativas. Mas é uma opção. Se for a sua, saiba
que é necessário trabalhar muito para administrar as relações
sociais do grupo.
A segunda opção é aprender a ter o pensamento flexível:
pensar com abrangência e profundidade ao mesmo tempo,
uma habilidade muito atraente quando se trata de trabalho
criativo. Charles Darwin, por exemplo, foi um pensador
flexível. Embora tenha passado décadas afundado em
plumagens de pássaros, cracas e cruzamentos de animais, foi
gênio o suficiente para emergir disso tudo e chegar a uma
visão global: as espécies evoluem de uma origem em
comum. Para sermos como Darwin — que estudou
medicina, teologia e geologia —, precisamos aprender a nos
tornar generalistas novamente: pensar e viver mais
abertamente, encorajar a curiosidade intelectual e consumir
novos pensamentos da mesma forma que consumimos
novas roupas. Então, por onde começamos? Pela escola —
não a instituição, mas a etimologia.
A palavra escola tem origem no grego scholé ("tempo livre"
ou "atividade séria sem a pressão da necessidade"). Na Grécia
Antiga, a escola era um luxo proporcionado a filhos de
comerciantes ricos, para que pudessem ler, contemplar e
deleitar-se no conhecimento de diversas disciplinas. Scholé
também se refere ao "tempo" em que era possível refletir
sobre possibilidades diversas — não um pensar diferente,
mas um pensar amplo. Como observou Aristóteles, a escola
é "ausência de necessidade de estar ocupado". Não é "estar
sem trabalho", é "ter tempo para pensar". Um luxo no
mundo acelerado de hoje. A boa notícia é que temos a
história a nos servir de guia para sabermos como as coisas
aconteciam. Pensávamos de forma mais ampla porque
vivíamos de forma mais ampla. Não é só na Grécia Antiga. O
jeito como vivíamos no mundo ocidental há apenas dois
séculos já é um contexto rico para aprendermos como viver
mais criativamente hoje. E não, não estou me referindo à
Revolução Industrial, mas a dezembro de 1783.
Dezembro de 1783 foi um mês agitado em termos de
notícias: na Fraunces Tavern, em Manhattan, George
Washington se despediu de seus oficiais porque a Revolução
Americana tinha acabado; em Maryland, Thomas Jefferson
escreveu a carta para George Rogers Clark perguntando do
seu interesse em liderar uma expedição ao Oeste (Clark
recusou, embora vinte anos depois seu irmão mais novo,
William, tenha aceitado a oferta); na Itália, um terremoto na
Calábria deixou cinqüenta mil mortos; e na Inglaterra,
William Pitt, o Jovem, com 24 anos, assumiu seu posto
como o primeiro-ministro mais jovem a servir a Inglaterra
até aquele dia.
No meio desse turbilhão, quem iria prestar atenção a um
clérigo de Berlim que iniciava um novo debate com uma
pergunta aparentemente das mais inócuas: "O que é o
Iluminismo?" Ele referia-se à filosofia que definiu o período
de 1680 ao final do século XVIII. Johann Friedrich Zöllner
anexou essa pergunta a um ensaio que escreveu para a
edição de dezembro de 1783 da Berlinische Monatschrifft
(Berlim Mensal), o principal jornal da Prússia da época. A
magnitude da pergunta de Zöllner é ainda mais
impressionante quando consideramos onde ela apareceu
primeiro. Não estava no título, mas em uma nota de rodapé.
Devido à sua diminuta aparição, é lícito supor que nem
mesmo Zöllner sabia da sua importância. Se sabia, por que a
disfarçou em letras miúdas?
Zöllner escreveu sua hoje famosa explicação em resposta a
um ensaio não assinado, publicado no mesmo jornal. Seu
autor, Johann / Erich Beister, bibliotecário da Biblioteca Real
de Berlim, dizia que os cidadãos deviam evitar que
sacerdotes presidissem casamentos, pois isso podia passar a
mensagem de que o contrato matrimonial era de alguma
forma diferente dos outros, já que feito na presença de Deus.
Os outros contratos, "feitos somente com homens, teriam
portanto menos valor". A intenção de Beister não foi
profanar a santidade do casamento, mas fazer com que todas
as leis e contratos recebessem o mesmo respeito. Zöllner era
clérigo, e ficou perturbado com esse comentário. Escreveu
então sua carta ao editor (que por acaso era Beister). Na nota
de rodapé, Zöllner escreveu: "O que é o Iluminismo? Essa
pergunta, que é quase tão importante quanto perguntar o
que é a verdade, deveria ser respondida antes de alguém
começar a querer iluminar as coisas! E, no entanto, ainda
não vi resposta!".
Em uma era de litígios religiosos, contestações científicas e
divergências políticas, a breve pergunta de Zöllner produziu
enorme quantidade de respostas. Dez anos após a sua
publicação, iluminismo tinha 21 definições diferentes. No
meio do coro, o filósofo alemão Immanuel Kant. Nas linhas
iniciais de seu ensaio de dezembro de 1784, "Resposta à
pergunta: O que é Iluminismo?", Kant escreveu: "O
Iluminismo é o momento em que o homem emerge de sua
imaturidade auto-infligida. Imaturidade é a incapacidade do
homem de usar o próprio conhecimento sem a orientação
de outra pessoa. Essa imaturidade é auto-infligida se sua
causa não é a falta de conhecimento, mas a falta de vontade
e coragem de usá-lo sem a orientação de alguém. Portanto, o
lema do Iluminismo é: Sapere audeí 'Tenha coragem de usar
o seu próprio conhecimento!'".
Superstição, tirania e, principalmente, dogma religioso foram
os alvos do comentário de Kant sobre imaturidade. Como
Kant, e em igual esforço para desligar a humanidade de seu
passado sombrio, muitos intelectuais denunciaram a
divindade de reis, impulsionaram as ciências físicas e
sugeriram que a vida na Terra era tão ou mais importante
quanto a eterna. Cura do corpo versus paraíso, essa mudança
do divino para o científico marca o momento da história em
que decidimos pensar por nós mesmos. Para simplificar, o
Iluminismo foi uma época em que nos dedicamos a pensar
sobre o pensamento. Aliás, foi a última época em que
pensamos tão deliberadamente sobre o processo de pensar
— até agora.
Tirando acadêmicos e inovadores ocasionais, o maior
problema de hoje não é termos esquecido como pensar, mas
não termos tempo para pensar, muito menos de pensar de
forma diferente. Mesmo o homem mais rico do mundo, Bill
Gates, reconhece que tempo para pensar se tornou um luxo.
A "Semana para Pensar" de Gates, seu descanso anual em
que lê sem parar e pensa profundamente sobre o futuro da
tecnologia, longe da rotina diária de homem mais rico do
mundo, já se tornou legendária. Como o tempo é uma
espécie em extinção, o modo como você aproveita esses
momentos roubados da vida se tornará cada vez mais
importante se você quiser ser relevante. Mas antes de
aprendermos essas importantes lições, e para colocar o
Iluminismo em perspectiva, será útil entender os eventos
que levaram a esse momento de reflexão da história, e o que
se seguiu a isso.
O Iluminismo tem como precedente outra era de mudança
cultural: a Renascença. A Renascença, particularmente a
italiana, que durou do fim do século XIV até quase o fim do
século XVI, pode facilmente requerer autoria de inúmeras
inovações artísticas. Com os feitos fantásticos de
Michelangelo, Niccolò Machiavelli e Leonardo da Vinci, ou
a construção do Domo em Florença e da Basílica de São
Pedro em Roma, a Renascença italiana permanece na
dianteira da proliferação da arte. Por outro lado, com o
Iluminismo, abrangendo o final do século XVIII até o
começo do XIX, há uma quantidade constrangedora de
invenções, o que resultará na Revolução Industrial.
Tão significativos quanto a Renascença e a Revolução
Industrial — sem desmerecer o que elas nos trouxeram em
arte e tecnologia — foram os cem anos que as separaram, e
que nos permitiram ser tão criativamente prolíficos mesmo
após a Revolução Industrial. Embora a Renascença tenha
nos dado arte, e a Revolução Industrial tenha nos dado
tecnologia, foi o Iluminismo que programou nossa mente
para a inovação. O Iluminismo nos ensinou a pensar. Das
idéias de Johann Wolfgang Goethe sobre evolução à
economia de Adam Smith, passando pelo conceito de
direitos inalienáveis de Thomas Jefferson — eis uma era de
pensamento diferenciado. Foi o que estabeleceu as
condições de um verdadeiro banquete de inovação a
alimentar a Revolução Industrial, e nos mantém até hoje
saciados na nossa era da informação. Se não tivéssemos
rompido laços com o passado, não teríamos podido criar o
futuro, não o teríamos visto chegar. É minha opinião.
Afinal, se só Deus sabe, então qual é a vantagem de ficar
pensando? No Iluminismo todo mundo cultivava a
criatividade conceitual. O que mudou, nos últimos duzentos
anos, a ponto de ameaçar nossa capacidade criativa? E o que
podemos aprender para responder ao enigma: O que
provoca uma grande idéia? Há três diferenças fundamentais
entre a vida durante o Iluminismo e a vida de hoje, e elas
detêm o segredo de como podemos ser mais criativos
conceitualmente: tínhamos mais tempo para pensar, não
vivíamos de forma tão segmentada e nos comunicávamos de
maneira mais efetiva. Vamos pensar em cada uma delas.
Primeiro, os pensadores iluministas tinham muito tempo
para matar. Graças a uma crescente tolerância religiosa e ao
fortalecimento dos métodos científicos, os europeus
estavam livres para ir em busca de feitos intelectuais sem
temer uma resposta da Igreja, como acontecia até então.
Além disso, graças à conquista das Américas, idéias radicais e
novas, como o capitalismo, começaram a fazer sentido em
um contexto de globalização. Assim, quem propunha ma-
neiras novas de pensar obtinha liberdade para tal.
As estrelas pop da época eram gigantes intelectuais como
Adam Smith, Benjamin Franklin, David Hume, John Locke,
Joseph Priestley, Jean-Jacques Rousseau, Thomas Jefferson e
o decano deles todos, Sir Isaac Newton. Tinham tempo
suficiente para refletir, contemplar e analisar. Só para
comparar, até mesmo a mais inovadora corporação de hoje
gasta pouquíssimo tempo realmente pensando sobre
problemas não resolvidos, necessidades não atendidas ou
questionando que fatores trouxeram sucesso a categorias já
existentes. Individualmente, também sofremos de falta de
tempo. Por causa disso, focalizamos nossa atenção nas
questões que nos parecem mais relevantes para nossas
necessidades ou interesses imediatos. Afinal, quem vai
pensar em plantar sementes com um incêndio em
andamento? Por exemplo, pergunte a si mesmo: Quanto
tempo você dedica à leitura de revistas que escapam à sua
área de interesse imediato? Com que freqüência você visita
eventos de um ramo industrial que não é o seu? Com que
freqüência você ouve a opinião de quem não compra seus
serviços ou produtos? Qual foi a última vez que você viajou
para um lugar em que nunca tinha ido, ou provou uma
comida desconhecida? Resumindo, qual foi a última vez que
você fez algo pela primeira vez? Esse tipo de experiência é,
muitas vezes, o que alimenta a inspiração criativa. Mas cada
uma dessas coisas requer tempo. Um dos grandes desafios da
criatividade de hoje é encontrar tempo para pensar. Assim,
para melhorar sua criatividade, você primeiro tem de pensar
a respeito de como você gerencia seu tempo.
Tempo é mesmo como dinheiro: cada um de nós tem sua
maneira preferida de gastá-lo. O ponto é encontrar tempo
para pensar. Na verdade, o aspecto mais revelador da
pesquisa sobre uso do tempo feita pelo U.S. Bureau of Labor
Statistics não são as respostas de como gastamos nosso
tempo. É o fato de que, em 2003, no primeiro ano em que a
pesquisa foi feita, a taxa total de respostas ficou em apenas
57%. E qual foi, adivinhe você, a razão dada pelos
participantes para não completar as respostas? Eles não
tinham tempo! É o primeiro desafio, arranjar tempo para
pensar. O segundo desafio é descobrir como usar bem esse
tempo recém-criado, dirigindo-o para a melhora da nossa
criatividade. E, mais uma vez, temos muito a aprender com
a história.
Durante o Iluminismo, não apenas as pessoas tinham mais
tempo para pensar, mas gastavam esse tempo de maneira
bem interessante. Por exemplo, nas escolas de hoje, os
estudantes sofrem a maior pressão para "passar de ano" ou
"fazer um curso" de matérias extracurriculares, para que,
uma vez adultos, eles "fiquem ricos". Mas eles devem fazer
isso dentro das mesmas vinte e quatro horas de todo mundo.
Em troca da promessa de serem bem-sucedidos, têm pouco,
se é que têm algum, tempo para pensar, devanear e sonhar
acordados. Nem pensar em experimentar novidades (e sofrer
a possibilidade de fracassar). Certamente não há tempo para
isso. É verdade que os estudantes têm mais aulas, fazem mais
trabalhos e, depois, ganham mais dinheiro do que as
gerações precedentes. Mas o que dão em troca? As férias,
esse conceito em extinção. Verões inteiros na praia é um
defunto antigo, com atestado de óbito já passado. E as
semaninhas de inverno há tempos que estão na UTI. Talvez
o mais perturbador seja que, por causa da crescente
especialização da indústria, os estudantes têm de decidir o
que querem da vida muito cedo, para começar a aprender
bem cedo sua especialização. Nosso horizonte é mais
estreito hoje do que no passado, e nossos pensamentos
também. Para abrir a cabeça, a vida precisava ser mais aber-
ta. E, além disso, precisaríamos aceitar melhor os que vivem
e pensam de forma aberta. Contrate amadores, em vez de
profissionais: eles serão pensadores mais esclarecidos. Pense
nisso: há algumas centenas de anos, o currículo de seu mais
novo funcionário poderia ser assim: químico, biólogo e
economista. E você não ia estranhar. Acusações como "esse
aí não pára em emprego" não fariam parte das fofocas da
firma, naquela época. Graças a experiências e interesses
múltiplos, o ativista intelectual-empresário-diplomata do
Iluminismo não precisava se esforçar para não ser quadrado,
porque vivia sua vida em vários "quadrados" diferentes.
Vamos pensar no trabalho de um desses diletantes
iluminados, o químico-financista-biólogo-economista
Antoine Lavoisier (1743-1794). Na sua curta vida (morreu
aos 51 anos), Lavoisier inventou a química, deu nome ao
oxigênio e ao hidrogênio, introduziu o sistema métrico e
inventou a primeira tabela periódica. E isso era apenas sua
ocupação principal. Além disso, era o administrador de uma
empresa privada de coleta de impostos e presidente do
conselho de um banco. A vida dele não era estreita.
Infelizmente, o destino quis que Lavoisier também tivesse
interesses na política, e ele teve participação ativa no
governo pré-revolucionário da França, o que lhe custou a
cabeça. Apesar de ter perdido a cabeça na guilhotina, não se
pode dizer que ela não era criativa.
Aí vem Benjamin Franklin (1706-1790): ativista, escritor,
diplomata, inventor, filósofo, gráfico e editor e cientista.
Hoje, provavelmente, ele seria criticado por não conseguir
ter foco na carreira. "Aí, Ben, quando você vai tomar tento
na vida!", diríamos. No entanto, pense no que conseguiu.
Inventou os óculos bifocais, o pára-raios, pés-de-pato, um
tipo de gaita e um tipo de forno. Publicou o Poor Richard's
Almanac, promoveu a união das colônias norte-americanas,
fundou o primeiro corpo de bombeiros e criou a primeira bi-
blioteca que deixava os leitores levarem livros para casa. E se
isso não fosse o suficiente, costurou um acordo com a
França, ajudando a tornar possível a revolução norte-
americana, e foi nomeado, pelo Congresso, Ministro dos
Correios. Morreu como abolicionista. Falava fluentemente
cinco línguas. E nos admiramos ao ver como ele não tinha a
mente quadrada. A vida dele não era quadrada.
O único motivo de citarmos Lavoisier e Franklin como
figuras à parte, gênios solitários nadando em um mar de
mediocridade, é que temos em geral essa opinião de que
uma pessoa precisa encontrar um foco de interesse e passar
o resto da vida se dedicando a ele. Se você gosta de
contabilidade, deve tentar saber tudo sobre contabilidade.
Seja lá o que for — ouvimos sempre —, faça tudo, menos
ficar pulando de galho em galho. Na nossa sociedade, que
consideramos tão avançada, a linha que separa divagar e
devagar é tênue. Gaste muito tempo assobiando por aí e
você rapidamente será criticado pela maioria silenciosa. Mas,
como está escrito na minha camiseta preferida da série "A
Vida É Boa", "Nem Todo Mundo que Divaga É Vago". Quem
disse que não podemos ter tudo?
Além de estreitarmos nossas mentes, temos grande
predisposição a só ler o que reforça nossas opiniões e
crenças, em política e em tudo o mais. Só vamos a feiras e
eventos do ramo de indústria que é o nosso; só fazemos
cursos que estejam dentro de nossa especialização ou campo
de atuação. Não divagamos mais. E, de repente, vem a
pergunta: "Puxa, por que não pensei nisso antes?". Apesar
de, coletivamente, na história humana, nunca termos tido
essa profundidade e amplidão de conhecimento, nosso
esforço para obter excelência em temas determinados arrisca
estreitar nossas mentes e prejudicar nossa criatividade
coletiva. A continuar nesse caminho, mesmo que a
especialização faça sociedades e organizações serem mais
eficientes, acredito que, no longo prazo, vamos ver uma in-
fluência negativa na nossa capacidade de pensar
criativamente, inovar de maneira contínua e, por fim,
identificar soluções originais para problemas não resolvidos.
Mas aqui também temos a história como guia. O modo como
vivemos nas décadas passadas é a chave para liberar nossa
criatividade. Ao contrário dos teóricos de hoje, os grandes
pensadores do Iluminismo eram empresários, filósofos e
cientistas perenemente envolvidos em processos de novas
descobertas. Mesmo quando tinham um conhecimento
aprofundado em determinado campo, mantinham interesses
variados fora dele. A IDEO descreve o que considera ser o
funcionário perfeito: "Estamos procurando gente em forma
de T". A forma do T é uma representação visual de uma
pessoa que tem braços abertos para acolher conhecimentos
variados e, ao mesmo tempo, profundidade de capacitação e
experiência em algum campo específico. Na verdade, o
pessoal na IDEO tem mais a forma de F ou, no máximo, de E
(conhecimentos variados e razoável aprofundamento em
apenas dois ou três campos). Inovadores vivem uma vida
variada. Graças à maneira como gastam seu tempo,
pensadores iluministas dos séculos XVIII ou XXI vêem os
problemas de forma mais clara, identificam as causas-raiz
com maior rapidez e criam soluções que são mais relevantes.
Entre aspectos do comportamento dos pensadores
iluministas está o fato de eles lerem qualquer coisa, se
meterem em todo tipo de iniciativa comercial e terem
participação ativa em causas sociais — conversando,
portanto, com gente de toda a espécie. Tudo isso promove a
criatividade conceitual.
Não é essa a nossa vida. Na verdade, segundo o American
Time Use Survey, os norte-americanos gastam mais da
metade do tempo dedicado ao lazer vendo televisão (2,6
horas por dia), e apenas 45 minutos por dia conversando
com outras pessoas. Pior, essa conversa em geral não se dá
em redes sociais tolerantes. Pelo contrário, são nichos de,
por exemplo, colegas de trabalho, sócios de clubes que
juntam gente de origem igual ou, se a "conversa" é
midiatizada por meio de artigos e textos, escolhemos os que
só reforçam nossos conhecimentos já adquiridos, em vez
dos que poderiam abrir nossas cabeças para outras coisas.
Apesar de serem relaxantes, essas atividades determinam um
campo estreito de experiências, e nos arriscamos a extinguir
nossa capacidade coletiva de criar. De formular novas
combinações entre pedaços aparentemente não relacionados
de informação, conhecimento e experiências. Devíamos nos
obrigar a viver de forma mais ampla.
Uma luz no fim do túnel é uma comunidade empresarial
chamada TED (Technology, Entertainment and Design). A
razão de a conferência deles — realizada anualmente em
Monterrey, Califórnia — ter se tornado imperdível para
muitos líderes do mundo de hoje é que lá se oferece uma
programação singular em matéria de abertura. A TED
convida conferencistas das mais divergentes disciplinas e
encoraja os participantes a ler no subtexto e achar ligações
nem um pouco óbvias entre campos. Neuronautas
conversam com astronautas, poetas com artistas pop,
prêmios Nobel com empresários de capital de risco. É assim
que a TED promove a ligação entre comunidades
completamente divergentes. A TED é uma espécie de
exemplar contemporâneo do que seria um café parisiense do
século XIX: um lugar na esfera pública para desenvolver a
fertilização de grandes idéias por meio de diálogo, debate e
com cobertura da imprensa. Claro que temos milhares de
cafés onde poderíamos fazer a mesma coisa, mas os cafés de
hoje são completamente diferentes dos cafés antigos. Para
começar, o café custava uma moedinha. Lá dentro tanta
coisa acontecia e tinha tanta gente interessante que esses
cafés eram chamados de universidade, Penny Universities (a
universidades da moedinha).
Durante o Iluminismo, a comunicação se dava publicamente
em instituições que incentivavam a discussão de grandes
temas. Instituições que incluíam academias, salões,
sociedades secretas e cafés. Elas tinham papel importante na
formação da opinião pública, mas também na abertura de
cabeça das pessoas, pois juntavam gente dos mais variados
interesses, origens e filiação partidária. E as Penny
Universities eram as mais interessantes delas.
Cafés surgiram pela primeira vez em Constantinopla (hoje
Istambul), no século XVI, e chegaram na Europa (Veneza)
por volta de 1645. O poder religioso local imediatamente
acusou o café de ser uma bebida de infiéis, mas o papa
Clemente VIII rejeitou as alegações, permitindo que o café
se tornasse uma auto-indulgência aceitável entre os
católicos. Nos estados germânicos também houve re-
sistência, mas dessa vez por razões econômicas, e não
teológicas. O café era importado, e por causa de sua imensa
popularidade, havia o perigo potencial de provocar um
déficit comercial significativo. Assim, monarcas alemães
promoviam o chá de ervas, conseguindo manter o café sob
controle em algumas regiões. Recepção fria também
esperava o café entre os súditos do império britânico. Eles
achavam que o café era "anti-inglês" e puniam aqueles que
solapavam dessa forma a tradição de dar vivas ao rei (só
cerveja servia para isso). Aliás, o medo do café era tanto na
Inglaterra, que havia distribuição pública de panfletos
advertindo a população masculina que muito tempo gasto
nos cafés provocava infertilidade. Apesar de todos esses
esforços para impedir sua disseminação, os cafés rapida-
mente tomaram a Europa, invadindo a Inglaterra em 1650, a
Alemanha em 1671, a França em 1672 e Viena em 1683. Na
época em que a famosa pergunta de Zöllner apareceu na
imprensa, havia quase mil cafés apenas na cidade de Paris.
Mas por que os cafés eram temidos por alguns e amados por
tantos?
Eram muito mais do que um lugar para beber alguma coisa.
Diderot escreveu na sua Encyclopedia, publicada entre 1751
e 1772, que os cafés eram "fábricas de idéias, tanto as boas
quanto as más". Mesmo que isso pareça familiar à nossa
encarnação atual de cafés, os estabelecimentos eram na
verdade bem diferentes. Os cafés eram muito freqüentados,
e mais ainda enaltecidos. Escreviam-se canções sobre eles, e
havia jornalistas de plantão, como se os cafés fossem porta
de delegacias. Johann Sebastian Bach escreveu uma cantata
laica em homenagem ao café em 1723, contando a história
de uma garota que tinha se viciado em café e que havia
decidido se livrar do hábito para poder casar. Mas ela recusa
todos os pretendentes que a proíbem de beber café. No
governo, a política do cafezinho nasceu e trouxe com ela os
políticos que trocam de partido ao sabor das modas. Jornais
foram lançados com uma única e enorme coluna: a das
fofocas ouvidas nos cafés. Entre esses, o Tbttler e o
Spectator — e eis uma idéia que talvez interesse à Starbucks:
esses jornais costumavam aceitar artigos e ensaios dos ratos
de cafés, e, depois de publicados, os textos eram lidos alto
entre eles. Idéias tinham seu ponto de ebulição nos cafés,
tanto as que eram contra a monarquia quanto as que eram a
favor. Então, todos usavam o mesmo veículo.
Tanto apelo tinha sua razão de ser. Primeiro, por uma
moedinha de nada você ficava horas lá dentro sem que
ninguém o obrigasse a consumir mais, como era o caso das
cervejarias. Segundo, você se educava. E terceiro, os cafés
eram o lugar de encontro ideal se você pertencia a uma
sociedade secreta como a Royai Society of London, a Lunar
Society of Birmingham, a Dilettante Society, o Hell Fire
Club, o Ugly Club e a Wednesday Society. Nos anos 1770, o
Club of Honest Whigs se reunia quintas à noite em um café
de Londres. Seus membros incluíam Benjamin Franklin,
Joseph Priestley, Richard Price e outros. Discutiam de tudo,
desde teorias da eletricidade a lutas pela liberdade da
Córsega. O valor agregado desses cafés, que os de hoje não
têm, é que neles as pessoas não ficavam apenas perto umas
das outras, elas se sentiam obrigadas a dizer algo inteligente,
trocar idéias publicamente.
As sociedades secretas também ajudavam. Eram formadas
em geral para discutir assuntos políticos, como censura a
jornais, reforma legislativa e os privilégios da aristocracia.
Seus membros também usavam as reuniões para testar suas
idéias. Clérigos faziam prévias de sermões, editores
mostravam pedaços de novas histórias e cientistas ficavam
sabendo de novas teorias. Uma dessas sociedades, a
Wednesday Society, que floresceu nos anos 1890, reunia
um grupo poderosíssimo: os editores do Berlinische
Monatschrifft, o mais importante periódico mensal de
Berlim; os membros do departamento de justiça da Prússia
encarregados da reforma do código penal; os médicos
particulares de Frederico, o Grande; o tutor pedagógico do
príncipe herdeiro; e membros da hierarquia religiosa da
cidade. Essas sociedades eram mais do que grupos sociais e
funcionavam sob estatutos severos. Primeiro, todos os
membros só eram citados por números, não pelos seus
nomes, para que a atenção geral se detivesse nos assuntos
tratados, não no poder de quem os estava apresentando.
Segundo, assuntos muito especializados eram proibidos: os
temas deveriam sempre ser dirigidos ao interesse do "bem-
estar da humanidade". Terceiro, antes que alguém pudesse
fazer uma réplica, todos os outros deveriam falar primeiro.
Isso permitia que todas as idéias fossem recebidas em um
mesmo formato aberto, antes de se instaurar um debate.
(Lembre como informações diferentes levam a ligações
inovadoras. Pois isso era inerente nas regras das sociedades.)
Além das sociedades secretas, havia os maçons. Apesar de o
movimento maçónico ter sido fundado no século XVII, na
Inglaterra, por pedreiros, a guilda abriu sua sociedade para
artesãos, aristocratas e até mesmo mulheres, uma idéia bem
liberal para a época. Tal abertura era uma forma de se
arranjar dinheiro para prestar serviços às famílias dos
membros (lembre: necessidade e invenção).
Dê um salto para o futuro e teremos umas pálidas sombras
de sociedades iluminadas, embora sem o prestígio que já
tiveram. O mais perto que dá para chegar do que existia,
hoje, é a universidade, mesmo que o papel da universidade
esteja em plena transformação, em sua definição básica de
local onde mora o conhecimento. Por exemplo, em 1970, se
alguém perguntasse: "Quais são as pessoas com mais
informação em todo o planeta?", você provavelmente pen-
saria em professores universitários, pesquisadores e um ou
outro esforçado jornalista. Hoje, as pessoas com mais
informação são os "filhos do milênio", aqueles que nasceram
entre 1982 e 1993. Nos próximos dez anos, 80 milhões de
baby boomers vão se aposentar e ser substituídos, como
força de trabalho, por 75 milhões de "filhos do milenio". A
sugestão é de Neil Howe e William Strauss no livro
Millenniáls Rising: "A Geração do Milênio vai remodelar
completamente a imagem que temos da juventude: de
desinteressada e alienada, ela vai passar a ser enérgica e
engajada, e isso trará conseqüências potencialmente sísmicas
para a América".
Ao contrário dos seres humanos nascidos antes que a
espécie adotasse, toda ela, o mesmo nome-do-meio —, os
filhos do milênio nunca sofreram as agruras de ter de ler,
lembrar e organizar informações para fazer resumos de
livros, apresentações em bar mitzvahs e discursos de
padrinho de casamento. Nada na vida deles que se compare
com as durezas e dificuldades das gerações anteriores. Para
os filhos do milênio, o mundo inteiro está ao alcance de um
clique de mouse. Por que memorizar alguma coisa quando
existe o Google? O que lhes falta em sabedoria, sobra em
informação. A única diferença entre a informação de 1970 e
a de hoje é o lugar em que ela se aloja: em vez de ser na
cabeça, os filhos do milênio preferem guardá-la na ponta dos
dedos. Por que entupir os neurônios quando você dispõe de
alguns terabytes na palma da mão? Bem, aqui vai um motivo.
Lembre de como o conhecimento armazenado na memória
de longo prazo interage com novas experiências e
informações aleatórias para criar condições para uma
epifania. Os líderes da próxima geração vão, com certeza, ser
capazes de navegar pela informação de forma mais rápida do
que os das gerações anteriores. Mas aqui está a grande
questão: Será que eles vão conseguir criar com a mesma
presteza? Quando eu passeio pelo campus da universidade,
sempre me impressiono com sua forma de comunicação.
Tocadores de MP3 permanentemente enfiados nas orelhas,
nariz grudado na tela dos celulares, através dos quais
mandam mensagens de textos para amigos que eles nunca
viram pessoalmente, eles, além disso, também andam e
falam, tudo ao mesmo tempo. Os filhos do milênio não têm
lembrança alguma de um tempo pré-computador, pré-celu-
lar ou pré-internet. Processamento paralelo e multitarefas
são algumas das habilidades dessa geração, mas são mais do
que isso, são um modo de vida. Mas o que me preocupa em
relação a esses futuros líderes é a relação deles com o saber,
a busca do saber. Minhas preocupações podem ser resumidas
pela resposta que recebi uma vez de um estudante, quando
perguntei qual era seu produto novo favorito: "Meu produto
novo favorito é a Wikipedia (enciclopédia online feita por
usuários)". Pedi que explicasse: "Porque você não precisa
mais pensar". E o pior é que o resto da classe caiu na
gargalhada, em concordância. Ficou claro que ele não era o
único.
Hoje quem está mais ligado é quem tem mais informação.
Mas isso não torna a pessoa mais criativa. Meu argumento é
que eles, pelo contrário, estão arriscando perder de vez sua
capacidade criativa ao não exercer as funções de memória e
atenção. Por outro lado, com os avanços tecnológicos, essa
geração também tem uma vantagem única por poder estudar
o modo como pensamos. Há um interesse renovado em se
pensar sobre como se pensa (com uma sutil diferença). Esses
pensadores atuais continuam sendo filósofos, mas não têm
mais esse título. Agora são chamados de neurocientistas
cognitivos. Armados até os dentes (o que pode ser um
perigo) com tecnologia avançada, em forma de sensores de
pele, máquinas MRI funcionais e EEG, esses filósofos e
psicólogos de hoje estão lançando novas luzes sobre a
criatividade. O mais promissor é que suas descobertas
apontam para a necessidade de perseverar na busca do
conhecimento, exercitar a memória e, ao que parece, ainda
não está na lista de recomendações o não ter mais que
pensar. Se você quer criatividade, continue a exercitar sua
memória, atenção e percepção, mesmo que nossa época
traga a informação a um simples clique. Não desista de
pensar, não ainda. Mantendo o mesmo clima do capítulo:
leia muito, busque se relacionar com pessoas diferentes de
você, vá a um evento a que você nunca foi e sobre o qual
você nada sabe, ou entre em um curso sobre um assunto
completamente irrelevante para seu trabalho. É fácil não ser
quadrado se você não viver trancado dentro de uma caixa.
O que nos traz de volta aos quadrados (isto é, às
convenções), em sua relação com o pensamento inspirado.
No fim, quadrados podem ser mais úteis para a sua
criatividade do que você imagina.
Com esse novo precursor dos momentos-eureca, vamos para
o próximo capítulo.

Resumo e exercícios criativos

• Fazer ligações não-ortodoxas entre campos diferentes
pode ser árduo do ponto de vista biológico, mas não é
impossível. Fazer ligações é como respirar, é algo natural e,
também como respirar, é algo sobre o qual você tem
controle.
• Para aprender a fazer ligações não-ortodoxas, mantenha
na cabeça os problemas não resolvidos, mesmo quando você
não está preocupado em resolvê-los. À medida que você
tem novas experiências, tente torná-las relevantes para a
solução do seu problema.
• A crescente especialização (habilitação) pode melhorar a
produtividade individual e do grupo, mas pode atrasar a
criatividade. Gaste tanto tempo aprendendo coisas sobre as
quais você nada sabe quanto com as coisas que você já sabe.
• Se você tira férias para descansar, tire férias também para
pensar. Parece que foi isso que funcionou com o Bill Gates,
que promove uma Think Week anual. De repente funciona
com você também. Leve uns livros, revistas, artigos e outras
informações que possam provocar inspiração e ajudar você a
pensar sobre as coisas.

Em posições opostas
Convenções

Abbott e Costello. Dean Martin and Jerry Lewis. Beavis e
Butthead. Há algo implicitamente engraçado com a
justaposição de contrários. Eles nos fazem rir. Isso ocorre
porque, quando juntos, os contrários nos obrigam a
processar idéias não relacionadas como um único conceito.
A união dos opostos funciona um pouco como a relação
entre a construção e a frase final de uma piada: é engraçado.
Por exemplo, pense na "melhor piada do mundo",
vencedora de um concurso de piadas organizado por
Richard Wiseman, na Universidade de Hertfordshire:
Dois caçadores de Nova Jersey estão no meio da mata
quando um deles cai no chão. Ele não parece estar
respirando, os olhos vidrados. O outro pega o celular e
chama o serviço emergência. Fala, quase sem ar, para a
telefonista: "Meu amigo morreu! O que eu faço?"
Até aqui, não há humor nenhum. Na verdade, a história
parece qualquer coisa, menos engraçada. Mas veja o que
acontece quando acrescentamos a frase final:
A telefonista, em tom calmo e pausado, diz: "Tenha calma.
Vou ajudar você, mas, primeiro, vamos ter certeza de que
ele morreu". Há um silêncio, depois ouve-se um tiro. Ele
volta, diz: "Pronto, e agora?"
Deliberadamente, a construção da piada manda sua mente
em uma direção, e a frase final para outra, oposta. Quando a
construção e a frase final da piada se encontram, é criado o
humor.
A ciência atrás de uma boa piada vem com um fenômeno
ainda mais revelador: depois de escutar a piada, seu humor
não dura. Claro, pode ser engraçado contá-la outra vez (caso
você consiga se lembrar dela), mas, se ouvi-la de novo, o
humor estará perdido. Isso acontece porque você já fez a
ligação e sabe o que está a caminho. A construção e a frase
final da piada não são mais duas idéias opostas, mas, ao
contrário, um todo coeso. Uma vez obtida a coesão, uma
regra a respeito dela se instala em sua mente. É o lado ruim
do aprendizado, no que concerne à criação de ligações não-
ortodoxas — um precursor de insights criativos já discutido
aqui. Depois que você fez a ligação, há o risco de ficar preso
pelas suas leis. O que estava em aberto em sua mente, como
uma pergunta não respondida, agora se encontra resolvido
— seja a frase final de uma piada ou a solução apropriada
para um problema. Portanto, você não tem mais curiosidade,
pois já tem "a resposta". Isso explica por que é tão difícil
imaginar um mundo sem carros, computadores ou fraldas
descartáveis. O que pode ter sido uma idéia maluca, agora é
um lugar-comum. O não-ortodoxo agora é convencional. O
impossível se torna possível.
Com o tempo, à medida que você aprende novas coisas —
piadas ou tarefas —, sua experiência cria convenções e
crenças em sua mente a respeito de como as coisas
funcionam. A dificuldade é que muitas vezes não temos
consciência desses preconceitos que carregamos na mente.
Por exemplo, veja se você pode resolver esse enigma: No
ano passado foram registrados 20 casamentos de um único
indivíduo, natural dos Estados Unidos. Todas as noivas estão
vivas, não houve divórcio nem ilegalidade. Você
provavelmente se faz a pergunta: "Como um homem pode
se casar legalmente com 20 mulheres diferentes ao mesmo
tempo?" E, com isso, sua tentativa de resolver o problema
provoca respostas do tipo: ele era um mórmon
fundamentalista ou qualquer outro raciocínio que permita
contornar a noção de que é ilegal se casar com mais de uma
mulher. No entanto, aqui é onde as convenções, essas idéias
em que cremos profundamente, interferem na nossa
capacidade de resolver problemas. A dificuldade em achar a
resposta correta está baseada nas crenças pessoais sobre a
palavra casamento. A palavra, na verdade, pode ser
compreendida de duas maneiras: "se casar" e "cerimônia".
Nesse caso, a resposta envolve essa segunda definição: o
indivíduo da frase não é o noivo, e sim o padre.
Crenças podem ajudar ou atrapalhar o processo criativo.
Como veremos no Capítulo 10, códigos criativos, heurística
e regras de ouro podem ajudar a tornar a criatividade mais
lógica e gerenciável, mas, se forem aplicados de forma
incorreta, poderão prejudicar o insight criativo. Voltando à
idéia de que, uma vez aprendendo algo, você terá
dificuldade em esquecê-lo: se escutar outra vez o enigma
sobre o padre, você vai lembrar invariavelmente da resposta
correta, assim como lembraria da frase final de uma piada já
conhecida. Sua crença sobre qual poderia ser a resposta
correta pode ajudar, mas pode também, no caso da piada,
eliminar a espontaneidade. Uma vez conhecida a frase final,
o humor estará perdido. A questão com as crenças, quando
se trata de resolver problemas, é que você as testa com
qualquer assunto: como um novo produto deve ser, como
eliminar a pobreza e até se você "fica bem com esses jeans".
Há muitas crenças! E fica pior: mesmo que você consiga
identificar e definir crenças prevalentes em determinada
área (por exemplo, lembrar das duas definições da palavra
casamento), isso não garante que você consiga fazer o
mesmo em outras áreas. Quer dizer, temos crenças a
respeito do significado da palavra casamento, e também
quanto a várias outras palavras, pessoas, lugares etc.
Para ilustrar a complexidade e a natureza onipresente das
crenças, tente esse novo enigma: "Um pai e filho estão em
um automóvel e sofrem um acidente. O pai morre e o filho
é levado às pressas para um hospital. O melhor profissional
da especialidade é chamado para realizar uma operação
delicada. Quando a operação é concluída com sucesso, essa
pessoa olha para a cara do menino pela primeira vez e diz:
Meu Deus, é meu filho!".
Se houver uma eventual dificuldade em resolver o enigma,
isso não é "culpa" sua, mas sim de suas experiências de vida,
que formam a base de seu sistema de crenças. E, porque se
baseiam em experiências, as crenças tendem a ficar cada vez
mais fortes. A resposta desse enigma é que "o melhor
profissional" é uma mulher, mãe do menino. A palavra
profissional pode estar mais associada a uma figura
masculina, da mesma forma que casamento está associado a
"se casar". A menção a um pai e seu filho, no início da
construção do enigma, também ativa a associação com
figuras masculinas. Essas associações poderosas se combinam
para apresentar um preconceito inconsciente, o de que o
profissional em questão deve ser um homem. Então, mesmo
se você questionou com sucesso suas crenças em relação à
palavra casamento, você pode ficar preso a outra palavra:
profissional. Agora pense em como os preconceitos estão
sujeitos a contextos e experiências. Por exemplo, no
contexto da contemporaneidade, quando não é incomum
crianças com ambos os pais de um mesmo sexo, e quando há
ótimos profissionais da medicina do sexo feminino, o
enigma da sala de cirurgia tem soluções mais fáceis. Mas no
contexto dos anos 1970, quando havia poucas médicas (na
verdade, nos Estados Unidos, o número de médicas se viu
multiplicado por dez entre 1970 e 2001), a coisa muda.
Preconceitos, alimentados por experiência, cultura,
sociedade e memória, ajudam a explicar por que
pesquisadores e empresários muitas vezes são mais criativos
em suas teorias e experimentos no início de suas carreiras.
Não é apenas porque mantêm algum nível de idealismo em
seu pensamento. É também porque não estão totalmente
estabelecidos em seus caminhos. Lembre que Isaac Newton
tinha só 23 anos quando a força universal da gravidade
apareceu em sua mente. Albert Einstein tinha 28 quando
teve sua famosa "experiência de pensamento"; e Bill Gates
estava com 26 quando licenciou o sistema operacional
QDOS à IBM. Bilionários nascidos na internet, biotecnologia
ou fundos hedge não são exatamente uma novidade dos dias
de hoje. Jovens sempre criaram o futuro. E em parte por sua
inexperiência. Experiência produz convenções, e apesar de
convenções poderem produzir sucesso, também podem
atrapalhar sua próxima grande idéia. Além disso, sucesso é
faca de dois gumes: depois que você realizou algo, sua
vontade exploratória muitas vezes termina. Assim, seu
sucesso pode frustrar sua criatividade. Afinal, você já sabe o
que funciona, então por que ficar tentando coisas novas?
Mais do que isso: lembre-se que, à medida que enve-
lhecemos ou ganhamos mais experiência em determinado
assunto, convenções se tornam mais difíceis de quebrar.
Não podemos voltar o relógio para trás, mas podemos voltar
atrás em nossas crenças e questionar as convenções. Talvez
você lembre que eu, no início do livro, falei para você não
desistir ainda de ser uma pessoa quadrada. Agora é hora de
pensar no quadrado.
Convenções criam limites artificiais em nossa mente — e
você fica quadrado. Se você aprender a identificar,
questionar, torcer, virar pelo avesso e, portanto, reconstruir
esse quadrado, poderá criar condições para pensamentos
mais criativos. Uma das maneiras de questionar as
convenções é aprender a pensar em posições opostas ao
mesmo tempo. A dificuldade, particularmente para aqueles
de nós que nasceram e cresceram no Ocidente, é que
integrar opostos (com a exceção de advogados) não faz parte
da nossa cultura. Na verdade, em certo grau, somos
ensinados a pensar em absolutos: preto ou branco, esquerda
ou direita, papel ou plástico. Qualquer coisa diferente de um
pensamento categórico nos parece estrangeiro, ou
histericamente engraçado.
Um pensamento que integre opostos é precursor de insights
criativos, pois momentos-eureca freqüentemente vêm como
resultado de uma mudança brusca na forma de processar
informação. A mudança nos obriga a ver problemas e
situações de forma diferente: a parte de trás na frente, de
cabeça para baixo, do avesso. Pensar em termos opostos é
uma habilidade cognitiva altamente desejável quando
tentamos solucionar um problema ou criar uma nova idéia.
O estudo dos opostos é chamado de dialética. A idéia geral é
que, ao estudar contradições, estaremos mais bem equipados
para conseguir soluções criativas. No processo dialético você
estabelece uma tese, desenvolve uma antítese contraditória
e, então, combina as duas para chegar a uma síntese
coerente. Eis um debate dialético: As pessoas gastam mais
dinheiro porque estão infelizes? Ou as pessoas estão infelizes
porque gastam mais dinheiro? Quem concorda com a
primeira formulação — as pessoas gastam dinheiro para
preencher um vazio — pode sugerir um hobby para resolver
o problema, percebido como um vazio. Quem concorda
com a segunda formulação — as pessoas estão infelizes
porque estão falidas — pode sugerir um controle
orçamentário para resolver o problema, percebido como
irresponsabilidade financeira. As duas soluções são bem
diferentes, e, além disso, nenhuma delas é assim tão criativa.
E você continua falido e infeliz. Aqui é que o pensamento
em opostos pode ajudar em uma solução criativa
provavelmente superior às concebidas a partir de uma única
perspectiva.
Examinando os dois lados da questão (integração de
opostos), você chega a uma solução mais holística e
preenche tanto o vazio emocional (o hobby) quanto a falta
de controle (o orçamento). Ver ambos os lados, em vez de
isso ou aquilo, é a premissa central do pensamento em
opostos. E serve também para quebrar convenções. Neste
exemplo, você provavelmente tinha uma opinião a respeito
da causa-raiz do problema daquela pessoa. Para a maioria de
nós, criados no Ocidente, viver é negociar: se você baixar
impostos, vai haver corte em programas sociais; se aquilo faz
bem para a saúde, só pode ter gosto ruim; e se parecer bom
demais para ser verdade, é. No Ocidente, não encorajamos o
meio termo (harmonia); em vez disso, somos a favor de "ter
opiniões" (ou seja, tomar partido). Mas os que criam o futuro
são aqueles capazes de introduzir idéias baseadas em ambos
os lados (por exemplo, "é delicioso e também não tem
gordura trans"). Eles — e não os que pensam em termos
disso ou aquilo. Em vez de se ver como um peixe graúdo
num lago pequeno, ou um peixinho miúdo num grande
lago, escolha uma terceira via: existem peixes bem grandes
vivendo em lagos enormes (sendo que esses são os que
questionaram as convenções de suas áreas de atuação, ou os
sucessores deles).
O pensamento em opostos tem sido motivo de debate
acirrado há milhares de anos. Cerca de três mil anos atrás,
mais ou menos na mesma época em que Arquimedes corria
nu pelas ruas de Siracusa, o filósofo grego pré-socrático
Heráclito — cujas idéias influenciaram gerações de líderes
pensadores como Sócrates, Platão, Aristóteles, Nietzsche,
Heidegger, Whitehead, Kant, Jung, Engels, Marx e até
mesmo o presidente Mao Tsé-tung — disse que toda
mudança vem por contradições. Heráclito chamava esse
pensamento em opostos de "Vir a Ser", um processo
contínuo de inter-relacionamento de opostos. Ele escreveu:
"A oposição traz a concórdia. Da discórdia nasce a mais justa
harmonia". E "Pela lei do cosmos, da mesma forma, o dia
traz a noite; o inverno, o verão; a guerra, a paz; a fartura, a
fome. Tudo muda". Platão e Aristóteles foram influenciados
por Heráclito, mas essa influência se deu porque ambos
discordavam dele. Platão acreditava que tudo tinha uma
única definição, um só propósito, uma existência. Aristóteles
anunciou, contra Heráclito, sua "lei da não-contradição". Já
Sócrates usou a idéia de Heráclito no famoso método
socrático, o de questionar ensinando, que você já deve ter
ouvido falar. Fora da Grécia, havia muitos que se "opunham
à idéia das oposições" (o que é uma formulação por si só
bastante irônica). E violentamente. Entre eles, o filósofo
medieval Avicena, que escreveu: "Qualquer um que negue a
lei da não-contradição devia ser espancado e queimado até
admitir que ser espancado não é a mesma coisa do que não
ser espancado, e que ser queimado não é o mesmo do que
não ser queimado".
Apesar de as idéias de Heráclito serem, na época, uma
novidade para o mundo ocidental, a noção de opostos tem
uma longa história no Oriente. Na Ásia, o yin e o yang têm
origem no I Ching, há três mil anos, e nos ensinamento do
mestre taoísta Lao Tsé, há 25 séculos. Para o taoísmo, a
única constante real é a mudança, e "mudanças graduais
criam subitamente novas formas". A idéia de opostos
também está presente entre os astecas no México, os
Lakotas da América do Norte, ou o povo Dogon de Mali, na
África. Mas apesar de relevante em outras culturas, a teoria
dos opostos não pegou no Ocidente. Pode agradecer a
Aristóteles nossa tradição de "ou uma coisa ou outra", a
substituir o "uma coisa e outra".
Alguns acham que a derrota do pensamento em opostos no
Ocidente acontece quando São Tomás adota a doutrina de
Aristóteles fazendo da não-contradição a tese central da
religião medieval. Outros dizem que, porque a filosofia
ocidental deixou de reconhecer que o progresso vem por
meio do conflito de forças opostas, não nos preparamos
adequadamente para as mudanças sem precedentes que nos
atropelaram no século XIX. Mas esse mesmo argumento
também serve para o Oriente. A filosofia oriental reconhece
a mudança como uma constante, mas a vê como cíclica, e
não como um processo evolucionário. Assim, os avanços do
século XIX foram perturbadores para o Oriente também.
Afinal, o século XIX não foi apenas uma época de
contradições a forçar mudanças evolucionárias, foi uma
revolução. A Revolução Industrial mudou tudo, foi uma gui-
nada radical, não tinha nada de cíclica. O engraçado é que,
quando a Revolução Industrial começou, filósofos ocidentais
(entre eles Kant e Hegel), como se fossem gurus de Wall
Street em busca da mídia, passaram a achar que a dialética
não era tão ruim assim e que devia ser "reconsiderada".
Afinal, como explicar uma mudança tão dramática? Eles
precisavam arranjar alguma filosofia sólida para a resposta.
Mas não vamos desperdiçar a dialética ficando só na
filosofia. Sempre que você tropeçar em uma convenção
arraigada, lembre que pensar em opostos é instrumento
relevante na geração de insights criativos. E estamos falando
de governo, indústria, organizações e de pessoas como eu e
você. Na busca do insight criativo, pensar em opostos faz
com que você se livre de convenções previamente formadas
(crenças) sobre o que funciona e o que não funciona, o que
é possível e o que não é, o que podia ser versus o que é. Para
mostrar como convenções nos cegam, veja como o
pensamento em opostos ajudou a gigante de produtos
eletrônicos Sony a se livrar de umas crenças sobre os
produtos que vendia.
Nos anos 1970, a Sony abandonou temporariamente um
projeto muito importante, o desenvolvimento do CD,
porque ninguém lá achava viável pôr 18 horas de música em
um único objeto. De onde vem o número 18? De um CD de
12 polegadas, claro — a mesma forma e diâmetro do
formato já existente, o disco long-play. A Philips, o gigante
holandês de eletrônica, tinha um ponto de vista diferente,
graças a seu questionamento das convenções sobre
reprodução de músicas. No espírito de se reunir para discutir
um padrão universal de áudio, a Philips mandou uma equipe
ao Japão para uma reunião com os engenheiros da Sony.
Sem saber que a Sony já havia interrompido o trabalho com
o CD, os pesquisadores da Philips compartilharam seu
protótipo de CD com a Sony. O protótipo da Philips era mais
ou menos do tamanho de um CD de hoje, cerca de 5
polegadas. De onde a Philips pegou essa medida? Seus
pesquisadores perguntaram ao maestro Herbert von Karajan
que capacidade de disco ele achava apropriada. Sua resposta
foi: "Se você não conseguir pôr a Nona de Beethoven em
um lado, não é grande o suficiente". Cinco polegadas dava
direitinho.
A Sony, como muitos candidatos a inovadores em busca do
próximo momento-eureca, ficou presa pelo passado, que é o
maior concorrente do futuro. E ficou presa não só no tempo
como no espaço. Seus pesquisadores estavam atentos ao
tamanho do produto (o espaço para encher) e, assim, não
puderam ver o conceito do produto (o tempo desejado). Por
isso, a Sony pensou: "Como calcular o preço de um CD com
18 horas de música, e quem vai querer uma coisa dessas?".
Para a Sony, a história não fechava, e com isso o projeto foi
suspenso. Um estalo (o protótipo da Philips, construído a
partir do tempo, e não do espaço) e, de repente, o programa
da Sony recuperou todo o seu vigor. A Sony teve sorte: a
Philips, a essa altura, já pensava diferente a respeito de como
um CD devia ser.
Não há uma razão específica de por que os engenheiros da
Sony não conseguiram chegar a essa mesma conclusão
sozinhos. Se tivessem questionado as convenções existentes
sobre a gravação de LPs (convenções sobre tamanho: eles
precisam ter 12 polegadas de diâmetro; convenções sobre
conteúdo: você precisa encher todo o espaço disponível
com música; convenções sobre espaço: os LPs precisam ter
dois lados), talvez o conceito do CD aparecesse mais cedo. O
que este caso também ilustra é como até mesmo
pensamentos ou experiencias ágeis fracassam
dramaticamente se a percepção não for boa. Mas assim que
os engenheiros da Sony viram o protótipo e sentiram o
estalo do óbvio, o ponto de vista deles sobre a viabilidade
comercial do CD mudou imediatamente. Nesse momento
eles se livraram de suas crenças e, num instante, viram todas
as possibilidades.
No seu livro de 1962, The Structure of Scientific
Revolutions, o filósofo e historiador da ciência Thomas
Kuhn desenvolveu a noção de que a ciência caminha de
maneira não-linear, e que, portanto, todos os livros escolares
de ciência escritos de forma linear estão errados. Ele
argumenta que você não pode simplesmente acrescentar
conhecimentos novos ao conhecimento que já existe, como
se estivesse pondo fotos em um álbum de família. Em algum
momento, tudo muda e novos livros precisam ser escritos.
Durante a história, os maiores saltos de progresso da
humanidade aconteceram na seqüência de uma mudança
brusca em algum campo determinado. Por exemplo, o
telescópio do século XVII de Galileu, que iria mudar tanta
coisa, foi um tapa na cara das teorias de Aristóteles sobre a
natureza dos corpos celestes. Da mesma forma, a
conceituação da Philips sobre os CDs contradisse a noção
convencional de espaço de gravação, e favoreceu o tempo.
Galileu e Philips questionaram convenções.
Cientificamente, o fenômeno que atrapalha o pensamento
criativo é chamado de fixação funcional — um entrave
cognitivo que limita a percepção de uma pessoa sobre a
utilidade de um objeto, a partir do seu uso tradicional.
Fixação funcional é uma barreira comum em criatividade,
provocando tropeços legendários, como o do co-fundador
da Digital Equipment Corporation, Ken Olsen, que declarou,
em 1977: "Não há razão alguma para que uma pessoa tenha
um computador dentro de casa". Para ser justo com Olsen,
por volta de 1977, os computadores tinham o tamanho
médio de metade de uma grande sala de jantar. Mesmo
assim, ele estava fixado funcionalmente. O objeto de sua
fixação era o computador que existia na época, um sistema
grande usado por grandes corporações. Mas, ainda assim, o
que Olsen não conseguiu ver — usos alternativos para o
computador — foi aquilo que o incapacitou. Em retrospecto,
o comentário dele parece ridículo, até mesmo engraçado.
No entanto, na realidade, muitos de nós caímos na mesma
armadilha todos os dias. Simplesmente não vemos o que está
na nossa frente até conseguirmos nos libertar de nossa
fixação. Todas as novas idéias são culpadas até prova em
contrário. E o que acontece é que, quanto mais experiência
uma pessoa tiver em um campo de trabalho, empresa ou
ramo industrial, mais é possível que ela fique fixada nas
soluções já disponíveis. No campo da criatividade, a fixação
funcional é uma das primeiras barreiras da criação de
novidades.
O conceito de fixação funcional foi percebido pela primeira
vez pelos psicólogos da Gestalt, que enfatizavam o
processamento holístico da informação, ou seja, que o todo
é mais do que a soma das partes. A charada das duas cordas,
de Maier, é sempre usada para ilustrar o que é fixação
funcional. Nessa charada, o participante fica em um quarto
com duas cordas amarradas no teto, as duas de igual
comprimento. O objetivo é que ele amarre as pontas das
duas cordas, uma na outra. O problema é que, embora as
cordas sejam longas o suficiente para serem amarradas, elas
são curtas demais para permitir que a pessoa agarre uma
corda, vá até a outra, agarre essa outra e amarre as duas
juntas (Figura 9.1). Dispersos pelo quarto há alguns objetos:
uma bandeja, alguns livros, uma cadeira, um alicate, um fio
de extensão elétrica e uma caixinha de fósforos.
Para resolver o problema, é preciso localizar sua causa-raiz.
A causa-raiz pode ser vista como: a corda é muito curta;
meus braços são muito curtos; a ponta da corda não fica
parada onde eu quero que fique, enquanto vou lá pegar a
outra ponta; a corda não vem sozinha até onde estou. Graças
aos objetos espalhados pelo quarto, qualquer dessas
hipóteses pode ter solução. Por exemplo, a extensão elétrica
pode aumentar uma das cordas, ou outro objeto (a cadeira,
por exemplo) pode ampliar o alcance das mãos etc. Quando
o único objeto do quarto passa a ser um alicate, as soluções
ficam mais limitadas. Cerca de 60% dos participantes
fracassaram em achar uma solução no prazo máximo de dez
minutos, porque viam os alicates apenas com o seu uso de
ferramenta tradicional, não reconhecendo que poderiam
usá-lo como um peso de pêndulo, balançando a ponta de
uma das cordas e resolvendo, assim, a causa-raiz do tipo "a
corda não vem sozinha até onde estou".

Figura 9.1. A charada das duas cordas

Fonte:
De: http://psy.ucsd.edu/-mckenzie/Problem%20Solving.pdf

A maioria de nós tem dificuldade em ver o alicate de outra
forma que não a de ferramenta, porque foi assim que
aprendemos a vê-lo. Por força de hábito, estamos fixados no
fato de que sua função é a função de um alicate. Se
ultrapassarmos essa fixação, poderemos ver seus outros usos:
peso (peso de papel, de um pêndulo, como arma, como
chumbo para vara de pescar), condutor de eletricidade
(fusível emergencial, contato de bateria) etc. É muito
importante vencer a fixação funcional, porque inovação
significa justamente encontrar novos usos para um
conhecimento já adquirido. Temos de tentar ultrapassar essa
barreira, de que um determinado conhecimento serve para
apenas uma coisa.
Há mais um insight disponível na charada das duas cordas.
Lembre-se da dica da Philips para a Sony. A dica foi o
protótipo compartilhado. E assim que os engenheiros da
Sony o viram, perderam imediatamente sua fixação a
respeito das 12 polegadas — 18 horas. Esse fenômeno
também esteve presente na charada das duas cordas. Aqui,
durante algumas sessões, o monitor dava a dica ao encostar
"aparentemente por acaso" em uma das cordas, pondo-a em
movimento — o que provocava nos participantes a idéia de
que deviam dar um jeito de fazer as cordas balançarem. Essa
dica pequena, mas relevante, quebrava a convenção de que
alicates são apenas ferramentas. Podem ser pesos. Uma vez
dada a dica, o desempenho na solução do problema
melhorou. Aliás, com a dica, apenas 23% dos participantes
continuaram empacados na solução do enigma.
Se a Sony de repente percebeu que precisava mudar de
perspectiva e começar a pensar em opostos, Henry Ford fez
a mesma coisa. Ele concebeu sua grande idéia a partir de um
pensamento de trás para a frente. Lembre da transferência
de conceitos que Ford fez ao levar uma linha de
desmontagem (do boi) para uma linha de montagem (do
carro). A pergunta é: Como ele apareceu com essa idéia? O
que Ford não viu, o que não estava lá, foi o mais relevante
para a epifania dele: ele não viu a linha de montagem —
uma fila de coisas para serem juntadas. Viu só a idéia de filas
como possibilidade de produção em massa. Ao visitar as
processadoras de carne de Chicago, só havia
"desmontagem". Não havia "montagem". Abatedouros não
juntam bois, cortam-nos. William Klann, chefe do departa-
mento de motores de Ford, lembra do que foi dito durante a
pouco atraente visita à empacotadora da Swift, em Chicago:
"Se eles matam porcos e vacas assim, podemos montar
carros assim também". A grande idéia de Ford veio com um
pensamento em opostos. Ahá!
É importante notar que esse tipo de pensamento de trás para
a frente também pode explicar por que tantas pessoas
criativas têm diagnóstico de dificuldade de aprendizado.
Entre criativos famosos diagnosticados com dislexia e outras
deficiências estão: Alexander Graham Bell, Richard Branson,
Thomas Edison, Leonardo da Vinci, John Lennon, Charles
Schwab, Ted Turner e outros. No campo dos negócios,
poderíamos argumentar que disléxicos têm vantagens
criativas, pois vêem o mundo de maneira diferente, algo que
as empresas gastam muito dinheiro tentando obter. Henry
Ford também era disléxico. Pode ser que sua dislexia tenha
tido um papel no momento-eureca da introdução da linha
de montagem na indústria automobilística. Mas antes, como
Ford teve a idéia de visitar a Swift? O livro The Jungle, de
Upton Sinclair, expunha vivamente a experiência sangrenta
de um abatedouro da Swift em detalhes horripilantes. Foi
publicado em 1906, apenas dois anos antes do início da
produção em massa da Ford e do lançamento subseqüente
do Modelo T, em 1908. Quem diria que um meme (termo
cunhado pelo zoólogo e cientista evolucionário Richard
Dawkins, em 1976, para descrever "uma unidade de
informação cultural transferível de uma mente a outra") de
Upton Sinclair iria acabar na mente de Henry Ford?
Sendo o pensamento em opostos um precursor freqüente de
insights criativos, por que algumas pessoas parecem já nascer
com uma predisposição para ele, enquanto outras têm
tendência a ficar fixadas? É biológico? É comportamento
aprendido? É algo que pode ser influenciado por
experiências socioculturais? Provavelmente essas três coisas
juntas. Depois de fazer muitas consultorias em inovação para
corporações do mundo todo, acredito que a cultura tem
papel significativo na maneira com que cada um lida com
tarefas criativas. Por exemplo, diferenças entre Oriente e
Ocidente em relação à criatividade podem ser observadas e
rastreadas em heranças históricas diferentes, escolas
filosóficas, valores sociais e até mesmo em estruturas
familiares. Os japoneses, por exemplo.
A criatividade ocidental está baseada em liberdades
individuais. Norte-americanos, em particular, admiram
aventureiros de fronteira, pessoas que vivem no limite, que
assumem riscos. A criatividade japonesa é baseada na
harmonia. Há um ideal japonês de i ko ("bom menino"). Os
adjetivos normalmente usados para descrever um iko são
otonashii ("brando"), sunao ("obediente"), akarui ("de olhos
brilhando"), genki ("bem-humorado"), hakihaki ("sempre
alerta") e oriko ("esperto"). Na China, há um conceito
similar, xiao ("devoção filial"). O xiao é ensinado a crianças
pequenas, mas espera-se que seja exercido também por
filhos adultos de pais idosos. Xiao enfatiza o apoio
financeiro, a produção de netos e a preservação do nome da
família. No Japão e na China, você será mais bem visto se for
"um bom menino" em vez de "um rapaz ocidentalizado".
Em relação a metas e objetivos, ocidentais preferem pouco
controle e pepinos cabeludíssimos, o que lhes dá grande
liberdade pessoal, enquanto japoneses preferem metas que
antecedem outras e mais outras, o que promove
conformidade e evita constrangimento público. Isso vem da
filosofia Zen, na qual o único alvo verdadeiro é a iluminação
pessoal, e soluções concretas são vistas como algo meio
decadente. Aliás, o termo ocidental eureca, ligado a
descobertas científicas, tem um correspondente no Japão
com o satori, que significa "iluminação pessoal".
No Ocidente, tentamos sobressair da massa. A criatividade
espontânea é encorajada. No Japão, autores de idéias
originais são quase sempre ignorados pelo grupo, não
inspiram confiança, são mesmo ironizados. Apesar de a
intuição, baseada na meditação zen, ter papel importante no
processo criativo japonês, correr nu depois de uma
inspiração seria visto por lá com grande reserva. No
Ocidente, o caminho mais curto é a linha reta. No Japão é o
círculo — um ir e vir infinito entre o passado, o presente e o
futuro. A diferença fica patente entre filósofos de
criatividade de uma e de outra origem. No Ocidente tem o
certo e o errado, e haverá sempre uma maneira certa de se
fazer qualquer coisa. Ocidentais são objetivos. O Japão é uma
sociedade de lentes multifocais: tudo sempre pode ser visto
de várias perspectivas. Japoneses acreditam em totalidades:
quanto mais perspectivas houver a respeito de um problema,
melhor será a solução. Na verdade, antes da ocidentalização
do país, não havia uma palavra para objetividade na língua
japonesa. Depois, acabaram cunhando
novas palavras para conceitualizar o pensamento ocidental:
objetividade virou kyakkanteki ("o ponto de vista do
visitante") e subjetividade é shukanteki ("o ponto de vista do
dono da casa"). Essas diferenças em filosofia, virtudes e
valores não afetam de forma dramática apenas a criatividade.
Afetam como percebemos o mundo. Impressionado com
isso, o psicólogo Richard Nisbett, da Universidade de
Michigan,
formou uma equipe internacional para estudar diferenças
cognitivas entre ocidentais e orientais. Em uma experiência,
Nisbett pediu a japoneses da Universidade de Kyoto e norte-
americanos da Universidade de Michigan que vissem uma
cena submarina de desenho animado (Figura 9.2) e depois a
relatassem. Os norte-americanos deram grande importância
aos peixes maiores e mais coloridos, e os japoneses falaram
70 % a mais sobre o que havia no fundo: plantas, pedras,
uma cobrinha, o sapinho, as bolhas de ar etc. (veja Figuras
9.3 e 9.4).

Figura 9.3. Relato dos japoneses sobre: cenário original,
nenhum cenário e novo cenário

Fonte: Nisbett, The Geography of Thought.


Em outra experiência, os participantes viam a figura de uma
vaca (Figura 9.5) e deviam ligá-la a uma galinha ou a um
capim. (Tente você também: qual é o par da vaca?)
Ocidentais ligam a vaca à galinha (objetos classificáveis) e
orientais ao capim (campos semânticos).
As descobertas de Nisbett sublinham a natureza do
pensamento oriental, que vê objetos em contexto, enquanto
offentais se fixam em categorias. É como acompanhar
filosofias, valores e culturas do Ocidente e do Oriente. No
Oriente, indivíduos vivem em redes de relações complexas;
já os ocidentais têm um foco grande no eu e em objetivos
individuais.
Como essas e outras descobertas sugerem, o mundo pode ter
linhas retas economicamente, mas culturalmente não há
nada reto.
Pensamos de forma diferente por causa do modo como
vivemos, a que coisas damos valor e a quem admiramos. Se
são diferenças genéticas ou aprendidas ainda está em
discussão. Eis o ponto de vista de Nisbett: "Com certeza não
sou um essencialista que pensa em diferenças genéticas... e
não sou um essencialista que acha que as coisas não mudam.
Não sei quando essas diferenças se tornam incrustadas, e não
sei quão fixadas elas estão nessa incrustação". Mas as
descobertas de Nisbett podem gerar controvérsia em alguns
círculos. Segundo ele, "o universalismo é uma espécie de
religião. Para mim, não se tratava apenas de uma convicção
profunda, era mesmo quase uma religião, isso de pensar que
todos somos iguais. Mas se somos diferentes, precisamos
saber disso. Senão, iremos atribuir as diferenças ao fato de eu
achar o outro um idiota, ou de ele pertencer a algum grupo
que considero inferior etc."
Então, a pergunta é: Quem está certo quando se trata de
criatividade? Énielhor pensar como um ocidental ou como
um oriental? É aqui que o quebra-cabeça se torna mais
complicado. Olhar apenas o processo cognitivo, sem seu
contexto social, pode ser insuficiente. Por exemplo, pode-se
dizer que o viés cognitivo oriental tem uma estrutura pró-
criatividade, já que considera a informação a partir do campo
semântico fquer dizer, dentro de um contexto); e que o viés
cognitivo ocidental tende a se fixar em categorizações, o que
limita as ligações não-ortodoxas e reforça convenções e
crenças anticriatividade. Mas o que falta aos ocidentais em
termos de campo semântico é compensado por entusiasmo,
paixão e zelo empresarial para fazer as idéias acontecerem. E
o que falta aos orientais em termos de aceitação social de
inovações é compensado pela vontade de considerar
perspectivas múltiplas. Se somarmos idealismo ocidental
com holismo oriental teremos a combinação perfeita para
inspiração e produção criativa, para a tradução de idéias em
produtos e serviços tangíveis.
Na busca da grande idéia, o maior obstáculo da criatividade e
do insight pode estar vinculado ao ponto de vista e às
crenças a respeito do que é possível. Para afastar esse
obstáculo à inovação, é importante fazer o diagnóstico certo.
Por causa de sua predisposição em pensar de forma
categórica, ocidentais precisarão se libertar das definições
convencionais e míopes sobre a utilidade das coisas (por
exemplo, o martelo faz mais do que pôr um prego na
parede). No contexto de negócios, isso inclui questionar
quem são de fato seus concorrentes — há o grupo óbvio e
talvez outros, não tão convencionais. Por exemplo, o
software de contabilidade Quicken inclui na sua lista de
concorrência não apenas os contadores pessoas físicas, mas
também o canhoto do cheque do cidadão comum e o lápis.
Pense que produtos você vende de fato, ou, ainda, o que as
pessoas estão realmente comprando — e por quê. Por
exemplo, a Disney vende por um preço exagerado uma
entrada para algo que não é mais do que um parque de
diversões incrementado ou está vendendo um rito de
passagem? Em que ramo industrial você está competindo de
fato? Como você o define? Por exemplo, o McDonald's acha
que é "restaurante de serviços rápidos", seus clientes acham
que é "fast-food".
A divergência entre a auto-definição e a definição dada pelos
outros pode prejudicar a criatividade, pois estaremos tendo
uma percepção de nós mesmos como oferecendo algo
diferente do que as pessoas estão comprando. Em casos
assim, ocidentais tendem a fazer definições muito estreitas,
ou agrupar as coisas de forma incorreta. Ignoram, também,
concorrentes não-óbvios, que parecem não pertencer à
mesma categoria. Assim, ocidentais precisam questionar
mais as convenções, explorando pontos de vista opostos. E
orientais, predispostos por natureza a considerar opostos,
precisam trabalhar para obter redes sociais tolerantes, e mais
valor político e pessoal para obter a confiança necessária
para compartilhar seus pontos de vista singulares. Ou seja,
aprender a se sobressair da massa. Às vezes, escutamos que
orientais não são criativos. Não são visivelmente criativos,
apenas. Talvez precisem receber mais estímulos e
oportunidades para poder falar algo diferente sem temer
ouvir risadas pela sala. Manter a dignidade é uma total
necessidade para eles, mas mesmo isso vem sendo aos
poucos questionado.
No Japão, soozoo ("criatividade") se tornou uma espécie de
mantra nacional. Os japoneses estão aprendendo a gerenciar
essa tensão entre novidade e dignidade por meio do que eles
chamam de círculos criativos: equipes de cinco pessoas
voltadas a desenvolvimento de produtos, com a função de
produzir a próxima grande idéia. O desafio, no entanto, é o
Japão não ter tradição em inovação. Claro que você conhece
marcas japonesas como a Sony. Mas o país, historicamente,
obteve suas idéias da China, da Coréia e da Índia e, nos
últimos cem anos, também dos Estados Unidos e da Europa.
Como acontecia com os italianos do século XIX, que tinham
grande reverência pela arte da representação perfeita, os
japoneses também têm uma longa história de admiração pela
imitação. Os círculos criativos têm a incumbência de tentar
mudar essa maneira de pensar. Ao reconhecer que não
podem continuar a copiar o que outras pessoas inventam no
resto do mundo, os japoneses, em seus círculos criativos,
pararam de discutir como copiar idéias já criadas. Discutem
problemas que vêem nos produtos já existentes, e fazem
brainstorms para obter novas idéias. Até mesmo porque
copiar sem ninguém notar ficou mais complicado com a
redução de barreiras alfandegárias, o aumento do turismo e
das viagens internacionais, o acesso de produtos via internet
etc. Para gerenciar conflitos referentes à criatividade, líderes
empresariais japoneses estão encorajando a auto-confiança
em suas equipes, para que apresentem novas idéias. E fazem
isso copiando um dos dogmas da bíblia empresarial norte-
americana: eles nomeiam líderes de equipe. Esses líderes
são, tipicamente, cientistas renomados com controle sobre
seus próprios orçamentos e autonomia para recrutar
membros da equipe. Então, a pergunta continua: quem é
mais criativo: os pensadores orientais ou os ocidentais?
Resposta: nenhum dos dois.
Tanto ocidentais quanto orientais têm capacidade de criar. A
diferença é que, enquanto ocidentais questionam
convenções publicamente, orientais sempre encontram uma
maneira de fazer isso sem exposição pública. As cartas que
os ocidentais têm na mão — sua disposição de assumir riscos
relativos — são compensadas pela capacidade oriental, a
melhor do mundo, em aperfeiçoar idéias novas. Na busca da
inovação, ambos os perfis são necessários para a vitória.
Depois desses insights sobre como são diferentes os
pensamentos oriental e ocidental, voltemos àquela histórica
reunião da Philips e da Sony sobre o CD. Iam mudar o
mundo, e o viam de forma tão diferente uns dos outros.
Talvez agora tenha ficado mais claro por que novatos têm
tantas vezes uma facilidade muito maior para questionar
convenções na busca por novas idéias. Eles não estão presos
no passado ou fixados no presente. Simplesmente procuram
uma forma melhor de resolver um problema.
Viaje no tempo por algumas décadas, depois daquela reunião
da Philips e da Sony, e lembre que foi um fabricante de
computadores com nome de fruta (e não uma empresa de
produtos eletrônicos) quem mais uma vez questionou as
convenções e criou o passo seguinte no ramo da música.
Mas se a história servir de exemplo, já sabemos que não será
a Apple a criar a terceira revolução da indústria musical. O
futuro favorece quem está por fora. Eu não ficaria surpreso
se a nova mudança radical da reprodução sonora vier de
alguém tão improvável quanto um editor de revistas ou uma
empresa de telecomunicações. Afinal, quem compreende
administração de assinantes, mídia e lazer melhor do que
esses caras? Claro, estou aqui partindo do pressuposto de que
eles estejam minimamente atentos às possibilidades latentes
tanto quanto estão aos produtos que vendem, o que é sem
dúvida muito otimismo da minha parte. Além de ser uma
convenção em si mesma.
A história continua a nos ensinar sem parar, e o maior
concorrente na criação de um futuro desejável é um passado
confortável. O passado, tanto em seus sucessos quanto em
seus fracassos, produz convenções e crenças a respeito do
que funciona e do que não funciona, do que tem valor, do
que não tem, do que é sagrado e do que deve ser mudado. Se
esse passado obteve suas informações por aquisições
culturais ou por sucessos anteriores, tanto faz. O ponto é que
para criar um futuro é preciso saber reconhecer quando, por
que e como as convenções podem ajudar ou prejudicar
insights criativos. Uma sugestão: vire de cabeça para baixo
tudo o que você sabe, sacuda com força e, se sair alguma
coisa, aposte nela. Um cliente meu, bem-sucedido
empresário, uma vez me disse: "Tendências são enganosas.
As grandes idéias estão sempre no contrafluxo".
Depois de discutir os quatro mais freqüentes precursores do
momento-eureca — curiosidade, limites, ligações e
convenções — chegamos no prêmio máximo do Enigma: o
código criativo. O código criativo junta esses precursores tão
díspares e, ao fazer isso, se torna um método pelo qual você
poderá gerenciar de maneira deliberada e organizada o caos
da criatividade.


Resumo e exercícios criativos

• Convenções são crenças que mantemos normalmente
sobre a maneira como as coisas funcionam. Procure
questioná-las para provocar novas idéias.
• Dialética é o estudo de opostos. Momentos-ahá muitas
vezes aparecem quando consideramos o problema de trás
para diante.
• Heurística e regras de ouro estão cheias de hipóteses que
podem ter relevância histórica, mas prejudicam a inovação.
Para questionar convenções, escreva as regras de ouro
aplicáveis a seu problema. E tente questionar cada uma delas
pensando em qual seria o seu oposto.
• A criatividade é influenciada pelo contexto cultural de
cada um de nós. Os do Oriente tendem a considerar mais o
campo semântico: analisam um amplo leque de informações
quando solucionam um problema. Os do ocidente tendem a
se orientar por metas, focalizam alvos específicos para
problemas específicos. Enquanto orientais precisam de um
esforço para conseguir assumir riscos (o que ocidentais
fazem sem problemas), ocidentais precisam se esforçar para
pensar de forma mais abrangente (o que muitos orientais
fazem naturalmente). Nenhuma das duas maneiras de pensar
é superior à outra. Ambas são necessárias para uma inovação
ser bem-sucedida.


Um súbito brilhantismo

O que há em comum entre mestres de xadrez, um seriado
de televisão dos anos 1960, o Gilligarís Island, teatro de
improviso e o empresário serial Stelios Haji-Ioannou?
Códigos. Códigos de criatividade são estruturas nas quais
inovadores geram novas idéias (de preferência, idéias que
funcionem). Como você já deve ter notado a essa altura, o
insight criativo não é necessariamente resultado de eventos
aleatórios. Porque sabem identificar limites, fazem ligações
não-ortodoxas e questionam as convenções, os inovadores,
com o tempo, acabam desenvolvendo uma habilidade quase
automática de geração de idéias. Para isso, usam estruturas
criativas de interpretação do mundo à sua volta. Usam
códigos.
Códigos criativos aparecem após anos de experiência
trabalhando, com ou sem sucesso, em um determinado
campo. É o material do qual é feita a intuição, ou instinto.
Provavelmente você já usou seu próprio código criativo no
trabalho. Alguma idéia sua já caiu como uma luva? Você
podia até não saber por que a idéia era boa, mas sabia que ia
funcionar. Provavelmente sabia disso porque a idéia se
enquadrava no seu código criativo, se ajustava à estrutura
que você já havia usado várias vezes em soluções de
problemas no passado, consciente ou inconscientemente.
Assim, a nova idéia, por mais louca que parecesse, fazia
sentido para você. Como se você já a tivesse visto antes em
algum lugar.
Quando você está ligado em alguma coisa, passa a ver aquilo
sem parar. Por exemplo, minha mulher e eu compramos
recentemente uma minivan Honda e, de repente, tudo que
havia nas ruas eram minivans. Por que? Convergência do
relevante. Quando minivans se tornam relevantes em nossa
vida, prestamos atenção nelas. Esse fenômeno está
relacionado com a heurística em tomadas de decisão. Regras
de ouro nascem da experiência de tomar decisões, as boas ou
mesmo as más.
Códigos criativos funcionam mais ou menos da mesma
forma. Nascem da consciência do que funciona para inspirar
você, e de um sentimento a respeito do que é relevante para
o público que você quer atingir (um bando de crianças, os
clientes da firma, fla-menguistas, um time de vôlei de praia,
seus alunos). Aliás, você deve estar agindo a partir de um
código criativo neste exato momento, e você o desenvolveu
em anos de experiência. É importante, contudo, saber a
diferença entre fixação e código criativo. Ambos são fruto da
experiência, mas códigos criativos são avessos a objetos
específicos. Em outras palavras, não se fixam em alguma
coisa em particular, ou na utilidade de alguma coisa, não
acham que martelos existam só para pôr pregos em paredes.
Ao contrário, têm seu foco em capacidades: tudo que se
pode fazer com um martelo. Vamos voltar à diferença entre
fixação e código criativo com mais detalhes ainda neste
capítulo. Mas, enquanto isso, saiba que a experiência pode
afetar a criatividade de duas maneiras: (1) levando você a
uma fixação (um obstáculo à criatividade); e (2) ajudando no
desenvolvimento de um código criativo (uma estrutura para
gerenciar a criatividade). Em ambos os casos, a experiência
estará por lá. Livros sobre criatividade às vezes se referem à
"regra dos dez anos". É preciso no mínimo dez anos de
experiência para dominar um campo de conhecimento, e
depois poder fazer contribuições verdadeiramente
fantásticas, do tipo obra de arte. E isso vale para tudo, desde
tocar violoncelo a jogar golfe. Embora seja verdade no
quesito conhecimento, quando se trata de criatividade
conceituai, a coisa não funciona mais da mesma forma. Há
muitos novatos em uma categoria ou ramo industrial que
mudam completamente as regras do jogo, ou fazem a
descoberta da vida deles com pouca ou nenhuma
experiência específica.
Veja o caso de Roger Bacon. Os cientistas riram na cara dele
quando sugeriu que se podia corrigir defeitos de retração dos
olhos humanos. Mas esse monge franciscano do século XIII
não ligou e acabou inventando os óculos. Lembre de Trevor
Baylis, o duble de cenas embaixo d'água que inventou o
rádio de corda. Mas o maior tributo às contribuições
criativas de novatos talvez seja o importantíssimo A origem
das espécies, um livro escrito não por um biólogo, mas por
seu oposto: Charles Darwin era pastor religioso. O impres-
sionante no caso de Darwin é que suas observações
científicas, a bordo do Beagle e nas ilhas Galápagos,
entravam em contradição direta com suas crenças religiosas.
Não apenas Darwin era novato em biologia — mesmo que
depois tenha dedicado toda sua vida a ela —, mas era
contrário à qualquer coisa que atacasse a teoria do
criacionismo religioso. Por aí se imagina como as evidências
devem ter sido convincentes. Darwin gastou anos de sua
vida analisando e estudando o que via, antes de chegar à sua
grande idéia. Alfred Wallace, o co-descobridor da seleção
natural, chegou à sua idéia durante um ataque de malária.
Mas é preciso examinar a epifania acamada de Wallace mais
de perto. Ele tinha um bom currículo de pesquisas em
variações naturais, especificamente na vida selvagem da
América do Sul e da Ásia, e chegou a fornecer espécimes de
aves para Darwin fazer os estudos dele. Talvez a maior
vantagem de Wallace tenha sido mesmo a malária e o tempo
em que ficou na cama sem pensar sobre as pesquisas (ou
pensando em nível inconsciente). Por fim, Wallace e
Darwin se entenderam e, em 1858, Wallace mandou a
Darwin sua teoria, para que Darwin o ajudasse a publicá-la, e
ela era praticamente igual às idéias que Darwin havia
desenvolvido durante longuíssimos anos.
Apesar de a regra dos dez anos ser certamente relevante na
aquisição de maestria ou mesmo para fazer descobertas
científicas, a coisa muda completamente quando o assunto é
criar soluções novas e relevantes para problemas já
existentes. É simples: existe uma diferença entre
habilidade/conhecimento e imaginação. Por exempio, jogar
xadrez (uma habilidade e um conhecimento) e criar novos
produtos (imaginação aplicada) envolvem inspiração criativa.
Mas nascem de maneiras diferentes de pensar. Para dominar
uma habilidade como o jogo de xadrez, é preciso haver uma
intensa memorização. Para criar um novo produto, muitas
vezes é preciso esquecer. Esquecer regras de
funcionamento, como as coisas são feitas, o que as pessoas
dizem que querem (versus o que elas de fato querem). Mas,
apesar de conhecimento e imaginação serem diferentes, am-
bos promovem insights que propiciam epifanias. Para
mostrar a diferença entre essas duas maneiras de pensar,
vamos aos exemplos: começando com o domínio de
conhecimentos ou habilidades (como o jogo de xadrez), e
depois chegando à criação de um novo produto (um
programa de tevê).
Psicólogos têm um longo caso de amor com o xadrez,
porque esse jogo fornece um ambiente especial, destituído
do fator sorte, para o estudo do processo de resolução de
problemas. O primeiro estudo que se conhece desse jogo foi
feito por Alfred Binet, em 1894. Binet, que se tornaria
conhecido pelos seus testes de inteligência, vendou
jogadores de xadrez para poder investigar processos
mnemónicos. Para eu ou você, jogar xadrez de olhos
vendados é praticamente impossível. Mas, mesmo
vendados, há mestres que conseguem vitórias consecutivas
com relativa facilidade. Reuben Fine, um famoso mestre dos
anos 1930 e autor do The Psychology of the Chess Player [A
psicologia do jogador de xadrez], dizia que todos os mestres
deviam jogar pelo menos uma partida desse jeito. A per-
gunta é: o que os mestres fazem que os amadores não
fazem? Apesar de várias tentativas de relacionar fatores
diversos — como diferenças fisiológicas —, a evidência se
inclina para um único fator: mestres sabem mais do que eu e
você.
Apoiado na experiência pessoal de tabuleiro e ao estudo de
jogos históricos de campeonatos famosos, um grande mestre
consegue lembrar entre 50 mil e 100 mil padrões e
movimentos do jogo. Parece muito, mas é bom saber que
um adulto médio reconhece mais de 20 mil palavras em sua
língua nativa. Na experiência de 1894, Binet concluiu que
grandes mestres vendados obtinham a vitória a partir de
conhecimentos e experiência, imaginação e memória. Mas,
ao questionar os jogadores a respeito de suas jogadas com
olhos vendados, a hipótese original de Binet, de que o
xadrez exigia grande memória visual, se mostrou errada. Os
mestres disseram que mantinham na memória, durante o
jogo, apenas uma visão geral abstrata do tabuleiro. Não
dependiam da memória visual, e sim da memória verbal. Na
verdade, um dos mestres, Goetz, era capaz de lembrar dos
336 movimentos feitos enquanto jogava dez jogos si-
multâneos de olhos vendados.
Depois de Binet, o psicólogo holandês Adriann de Groot, ele
mesmo um mestre do jogo, detalhou a mente dos
enxadristas em Thought and Choice in Chess [O
pensamento e a escolha no xadrez], de 1965. Considerado o
primeiro estudo psicológico de jogadores de xadrez, o livro
de De Groot incluiu pessoas bem diferentes, desde
campeões mundiais e especialistas teóricos até semi-
amadores de ranking baixo. Em um estudo, De Groot
mostrava por poucos segundos um tabuleiro armado em uma
posição determinada do jogo. Quando os participantes
reconstruíam o que haviam visto, a diferença ficava clara. Os
melhores (grandes mestres e mestres) lembraram de 93%
das peças; os especialistas, 72%; e os jogadores de ranking
inferior, 51%. De Groot concluiu que os melhores jogadores
puderam lembrar de mais peças não por causa de melhor
capacidade de percepção (reconstruindo o que tinham visto,
memória visual), mas por causa da experiência deles
(reconstruindo o que sabiam ser as posições estabelecidas, as
permitidas pelas regras do jogo). Eles tinham desenvolvido
um código, isto é, uma estrutura a partir de dezenas de
milhares de posições que já haviam armado pessoalmente,
visto em outros jogadores ou em livros.
Essa descoberta foi confirmada por um estudo de 1973, em
que jogadores viam de relance posições permitidas e depois
posições sem sentido. Nas posições permitidas, a memória
tinha relação direta com o nível de jogo do participante.
Quanto maior o nível, maior a lembrança do tabuleiro, e
vice-versa. Mas, no caso das posições sem sentido, ou seja,
nas posições não permitidas pelas regras do jogo, todos os
jogadores, fossem eles grandes mestres ou jogadores de
ranking inferior, obtiveram aproximadamente o mesmo
resultado —o que afastou ainda mais a crença de que
grandes mestres teriam grande memória visual. A conclusão
foi que jogadores de alto nível empregavam algum sistema
de código para armazenar as posições para futura
recuperação mnemônica. Os mestres não guardavam as
relações visuais entre as peças, guardavam relações funcio-
nais — e eis uma idéia muitas vezes mal entendida em
desempenhos pessoais, quando se dá ênfase a "ver seu
objetivo". Mais do que ver cada peça de xadrez e sua posição
respectiva, os melhores jogadores estavam vendo as relações
entre as peças e suas posições, ou seja, eles as estavam vendo
como conceitos. Como Mark Jeays sugere em A Brief
Survey of Psychological Studies of Chess [Breve
levantamento dos estudos psicológicos sobre xadrez]: "Um
bispo impediu um cavalo de sair do lugar porque havia uma
ameaça à rainha, o que será lembrado pela relação de
impedimento do cavalo, e não porque o bispo estava em g5,
o cavalo em f6 e a rainha em d8". Jeays sublinha que
"mesmo sem jogar muito bem, um profissional pode
codificar umas seis peças como um conjunto, incluindo aí
um rei preso, a torre, um bispo avançado e três peões à sua
volta; mas um iniciante só conseguirá lembrar deles
separadamente". Por causa da dificuldade em lembrar cada
posição separadamente, a maioria dos amadores não
consegue programar mais do que cinco movimentos à fren-
te. A codificação que favorece jogadores de nível alto é
resultado da sua experiência. A capacidade criativa, ou
conhecimento, melhora graças a um único fator: a
experiência de jogos anteriores. É para esse tipo de coisa que
a regra dos dez anos existe.
Apesar de essa regra ser citada em muitos livros de
psicologia da criatividade, acredito ser possível gerar códigos
criativos sem ter de esperar uma década. Os códigos não têm
o intuito de dominar um assunto ou conhecimento, mas de
criar algo novo — explorar a imaginação — a partir de uma
estrutura lógica. Para criar códigos criativos, é importante
reconhecer a diferença entre campos de conhecimento e
criação inovadora. Se tudo que você quer é resolver um
problema cuja solução é conhecida (por exemplo, montando
uma posição para impedir o avanço do seu adversário de
tabuleiro), seja de um jogo ou de uma categoria ou ramo da
indústria, então a experiência e a memória vencerão sempre.
É por isso que computadores hoje dominam o xadrez.
Parece o ideal de representação da Renascença italiana: o
gênio criativo renascentista é mensurado por sua habilidade
em reproduzir os mestres do mundo antigo. Mas se você
procura uma nova idéia, precisará criar um código baseado
não apenas na memória e experiência, mas também na
imaginação. Grandes mestres do xadrez usam a memória
para resolver seus problemas, mas outros gênios do
cotidiano implantam códigos criativos para obter a criação
de idéias. Para ilustrar como os códigos criativos funcionam
no contexto de criação de idéias, vamos considerar aqui uns
poucos indivíduos que usam esses códigos para amealhar
enormes fortunas, começando por um prolífico produtor de
televisão: Aaron Spelling.
Sei o que vocês estão pensando. Aaron Spelling? Não é
aquele cara que fez uma porção de água-com-açúcar nos
anos 1980? Ele mesmo. Gênio criativo, sim, senhor. Aaron
Spelling, praticamente sozinho, criou a cultura pop dos anos
1970 (e dos 1980 e boa parte dos 1990). Qualquer zumbi
televisivo vai concordar comigo. Spelling foi o mais prolífico
produtor televisivo da história da mídia. Produziu mais de
50 seriados, dez minisséries e 150 filmes feitos especial-
mente para a televisão, entrando no The Guinness Book of
World Records. Pelo cálculo do Guinness, Spelling produziu
3.842 horas de televisão até 1999, o suficiente para encher a
programação de um canal, sete noites por semana, sem
nenhuma repetição, por três anos e meio. Além disso,
escreveu mais de cem roteiros, ganhou dois Emmys e deu
um jeito de levar para casa dois Lifetime Achievement
Awards: um pelo People's Choice Awards e o outro pela
National Association of Television Program Executives.
Além disso, durante sua vida, a National Association for the
Advancement of Colored People outorgou a ele cinco de
seus prêmios.
Entre os shows produzidos por Spelling estão The Mod
Squad, The Rookies, Burke's Law, O barco do amor, A ilha
da fantasia, Starsky and Hutch, O menino da bolha de
plástico, Zack e Cody: Gêmeos em ação, As panteras, Casal
20, Charmed, Twin Peaks, Dinastia, The Colbys, Carro
comando, Barrados no baile, Melrose Place e a minissérie da
HBO E a vida continua. Ame-o ou deixe-o, mas em
determinado momento Spelling era responsável por seis das
dez principais atrações da ABC, fazendo com que as más
línguas dissessem que ABC era abreviatura de "Aaron's
Broadcasting Company". No dicionário on-line
dictionary.com, produtor quer dizer "pessoa que produz".
Spelling certamente merece o título. Para ele, a televisão era
um canal para sua criatividade, e de algum modo também
para sua insegurança.
Desde cedo, Spelling foi tomado pela insegurança, que ele
dominava escrevendo. Ele mesmo diz: "Eu era uma criança
frágil e doentia... um garoto pobre e judeu vivendo no
Texas". Era atacado na escola. Mas se defendia: "De repente,
eu tinha uma nova arma para combater aqueles garotos:
contar histórias. Sempre que tentavam armar uma briga, eu
contava uma história sem o final. E dizia que o final eu só
contaria no dia seguinte, e eles me deixavam ir para casa. Eu
corria como um louco antes que mudassem de idéia".
Continua no próximo episódio, eis algo que ele não
esqueceria. Spelling era prolífico, mas nem sempre original.
Na verdade, até certo ponto, era até bem previsível. Mas sua
previsibilidade, como a dos imutáveis salões do hotel Ritz-
Carlton, era uma previsibilidade desejada. Foi o que o tornou
grande. Quando estava atrás das câmeras, a audiência sabia o
que viria, e os estúdios de Hollywood também: dinheiro. Os
telespectadores queriam uma válvula de escape e sabiam que
Spelling os ajudaria a ir para longe. Spelling se mantinha
alinhado ao desejo de sua audiência. Como ele conseguia?
Uma das vantagens de viver em uma das maiores mansões
do Sul da Califórnia é ter sua casa no itinerário dos ônibus de
turismo. Então, quando bandos de gente desciam dos
ônibus-leito estacionados em frente à sua mansão, na
aprazível Holmby Hills, Spelling saía e ia falar com eles em
vez de se esconder atrás das grades. Escutava mais do que
falava. É revelador o tipo de pergunta que ele fazia para seus
"grupos focais móveis": "Por que você vê televisão?".
Spelling costumava dar um conselho a aspirantes a
escritores: "Escolha alguns programas e estude-os bem.
Descubra por que são um sucesso ou um fracasso. E aí
comece a desenvolver alguns personagens". A resposta
invariável que Spelling recebia dos turistas à sua porta era
que viam televisão "para relaxar". Spelling lembra: "Nem sei
quantas idéias boas roubei desses ônibus de turismo. Veja,
você não mede o gosto do público americano falando com o
pessoal de Beverly Hills ou Bel Air. Eles não vão admitir que
vêem Melrose Place. Se você escutar o que eles falam, o
único programa que tem audiência nesse país é o 60
Minutes". Mas Spelling não se deixava enganar.
Aaron Spelling é um caso clássico de pensador conceitual.
Tinha a capacidade de juntar problemas existentes, soluções
relevantes e audiências específicas. Nada de aleatório nessa
capacidade. Pelo contrário, era montada em um código
simples, uma fórmula que vamos estudar daqui a pouco e
que você provavelmente vai reconhecer. Ele aprendeu esse
código em anos de experiência, trabalhando como um
jovem ator esforçado, roteirista, diretor e produtor de
sucesso. O código raramente o decepcionava. Pelo
contrário, fez dele um homem extremamente rico, mesmo
que, do alto do luxo, nunca tenha deixado sua infância e sua
insegurança para trás. De certa maneira, a insegurança teve
uma influência prática na motivação de "ser criativo"
durante a vida toda.
Em 1943, no seu aniversário de 18 anos, Spelling entrou
para o serviço militar na Força Aérea, onde serviu como
correspondente de guerra. Durante sua estada na Alemanha,
levou um tiro na mão esquerda e outro no joelho. Os
cirurgiões-militares queriam amputar seus dedos, mas ele
disse que era pianista (mais uma de suas "histórias") e eles
acabaram costurando o ferimento. Depois de voltar aos
Estados Unidos, matriculou-se na Southern Methodist
University, nas vagas reservadas a ex-pracinhas, e depois de
se formar achou seu caminho para Hollywood, levando a
insegurança a tiracolo. Em 1955, já um jovem escritor, tinha
tanto medo de perder suas melhores idéias que, ao sair,
guardava seus papéis na geladeira, para salvá-los em caso de
algum incêndio.
Spelling atribuía, nessa época, sua capacidade criativa ao
cachimbo. "Sempre que via retratos de escritores de
Hollywood, eles estavam com um cachimbo. Aí, comecei a
fumar cachimbo quando me mudei para cá, achando que
isso me ajudaria a escrever melhor. Aprendi que fumar
cachimbo é a melhor bengala que um escritor pode ter. O
produtor pergunta a você sobre uma história. Você precisa
de tempo para responder. Aí você enche o cachimbo,
acende. Quando tiver terminado, já deu para pensar em uma
boa resposta". A respeito da necessidade de manter um fluxo
constante de inspiração criativa, disse: "Como acontece com
freqüência, o material pode ficar batido, e recebemos uma
encomenda de algo original". Por fim, todas as idéias novas
acabam ficando batidas. Idéias novas de produtos, serviços
ou negócios bem-sucedidos são copiadas sem hesitação,
forçando seus autores a refazê-las sempre. Grandes idéias
não sofrem de solidão. Mas, para Spelling, voltar à mesa de
trabalho sempre foi um prazer. Foi uma dessas voltas o que
deu a Spelling sua primeira entrada em Hollywood.
Alan Ladd, o mais famoso ator hollywoodiano de seu tempo,
ouviu falar do talento promissor de Spelling e pediu a ele
que lesse um roteiro e desse uma nota de avaliação. Ladd na
verdade não gostava do roteiro, mas Spelling não sabia como
fazer para dar uma nota a algo apresentado por Ladd, a maior
bilheteria dos Estados Unidos. Então, em vez de dar nota ao
roteiro, o jovem Spelling foi para casa, jogou o roteiro fora e
reescreveu a coisa toda. Ao ler a nova versão, Ladd ligou
para o estúdio e disse: "Vou fazer o papel e o nome do
produtor é Aaron Spelling". A partir dessa sua estréia,
Spelling aderiu a um conjunto de princípios, um código que
iria inspirar seus futuros trabalhos criativos. Em uma
entrevista no Dick Powell Show, Spelling comentou: "Uma
vez, pouco antes de começar uma produção, tive essa
grande idéia de convidar astros famosos para fazerem
pontas, figurações. Foi o primeiro programa a ter artistas
convidados. Muito depois, fizemos isso outra vez em O
barco do amor, A ilha da fantasia e Zack e Cody: Gêmeos
em ação. Os telespectadores adoravam ver seus artistas
favoritos aparecerem de repente na tela". Artistas
convidados tornaram-se um tópico permanente do código
criativo de Spelling.
Spelling ia além. Se pessoas podem ter códigos, produtos
também podem. E, se um produto desafiar seu código
subjacente, não vai funcionar. Ele disse: "Você não pode
fazer humor em um western. Os fãs simplesmente não vão
aceitar isso". Rir vai contra o código do gênero western, e,
portanto, Spelling não queria nem saber de botar a mão
nisso. Mas é importante notar que um código criativo não
precisa ser compartilhado por todos. O código de Spelling,
entre outras coisas, excluía comédias sobre western. Era
assim para ele, mas não para Mel Brooks, cuja comédia sobre
western, Blazing Saãdles, foi um grande sucesso. Brooks fez
exatamente o que Spelling fazia, trabalhar a partir de um
código criativo, mas de um modo completamente diferente.
Brooks lançou o humor em assuntos onde não existia humor
(western, documentários históricos etc). Era esse seu cartão
de visitas. O código de Spelling — não rir do que não era
para rir, usar três histórias entrelaçadas e convidar famosos
para pontas — também era seu cartão de visitas: um modelo
que ele sabia, pelos anos de experiência, que funcionaria.
Para ele. Para Rod Serlíng, um dos heróis da vida de
Spellling e também prolífico escritor, havia outro código,
completamente diferente. Rod Serling era o legendário pro-
dutor de uma das mais bem-sucedidas experiências
televisivas, Além da imaginação. Spelling se interessava pela
noção de criatividade contínua (a habilidade de gerar idéias
não como eventos isolados, mas como um fluxo contínuo),
e perguntou a Serling: "Como você consegue escrever tantos
roteiros para Além da imaginação?" "Simples", ele
respondeu, "não preciso fazer um terceiro ato para explicar
nada. Tudo o que eu digo é: 'E foi assim que aconteceu em
Além da imaginação'; e pronto, me safei de mais uma".
Sterling, assim como Spelling, compreendia o poder de
manter códigos criativos, e sabia que eles não precisam ser
compartilhados nem sequer conhecidos pelas outras pessoas
para serem úteis na promoção de um insight criativo. O
código precisa ser relevante apenas para você e para o
público que você quer atingir. Sem ele, tudo que você vai
conseguir é arte — objetos únicos, admirados pela sua
beleza, mas não necessariamente relevantes. Mesmo que
arte seja um bom efeito colateral da manutenção de um
código criativo, em alguns casos, como negócios, o que é
necessário é a relevância para uma audiência específica.
Outra coisa, códigos criativos não precisam ser propriamente
originais. Precisam funcionar no contexto em que você os
usa, e serem únicos na época em que você os usa.
O código de Spelling foi baseado parcialmente nas memórias
de sua juventude, nas antologias de histórias de O. Henry,
pseudônimo do escritor norte-americano William Sydney
Porter (1862-1910), que ele adorava. A reviravolta final da
trama de Porter — seu código — fazia com que seus
seguidores tivessem de rever toda a história por causa de
uma informação introduzida no último minuto. O código de
Porter ficou tão famoso em Hollywood, que se tornou uma
marca, "finais à O. Henry". Desde Porter, um número sem
fim de diretores de Hollywood adotam o mesmo código.
Entre os mais famosos, Alfred Hitchcock, como no suspense
de Robert Block, Psicose (1959). Até o finalzinho do filme,
o público é levado a acreditar que Bates e sua mãe
controladora coexistiam em um estado perene de brigas,
discussões e escaramuças. Só na cena final, quando
Hitchcock permite que a audiência veja Norman Bates,
personagem de Anthony Perkins, vestido como a mãe dele,
em um caso de dupla personalidade estranha e psicótica, a
verdade é revelada. É nesse momento que os espectadores,
em meio a gritos, levam de repente um tapa psicológico e
começam a pensar: "Nossa, que filme bom de terror!" Ou:
"Ai, meu Deus! Bates é também a mãe dele!" Hitchcock é
um gênio — assustador, diabólico e pervertido, mas gênio
ainda assim. Esse código de Hitchcock e, inicialmente, de O.
Henry, pode ser resumido por: tudo que eu achava que sabia
não era verdade. A intenção do "final à O. Henry" é deixar
todas as premissas de pernas para o ar e provocar um
repensamento da trama a partir de uma pequena, mas
perturbadora, informação mantida em segredo. O código
funcionou lindamente em Psicose, como funcionou em O
sexto sentido, de M. Night Shyamalan, quando a audiência
de repente percebe que o personagem de Bruce Willis é um
fantasma, e não uma pessoa viva.
Spelling se inspirou nas antologias de O. Henry, em suas
reviravoltas e surpresas (no seu código). Mas ele não copiou
simplesmente a técnica do seu escritor preferido. Adaptou-a
para sua audiência e a ampliou, usando três fios narrativos e
artistas convidados, deixando-a mais suave. Cedo em sua
carreira, Spelling já havia reconhecido e admirado a
simplicidade e flexibilidade que esse instrumento criativo
(um código) oferecia a um criador. Códigos criativos ofere-
cem a estrutura na qual idéias são geradas e gerenciadas. Em
um código, elas obtêm uma plasticidade, um formato,
funcionam e, mais do que tudo, encadeiam-se em uma
seqüência de novas idéias. Afinal, quando alguém segue pela
vida tendo uma estrutura para interpretar o mundo,
oportunidades sempre aparecem.
Você pode estar se perguntando: será que a idéia de ter um
código não contradiz a noção de questionar convenções?
Não necessariamente. Códigos criativos são estruturas, isto é,
maneiras de estruturar informações, deixando a mente livre
para preencher detalhes de forma criativa. Fazer a estrutura
emergir é, muitas vezes, o grande momento criativo que
propicia vários outros pequenos momentos criativos. Como
um investidor financeiro que tem parâmetros sobre quando,
e principalmente em que investir, você também saberá para
onde olhar. Porque você tem um código, momentos-eureca
se tornam comuns. Aliás, depois de obter um código que
funcione, seus momentos-eureca não terão mais tanta carga
emocional, pois as oportunidades se tornam óbvias para
você. Foi o caso com a maior vitória de Spelling, uma
história de três mulheres — Sabrina Duncan, interpretada
por Kate Jackson; Jill Munroe, por Farrah Fawcett-Majors; e
Kelly Garrett, por Jaclyn Smith — e o chefe delas, Charlie,
um papel de John Forsythe.
Os episódios sempre começavam com a mesma frase: "Era
uma vez três lindas garotas que entraram na academia de
polícia e cada uma delas ganhou uma missão perigosa. Mas
eu as tirei dessa vida e agora trabalham para mim. Meu nome
é Charlie". Em sua edição original, As panteras era diferente
de todos os outros seriados policiais: tinha mulheres como
protagonistas. Não se ouvia falar de uma coisa dessas na
Hollywood daquela época. Era uma regra de ouro: atriz
alguma conseguiria segurar, sozinha, um programa de uma
hora. No máximo, e ainda assim seria um risco, se poderia
tentar isso em comédias, mas os espectadores não aceitariam
mulheres protagonistas em qualquer outro formato,
asseguravam os executivos dos estúdios, a não ser que
houvesse também um protagonista masculino. (Fica a
pergunta: de onde saía tanta certeza?, já que nos anos 1960
as taxas de audiência da ABC caíam vertiginosamente em
relação às da CBS e NBC, provocando o comentário do
comediante Milton Berfle: "Ponham a Guerra do Vietnã na
ABC. Em 13 semanas, ela termina".)
Então, de onde veio a idéia de As panteras? Spelling lembra:
"Len Goldberg e eu estávamos fazendo um brainstorming no
nosso escritório, tentando achar alguma nova idéia para Kate
Jackson, já que The Rookies estava chegando ao fim e não
queríamos perdê-la. Pensamos: Por que não fazer alguma
coisa ultrajante, um policial com mulheres, só com
mulheres. Rabiscamos algo que, com bom humor,
chamamos de Alley Cats, sobre três detetives mulheres
chamadas Alley, Lee e Catherine, e levamos para Barry
Diller e Michael Eisner, da ABC: "É a pior idéia que já vi",
disse Michael, e Barry acrescentou: "Vocês deviam ficar
com vergonha". Bem, começamos largando o conceito de
golpes de caratê e roupas de couro, e também o nome Alley
Cats". Mas a história estava longe do fim.
Spelling continua:
Michael Eisner nos chamou poucos meses depois para
discutir um problema. (A palavra problema é música nos
ouvidos dos inovadores!) Para conseguir que Natalie Wood e
Robert Wagner concordassem em atuar juntos em The
Affair, a ABC tinha prometido desenvolver um seriado em
que a dupla seria co-proprie-tária de direitos, junto com a
ABC. A ABC tinha separado 25 mil dólares para desenvolver
o piloto, mas ainda não tinha chegado a um produto que
parecesse bom. Michael nos chamou porque o prazo estava
para expirar. E se não conseguíssemos submeter alguma
coisa a eles, a rede perderia 25 mil dólares. "Por que a gente
não escreve um roteiro para As panteras?", dissemos.
Michael desistiu de brigar. O prazo final se aproximava,
ameaçador, e ele preferia ter um roteiro de que não gostava
a não ter roteiro algum. Então, procuramos o Bob Wagner e
contamos a ele o conceito do programa. Ele respondeu, igual
a Barry e Michael: "É a pior idéia que já ouvi". Depois riu e
disse: "Mas não sei nada sobre produção de TV. Vocês é que
são os especialistas. Vamos em frente". E foi aí que As
panteras começou a ser escrito. A opinião de Michael e
Barry, no entanto, não ia mudar do dia para a noite. Quando
o roteiro chegou nas mãos deles, simplesmente sentaram em
cima. As panteras ficou na prateleira pegando poeira. Um
ano depois, um novo diretor de programação assumiu o
posto. Ele procurava novos programas que pudessem tirar a
ABC do terceiro lugar. Olhou tudo que já havia sido desen-
volvido e me chamou. "Esse negócio aqui, sobre essas três
garotas. Vocês ainda querem fazer isso?" Finalmente, nosso
piloto ia em frente. É engraçado como chegamos ao título
definitivo. Len Goldberg e eu estávamos no meu escritório e
Kate se juntou a nós. Ela viu um quadro que eu tinha na
parede, de três anjos. "Talvez você pudesse chamá-las de
anjos". Originalmente ia ser Harry's Angels, mas na época a
ABC estava com um outro programa chamado Harry O.
Então, chamamos de Charlie's Angels. A ABC testou nosso
piloto com um grupo focal. Muita gente não sabe disso, mas
o piloto de As panteras recebeu uma das piores avaliações de
teste de audiência da história da ABC. Uma pontuação média
aceitável é 60, e As panteras ficou muito, muito, muito,
abaixo disso. A ABC estava convencida de que tinha um
verdadeiro fracasso nas mãos, e decidiram não pôr o
programa na grade. Em junho, arriscaram uma apresentação
do piloto em um horário não definitivo. Sem promoção
alguma e, com certeza, sem grandes estrelas no elenco, a
exibição atraiu enormes 50% de audiência — só
comparáveis às massas de megaeventos como a Superliga. O
programa tornou-se um fenômeno nacional. Os homens
viam porque queriam observar as garotas, as mulheres viam
pelo mesmo motivo.
O código de Spelling, provando sua eficácia mais uma vez,
tinha os seguintes componentes: Primeiro, questionava as
convenções. Acontece que protagonistas mulheres podiam,
sim, carregar nas costas um programa inteiro. Na verdade,
não só podiam, como o faziam interpretando papéis
decididamente masculinos — no caso, detetives. Segundo,
criava a história a partir de três linhas narrativas (três atrizes,
três linhas). E terceiro, usava artistas convidados que tinham
apelo para uma ampla audiência, expandido assim o alcance
do programa. Entre os que apareceram em pontas durante a
longa vida do seriado estavam todos os atores contratados de
um outro seriado, mais uma das obras-primas criativas de
Spelling, O barco do amor (no qual ele usou o mesmo
código).
Spelling, Serling, O. Henry, Hitchcock e outras lendas
entenderam cedo a importância de códigos criativos em sua
busca por inovação contínua. Uma vez descoberto o código,
as variações sobre o tema se tornam quase infinitas. Mas,
enquanto essas variações continuarem relevantes (por
exemplo, ajudando espectadores a relaxar), não só serão bem
acolhidas, como sua previsibilidade passará desapercebida,
ou será até mesmo apreciada. Na verdade, na indústria do
entretenimento, os códigos são tão previsíveis que um ex-
estudante de psicologia computacional da Universidade de
Chicago escreveu um software para prever o desenrolar dos
seriados em cartaz. Ele comparava elementos das tramas
com outras tramas armazenadas na memória da máquina,
criando um algoritmo similar ao que fez sucesso em jogos de
xadrez.
O software "Structuralist Gilligan", de Daniel Goldstein, foi
um trabalho de classe sobre inteligência artificial, pedido
pelo seu professor com a ressalva de que deveria ser algo
"bossudo". Goldstein viu centenas de seriados, incluindo o
popular Gilligarís Island do final dos anos 1960 — sete
náufragos em uma ilha deserta. Leu centenas de sinopses de
tramas e, como Spelling, Hitchcock e outros, descobriu
previsibilidades, técnicas e métodos que faziam os seriados
funcionar. Inspirado pelo crítico russo de literatura Vladimir
Propp, Goldstein mapeou as linhas narrativas dos seriados.
Esse exemplo tirado de Gilligaris Island ilustra o código de
Goldstein:
Evento inicial. Entra um indicador de perigo: a água em
volta da ilha sobe acima do nível de segurança. Close na
tábua de meproduções convencionais. São subtramas que
nunca se acabam, personagens que somem e não voltam, e
outros que aparecem de repente. Para criar as condições de
criatividade de um bom teatro de improviso, os mestres no
gênero se guiam por princípios. Segundo Goldstein, esses
princípios são: aceitar a fala do outro; desenvolver uma
história; estabelecer diálogos linha a linha. Vamos falar de
cada um desses princípios, começando pela aceitação das
informações dadas pelo outro.
Meu irmão, Alan, que é ator, já havia me falado sobre a regra
número um da improvisação: nunca diga não. "O não, falado
ou sugerido, pára o fluxo da cena. Se um outro ator oferece
uma idéia, você a adota logo e encontra uma maneira de
fazê-la funcionar. Por exemplo, você e eu estamos no palco
e eu digo: Não vejo você usar esse chapéu há séculos. A pior
resposta que você pode me dar é: Não é um chapéu, é um
pássaro. Em improvisação, isso é o equivalente a dizer não.
Pararia imediatamente o fluxo da cena, e a audiência não ia
gostar".
É isso que Goldstein chama de aceitação de informações:
tudo que for dito vira verdade. Nesse exemplo, ao negar a
existência de um chapéu, eu mato a cena (e pior, a negativa
é um insulto para o colega de cena). Aceite a idéia e parta
daí. Alan explica: "A resposta deve levar o diálogo para a
frente. Por exemplo, em resposta ao comentário, Não vejo
você usar esse chapéu há séculos, o outro ator deve
responder Ainda lembro do olhar do sujeito quando roubei
o chapéu da cabeça dele. Só mesmo em Tijuana!" Isso é
aceitar a fala do outro ou, como meu irmão diz, não dizer
não. Aceitar também ajuda no segundo conceito do código
da improvisação: o desenvolvimento da história. Nas duas
linhas do diálogo citado, já se sabe que o chapéu usado em
cena tem um enredo por trás dele. A frase Ainda lembro do
olhar do sujeito quando roubei o chapéu da cabeça dele. Só
mesmo em Tijuana! faz você saber muito mais: aqueles dois
são provavelmente amigos, foram ao México juntos e se
envolveram em atividades pouco recomendáveis na cidade
de Tijuana. A história dá aos diálogos um caminho para
seguir. É uma plataforma robusta para a inspiração criativa,
para a criação de novas idéias.
Além de aceitar informações e desenvolver uma história, há
diálogos linha a linha, uma marca para quem deseja dominar
a improvisação. Um ator diz uma linha, o outro baseia seu
comentário no que foi dito por último e fala a sua linha. E
assim vai, um pingue-pongue verbal.
No exemplo do chapéu, a última coisa dita, Só mesmo em
Tijuana!, produziria outra linha como: Sua mãe ainda tem
aquele bordel por lá? No que o outro ator responde: Acabou
vendendo para um cara que usava chapéu. E assim o diálogo
continua e o humor surge. Ou, como Goldstein diz: "Nunca
tente ser engraçado ou contar piadas no palco. O humor
vem naturalmente a partir das relações e de tramas sólidas e
simples".
Tentar ser engraçado durante uma improvisação é o
equivalente a tentar ter uma grande idéia durante uma sessão
de brainstorming. Sem a estrutura adequada, não funciona.
Você pode até receber algumas risadas baratas — ou gerar
algumas poucas boas idéias. Mas não vai conseguir
gargalhadas contagiantes ou insights realmente brilhantes.
Mas com o código criativo, a probabilidade de sucesso
cresce. Códigos criativos não são exclusividade de mestres
de xadrez, produtores de Hollywood e atores do teatro de
improviso. Estão presentes na improvisação criativa das
empresas. Aliás, produziram mais de um empresário serial e
sua enorme riqueza. Entre eles, o britânico nascido na
Grécia, conhecido pelo simples nome de Stelios.
Stelios Haji-Ioannou é fundador e co-proprietário do
easyGroup, uma holding privada que promove novas
iniciativas e possui a marca easy. Nascido em Atenas em
1967, Stelios se mudou para Londres no início dos anos
1980, estudou na London School of Economics e
especializou-se em fretes e comércio na City University
Business School. É um serial clássico, indo de indústria em
indústria, categoria em categoria, criando cada vez mais
riqueza para ele e seus acionistas ao longo desse caminho.
Tornou-se conhecido ao fundar (na provecta idade de 28
anos) a maior empresa aérea de baixo custo da Europa, a
easyJet, PLC. A easyJet abriu seu capital em 2000, embora
Stelios continue sendo o principal acionista. Ele fundou mais
de 17 empresas, incluindo a Stelmar Shipping, fundada aos
25 anos. A Stelmar abriu o capital na Bolsa de Nova York em
2001 e, em 2005, Stelios vendeu sua parte para a OSG
Shipping Group por 1,3 bilhão de dólares.
Como Spelling, Stelios é também um produtor, mas ele
produz novos negócios, em vez de programas de tevê.
Outras empresas do easyGroup são: easyCar, uma empresa
de aluguel de veículos de baixo custo, com mais de 2 mil
agências no mundo todo; easyCruise, navios de cruzeiros
voltados ao público jovem; easyBus, linhas de transporte
barato entre aeroportos e centros de cidade; e easyHotel,
acomodações baratas em centros de cidade. Além disso, as
empresas easyGroup estão em áreas tão diversas quanto
cibercafés, sites de pesquisa de preços de produtos, sites de
pesquisa de empregos, música on-line, corretoras para
pequenos investidores, cinemas, mictórios masculinos,
entrega de pizza, telefonia móvel e até mesmo relógios de
pulso. Para o observador acidental, essas empresas parecem
um saco de gatos. Mas, para Stelios, são todas a mesma coisa.
E aqui está o código criativo de Stelios. Todas as suas
empresas têm elementos em comum, e cada um desses
elementos representa sua inspiração criativa. O código de
Stelios é montado em volta da simplicidade, embora as
coisas não se limitem apenas a isso. Aaron Spelling fazia
"gente famosa" aparecer em suas produções, e na superfície
pode parecer que o nome easy (fácil) seja a liga que mantém
todo o império de Stelios. No entanto, virar bilionário não é
assim tão fácil.
Os bilhões de Stelios nasceram de seu código criativo, que
compreende três fatores: 1) ofereça grande valor agregado
(diferença entre preço e produto); 2) enfrente os cachorros
grandes (entrando nas indústrias dominadas por eles); e 3)
crie para as massas, e não para uns poucos. O código criativo
de Stelios é indiferente a tipos de indústrias ou categorias de
produtos. Envolve qualquer ramo de negócios com valor
desequilibrado (em que se possa oferecer grande valor
agregado, como em cinemas); em que haja um poder
estabelecido e já letárgico (em que se possa "enfrentar os
cachorros grandes", como no ramo de seguros); e em que se
possa atrair uma ampla base de clientes com soluções
simples (criar produtos "para as massas, e não para uns
poucos", como redes de cibercafé). Esse código, e não o
nome easy, é a base da criatividade de Stelios. É o código
que dá a Stelios e a inúmeros outros empresários seriais a
inspiração de novas idéias a partir de uma estrutura lógica.
A vantagem aqui é gerar grandes idéias de forma deliberada,
sem acasos. Ou seja, fazer a lógica entrar na criatividade. Os
temas desenvolvidos neste livro são a base para o seu código:
alimente a curiosidade, identifique os limites, questione
convenções (hipóteses) e faça ligações não-ortodoxas (force
a confluência de informações disparatadas). São esses os
precursores do insight criativo. Para começar a montar seu
código de toda a vida — ou apenas para uma situação
determinada —, siga os seguintes passos:

1. Saiba como as coisas se passam. É aqui que a curiosidade
aparece. Por exemplo, siga Spelling e sua sabedoria sobre
como é trabalhar na TV, ou Stelios e sua sabedoria sobre
como "cachorros grandes" agem dentro de uma determinada
indústria. Explore os fatores que influenciam sua indústria,
categoria ou contexto. Para Spelling, isso incluía ficar atento
ao passado, apreciar e entender técnicas de contar histórias
(como os finais de O. Henry) e prestar atenção em sua
própria experiência. Esses insights servirão também para
descobrir as convenções (ou regras do jogo) que você
poderá questionar. Em investimentos financeiros, bons
desempenhos antigos não são garantia de bons desempenhos
futuros. Mas sempre há alguma coisa atemporal que pode ser
útil (por exemplo, seriados com três linhas narrativas e
atores convidados funcionam até hoje). Na verdade, estar
atento a elementos atemporais permitiu a Spelling produzir
programas para adolescentes mesmo já maduro. Disse ele:
"Ninguém questionou a idade de Mark Twain quando ele
escreveu Tom Sawyer ou Huckleberry Finn. Ou a de George
Bernard Shaw quando escreveu Pygmalion. Se você tem
imaginação, o que importa a idade?" Outra convenção que
não se sustenta: a dos dez anos de estudo. Stelios é um
exemplo clássico de por que você não precisa esperar dez
anos para fazer contribuições inovadoras. Ele jamais passou
dez anos em qualquer de seus negócios, mas compreende
todos eles muito bem. Antes de entrar nela, Stelios tinha
profunda compreensão de como a indústria aérea opera —
sua economia (ou falta de), suas operações etc. Escreva em
um papel esses fatores de sucesso. Essa lista irá apontar
convenções (crenças), as regras do jogo. Daqui a pouco você
volta à lista. Vamos ao segundo passo.
2. Compreenda o que sua audiência deseja — o que eles
querem, mas não conseguem articular, Essa é sua lista de
limites, e inclui os "por quês?" Você tem de saber por que
compram (ou não compram), o que eles querem ao comprar
(ou ao não comprar). Junto com isso há outros "por ques":
por que assistem isso ou aquilo, dirigem esse carro e não
outro, consomem esse biscoito, participam do jogo, escutam
a música, pertencem ao clube etc. Você já tinha a lista das
convenções. Com esta agora, você poderá identificar fatores
mctiva-cionais. Por exemplo, "Vejo TV para relaxar". E
também limites: "Uso a TV como babá eletrônica porque
não tenho dinheiro para contratar uma de verdade".
3. Explore e defina antagonismos que possam oferecer uma
base para sua nova idéia ou solução do problema. Essa
terceira lista será o alimento de ligações não-ortodoxas entre
informações díspares. Provavelmente é o material mais
importante para a criação do seu código, pois quanto mais
aleatórias são as ligações, mais valor terão suas idéias. Assim,
para construir essa lista, considere informações advindas de
um amplo leque de fontes. (Lembre do Capítulo 8 sobre
como fazer ligações não-ortodoxas). Na essência, você estará
tentando adivinhar como essas informações díspares
(tendências, necessidades, tecnologias, estilos de vida,
categorias, indústrias, materiais, tempo, espaço etc.) agirão
quando dirigidas a um ponto único de confluência. Lembre
de Arquimedes correndo nu: sua grande idéia veio da
confluência de informações sobre construção de navios,
higiene pessoal (o banho) e fórmulas de mensuração. Dava
para adivinhar? Lembre que informação inútil não existe. E
que informação insuficiente produz idéias do tipo meia
bomba. Tente rastrear suas idéias. Preste atenção quando
elas parecem surgir aleatoriamente, sem relação com nada.
Como você pensou naquilo? Em que momento?
4. Depois de ter completado essas listas, comece a desenhar
suas tentativas de código criativo. Pegue um item de sua lista
de limites. Por exemplo, "Não tenho dinheiro (para viajar,
comer fora, ir ao cinema etc). Depois, pegue uma linha de
sua lista de convenções (por exemplo, frases feitas como
"um luxo ao seu alcance", o que parece uma contradição, e
que, portanto, é perfeita). E mais um item de sua lista de
ligações (por exemplo, receitas de gestão e grandes inventá-
rios). É a base para seu código criativo. Receitas de gestão é
um conceito usado para direcionar a demanda por meio de
uma política de preços. Era algo que Stelios conhecia bem,
pois dirigia a maior linha aérea de baixo custo da Europa. Ao
ligar gestão de resultados com abundância de inventário
(assentos vagos em uma rede de cibercafés), viu a
oportunidade de aplicar ambas: durante as horas de pico, o
aluguel das máquinas custa mais, e custa menos nas horas de
baixo movimento.
Curiosidade, limites, convenções e ligações — cada um deles
está na base de um código criativo. Na formulação de Stelios:
"Como posso (curiosidade = 'modelo econômico') oferecer
grande valor agregado em viagens aéreas (limite = 'não
tenho dinheiro') para as massas (questionar convenções =
'luxo ao seu alcance') em uma indústria dominada por
cachorros grandes (ligação = 'gestão de resultados +
abundância de inventário')?" Agora dá para ver por que e
como Stelios conseguiu tantas idéias lucrativas.
Há lógica na criatividade. Ao estimular a curiosidade,
identificar os limites, questionar o saber convencional e
forçar ligações entre pedaços aparentemente não
relacionados de informação, você também formulará seu
próprio código.
Comece já. Ponha os precursores de Eureca para trabalhar
por você. Responda a essas perguntas:

1. Quais são as perguntas sem resposta que mais atraem
você, ou seja, que problemas você gostaria de resolver?
2. Quais são os limites, ou seja, o que está atrapalhando a
possibilidade de resolver o problema? E como você pode
olhar para esses limites de uma forma diferente? (Lembre do
papel da percepção.)
3. A partir da identificação do problema e seus limites, como
você questionaria o saber convencional envolvido?
4. Que analogias são possíveis com problemas similares já
resolvidos antes (talvez fora de sua categoria, indústria ou
área de conhecimento)? Quais são as ligações não-ortodoxas
que você pode fazer relacionadas ao problema? Que outras
informações, mesmo se irrelevantes, estão disponíveis? Há
outras possíveis soluções? Quais são?
Eis a solução do enigma. Ao pensar de forma deliberada
sobre sua percepção de problemas; o uso de limites para seu
próprio benefício; o gerenciamento de informações
aparentemente irrelevantes; a confluência delas com sua
experiência e conhecimento anteriores; e como você
questiona convenções a respeito do mundo, você se tornará
inspirado.

Resumo e exercícios criativos

• Códigos criativos são estruturas nas quais inovadores bem-
sucedidos geram idéias. Os códigos são diferentes de
convenções porque não são específicos para um problema
determinado. Pelo contrário, podem ser aplicados em vários
problemas diferentes.
• Códigos criativos são mecanismos comuns, usados com
freqüência entre os melhores cineastas, produtores de
televisão, editores, companhias de teatro e empresários
seriais.
• Códigos criativos oferecem uma plataforma na qual é
possível gerar idéias de forma contínua, e não acidental.

EPÍLOGO
E é isso que acontece com tudo que é novo

Como você agora já sabe, todos temos capacidade de criar,
inclusive os "não-criativos". É o que eu acho. Também acho
que criatividade conceituai é uma coisa que pode ser
aprendida. Você provavelmente conhece pessoas que se
declaram não-criativas. Se quiser ajudá-las a aplicar as lições
deste livro, sugiro começar por três palavras, antes de entrar
nos princípios analisados nestas páginas. As palavras são:
inovação, fracasso e sucesso.
Primeiro vem inovação. É uma ironia, mas porque ela quer
dizer coisas diferentes para pessoas diferentes, inovação é
um dos maiores impedimentos da criatividade conceituai.
Então, esse é meu conselho: se quiser ter sucesso nas suas
inovações, e quiser ajudar outros a ter igual sucesso, não
inove. Em vez disso, resolva problemas. Ao pôr o foco na
solução de problemas, em vez de tentar criar coisas
singulares, você vai aumentar suas chances de sucesso na
busca da inovação. Redefinir pensamentos sobre o mundo é
o mais simples e o mais importante para a melhoria da
capacidade criativa. Pergunte aos não-criativos: "Quando foi
a última vez que você resolveu um problema? Como você
fez?" Ele pode não saber, mas essa resolução de problema foi
um ato de criatividade. Seja um resolvedor de problemas
você também, não um inovador.
A segunda palavra que quero que você considere é fracasso.
Fracasso, no contexto de inovação, significa vontade de
correr riscos. Significa também uma redução da quantidade
de soluções possíveis para um determinado problema
(partindo da premissa que você aprenda com seus erros). Ou
seja, fracasso é um dado estatístico. O importante não é
propriamente o fracasso, mas a que você atribui sua
ocorrência. Por que aquilo fracassou? Às vezes achamos que
o fracasso não se deve à idéia em si, mas à sua execução, ou a
alguma força exterior fora de nosso controle. Pode ser
verdade, mas atribuir o fracasso a esse tipo de coisa pode
levar a novos fracassos. Iremos perseverar na idéia, achando
que a culpa é da execução. Então, quando as coisas não dão
certo (e tomara que não dêem, pois se não houver um
fracasso ou outro, você não está se esforçando o suficiente),
pare e pense. E quando as coisas dão certo (porque às vezes
dão), pergunte: De onde veio essa idéia? O que eu estava fa-
zendo logo antes de ter essa grande idéia? A partir das
respostas, vamos ver o que você pode fazer para recriar no
futuro as condições da criatividade. Preste atenção tanto ao
que levou você às idéias quanto às idéias em si. Escreva tudo
isso e estude o caminho que você seguiu. É provável que
haja um padrão atrás do feliz acaso. Pode ser útil para definir
seu código criativo. Use-o.
E isso me leva à última e terceira palavra: sucesso. Da mesma
forma que inovação e fracasso, o sucesso também pode
engessar sua capacidade — e a dos outros — de criar de
forma contínua. Eis a razão. Se o fracasso reduz o número
de soluções possíveis, o sucesso acaba com a busca em si. Ao
final do grande dia, você põe sua curiosidade na gaveta, a
nova idéia na pilha de grandes idéias, todos ficam contentes
e vão para casa. Mas lembre do que acontece depois de um
sucesso. Ele dá origem a um novo conjunto de regras que,
mais uma vez, cegarão você para as novas oportunidades.
Mais do que isso, o sucesso cria um novo quadro de
referências, pois grandes idéias são reverenciadas —
ninguém acha que vá encontrar nada melhor. Por exemplo,
o fato da Apple, Starbucks e Google terem tido sucesso com
suas inovações não quer dizer que as idéias deles são as
melhores. Quer dizer apenas que as idéias deles eram as
melhores no momento em que foram criadas. Sucesso
sustentável, como acontece com a democracia, não é um
lugar onde se chegue, é um desejo. Assim, para ter sucesso
com inovação, não pense nela como um lugar, e sim como
um caminho. E não se esqueça de olhar de vez em quando
para o retrovisor. Você vai ver que tudo já foi feito.
De uma coisa tenho certeza. Quando a próxima grande idéia
nascer, você não vai lembrar disso, mas a história vai: "O
que já era será de novo; o que já foi feito será feito de novo;
não há nada de novo sob o sol. Tudo já estava aqui desde
sempre. Ninguém lembra dos homens de antigamente e os
homens que estão por vir, eles também não serão lembrados
pelos que a eles se seguirão". E é isso que acontece com tudo
que é novo.

Agradecimentos

Agradeço a todos que me ajudaram a moldar as idéias que
estão entre as duas capas deste livro, tanto no presente
quanto no passado. Agradeço principalmente a Edward
Bowden por sua orientação, criatividade e profundidade de
conhecimentos. Encontramo-nos como estranhos, e por
meio desse projeto e de nosso interesse mútuo na origem
das idéias nos tornamos amigos. Agradeço também a Robert
Weisberg da Temple University, Teresa Amábile da Harvard
University, Edward de Bono da University of Malta, e Mark
Jung-Beeman da Northwestern University pela sua
generosidade e dedicação de toda uma vida a pesquisar e
promover a criatividade, e por me darem seu apoio.
Obrigado também à minha esposa, Cindy, que é tão
inspiradora não só para mim, mas para todos os que a
cercam. Agradeço a meu filho Charlie pelo seu insight sobre
como persuadir o pai a deixá-lo comer bolinhos no café da
manhã; e agradeço ao meu filho recém-nascido, Matthew,
por seus gritantes pontos de vista. Obrigado também a meu
irmão, Alan, por seus insights na arte da improvisação. E
meu obrigado à minha comunidade de amigos criativos:
Salvador Alva, Adriana Garza, Eduardo de la Garza e Ernesto
Sanchez, da PepsiCo; Carlos Cruz e os estudantes e
professores do Instituto Tecnológico de Monterrey; Tom
Stat e o pessoal criativo da IDEO; e Urs Eberhard, Maureen
Hubbs, Neil Hart, John Ward, Chuck Templeton, Jonathan
Greenblatt e Paul Sestak. Obrigado também à equipe de
Jossey-Bass por seu profissionalismo e dedicação à palavra
escrita: Susan Williams, Rob Brandt, Mary Garrett, Beverly
Miller e Carolyn Miller Carlstroem. Finalmente, meu
obrigado aos meus alunos na Northwestern University por
seu idealismo generoso, entusiasmo sem fim e vontade de
fazer o bem.





---------------------
Edgar Madruga
Salvador/BA
 

 
 
 
Lançamento Gênesis do Conhecimento
Enigma - Andrew Razeghi
 
 
 
links ao final da mensagem
 
 
digitalização - Vitório
formatação e revisão - Lucia Garcia
 
 
 
 
Sinopse:
 
De onde as idéias vêm?
Como funciona o processo criativo?
A criatividade é uma arte ou uma habilidade ao alcance de todos?
Este livro acaba de vez com o mistério. Apesar de fazerem parte do âmbito científico, os processos criativos não são mágicos, e você verá isso com os próprios olhos!
Enigma mostra como a reprodução dos precursores do insight criativo - curiosidade, limites, ligações, convenções e códigos - pode aumentar suas chances de sucesso em inovação. Mostra como a criatividade pode ser obtida por maneiras reproduzíveis e controláveis de pensar e se comportar, bem como explora o real papel do sono, da memória e da herança étnica em relação ao insight criativo.
A partir das técnicas delinadas aqui, inovadores de qualquer área podem recorrer aos "momentos-eureca" sempre que precisarem.
 
 
 


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